O PENSADOR E VÍRUS

Por Antônio Márcio Melo | 02/04/2010 | Sociedade

O PENSADOR E VÍRUS, EXPERIÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO POPULAR NO SERTÃO DA BAHIA OU: É PRECISO RESGATAR O IDEALISMO E O PAPEL TRANSFORMADOR DOS JORNAIS

"Com tanta riqueza por aí, onde é que está/

Cadê sua fração?

Até quando esperar a plebe ajoelhar

Esperando a ajuda de Deus?(...)"

(André X, Gutje e Philippe Seabra,

na música Até Quando Esperar,

gravada pela banda Biquíni Cavadão no DVD 80 vol. 02)

"Até quando vai ficar levando porrada, porrada?

Até quando vai ficar sem fazer nada? (...)"

(Gabriel O Pensador, na música Até Quando?)

Ao longo desses dez anos, no terreno árido da informação, duas ideias interessantes surgiram no sertão da Bahia, mais precisamente nas cidades de Morro do Chapéu (na Chapada Diamantina) e Miguel Calmon (no sertão): foram os jornais O PENSADOR e VÍRUS. Duas iniciativas de pessoas comuns, do povo, professores e profissionais liberais, formadores de opinião, interessadas em ver mudanças positivas em suas cidades.

O PENSADOR surgiu em Morro do Chapéu, em 2002 e foi publicado até 2007; e o VÍRUS surgiu um ano antes e está sendo publicado até hoje – o último número, o 40, foi lançado em março deste ano.

Na verdade, esses dois jornais surgiram basicamente pelos mesmos motivos. Existe uma parcela da juventude e também da população, que está cansada de viver sob o jugo de uma cartilha feita pelos donos do poder, por uma elite (10% da população) que usa todos os meios possíveis para manter uma ordem antiga, de quinhentos anos, que só a favorece economicamente, em detrimento das camadas populares (os pobres, que são os outros 90%). E essa elite dominante, sempre representada, em nível nacional, pela grande mídia (Rede Globo, Veja e cia.) e que aqui na região onde vivemos e atuamos, tem uma mídia nanica (rádios e pequenos jornais) como sua fiel escudeira. Sem falar também na força da grana (essa mesma que ergue e destrói coisas belas, como na música "Sampa", de Caetano Veloso).

Acontece que com o nosso trabalho em sala de aula, escrevendo e publicando nossos jornais, com muita dificuldade, numa região onde impera o descaso dos poderes constituídos e onde a maioria da população, pobre e analfabeta (ou semi-analfabeta) vive alheia às questões contemporâneas, isolada em seu cotidiano, essas duas iniciativas mostram-nos que é possível sim romper essas barreiras. É possível sim abrir a cabeça de algumas pessoas para a questão social. Mas o mais importante, nisso tudo, é poder mostrar para os jovens a força que eles possuem, se tomarem conhecimento de quem são e de onde podem chegar.

E vamos evoluindo, cada vez mais, no pensamento. Nas nossas páginas, pautas relativas ao cotidiano da nossa região são sempre a tônica. Algo que precisa continuar sendo a nossa marca: assuntos com uma perspectiva crítica, progressista e diferente dos demais periódicos da região, que insistem com as suas picuinhas politiqueiras; sem falar no sangue, que nunca falta em suas páginas. Eles não falam de maneira correta sobre as coisas mais importantes, que são as grandes questões da vida: saúde, educação e violência, por exemplo. Nós, ao contrário, sempre pensamos na importância de se ter em nossas páginas uma pauta mais abrangente, mais ampla, sobre as nossas cidades, com seu cotidiano pulsante e seus problemas trágicos. E o mais trágico nelas não é o desemprego, mas sim a violência.

Nós já entendemos que a comunicação tem o poder de transformar. É um poder que nós – os verdadeiros professores críticos, sérios e comunicadores em geral – temos nas mãos. É pena que muitos ainda não sabem bem como usar.

Os meus amigos de Miguel Calmon, que continuam na persistência e na insistência, publicando o VÍRUS vivem reclamando da falta de patrocínio, coisa que passei cinco anos também fazendo... Mas é uma luta vã mesmo, numa região onde a faixa elitizada da sociedade usa não só o poder do dinheiro, mas a sua política para continuar mantendo este quadro (status quo) em que vivemos. É uma elite que não se preocupa em contribuir com a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida de toda a coletividade. Visite as favelas e periferias da sua cidade, veja como vivem os outros 90 por cento da população, que é pobre! A nossa região é rica, como o nosso país, mas essa riqueza quase toda fica nas mãos dos ricos!

Independentemente de em quem votamos, de qual grupo político participamos, precisamos ter em mente, enquanto coletividade, que a saída para o caos em que vivemos (miséria, fome, analfabetismo, violência etc, etc.) passa necessariamente pela conscientização de todos no sentido da busca de condições concretas para definir seus próprios objetivos, e não mais viver como um grande rebanho atrás do pastor. Zé Ramalho diz na sua música Admirável Gado Novo: "É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber". E isso deve ser buscado sempre, por cada um/a, para que deixemos de ser massa de manobra nas mãos de políticos mesquinhos, que só lembram que a gente existe a cada quatro anos. É preciso que entendamos que isso é fruto de uma democracia delegativa e incompleta, onde o que decide as eleições é o voto comprado. Só teremos uma democracia avançada, quando for feita uma profunda reforma das instituições de poder, bem como dos meios de comunicação de massa, que estão nas mãos da elite, e colocá-los a serviço do povo, da coletividade.

Até quando esperar? Até quando ficar dormindo? Ou preso no fundo das nossas cavernas, como no mito de Platão? Sem atentar para as conquistas destas metas, a nossa região, como o resto do País, não vai continuar avançando. Do jeito que está, a reforma durará décadas. Até lá, o número de indigentes, marginalizados e desempregados só irá aumentar. E na nossa região não será diferente!

O grande e saudoso Renato Russo questiona numa música de vinte anos atrás: "Que país é este?" Nós precisamos, enquanto povo, continuar tentando responder a esta pergunta!

No "Editorial" do ato 119, de agosto de 2007, que comemorou os cinco anos deO PENSADOR, nós publicamos essas palavras, que de certa maneira sintetizam bem os porquês da existência desses dois jornais; fique com elas: "O PENSADOR existe porque você merece estar bem informado/a. O PENSADOR existe porque nós acreditamos que uma outra comunicação é possível. O PENSADOR existe para abraçar ideais solidários, através da comunicação popular. O PENSADOR existe para convidar a todos para a criação de um mundo outro, uma escola outra, um trabalho outro e uma política outra. O PENSADOR existe para mostrar que um outro (e melhor) mundo só é possível com outras (e melhores) informações. O PENSADORexiste para lutar contra a opinião formada, pois o leitor merece informação de qualidade e, mais do que isso, merece poder enxergar nela uma possibilidade de intervenção e transformação da sua própria realidade. O PENSADOR existe para jamais aceitar a censura de pensamento e de expressão. O PENSADOR existe para te fazer descobrir a esperança e o sonho na própria realidade. O PENSADOR existe porque é preciso ter um espírito insaciável para se explorar as inesgotáveis possibilidades de pensar livremente. O PENSADOR existe para priorizar a educação, a discussão e a provocação em uma perspectiva humana e cultural. O PENSADOR existe porque o febeapá (festival de besteiras que assola o País) continua. O PENSADOR existe para combater a higienização das ideias. O PENSADOR existe para entrar em todas as estruturas sem perder o rumo. O PENSADOR existe para conectar-se, deletar velhas ideias, espiritualizar-se, radicalizar-se. O PENSADOR existe porque é preciso ter culhões. O PENSADOR existe porque é preciso ser protagonista de sua própria história. O PENSADOR existe para mostrar que podemos nos transformar diariamente em pessoas melhores. O PENSADOR existe para que você saiba que a liberdade é a coisa mais séria e subversiva que existe e que é algo que se conquista. O PENSADOR existe para te mostrar que ser livre é um desafio, uma sedutora aventura; mas que ser livre é ser responsável pelo seu mundo e pelos seus atos. O PENSADOR existe porque você, leitor/a, existe."

Todo ponto de vista é a vista de um determinado ponto. A linguagem é um vírus. É por aí.

(Márcio Melo, professor de História, Sociologia e Filosofia, formador de opinião e cidadão que paga todos os impostos em dia; é também um otimista incorrigível, porque foi infectado por um vírus do bem vindo de Miguel Calmon)

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