O PAVOR SEM FIM DA BRUXA DE BLAIR

Por João Valente | 09/04/2010 | Arte

O PAVOR SEM FIM DA BRUXA DE BLAIR

O pior pavor da história humana é retratado com lágrimas e sangue num livro brasileiro, e o filme apenas de longe vislumbra o horror sofrido e descrito pelo escritor-protagonista

Entrar numa floresta de dia, adentrar mais e mais na mata fechada, depois perder o mapa de retorno, a bússola e todos os meios de encontrar o caminho de volta, agora já de noite, é terror "pra macho algum botar defeito", como dizem os matutos de minha terra. E a minha própria experiência diz que nada apavora mais do que ver-se ou sentir-se perdido, e por isso estava certa a religião quando aponta a perdição como a pior desgraça.

E há ainda o fato de que quem a viveu pode jamais ter voltado, ou voltado "sem vida", se é que voltou vivo, agora sem "ânimo" de viver, ou tão amedrontado que precisa de terapia. E se lá na escuridão florestal havia mais alguém, um indesejável convidado sem convite, então o terror está completo... que o digam os perdidos de todos os tempos. É claro que hoje dirão que o GPS salva qualquer um dessa aflição... Mas estou falando de gente perdida sem GPS algum e longe de qualquer sinal de celular! Então volte a pensar no maior pavor que sua mente pode conceber.

Ainda há um pavor maior.

Um livro chamado "Os manipuladores da falsa fatalidade" encerra, sem a menor dúvida, a pior experiência de medo que um ser humano pode experimentar. Ele foi escrito por Ernesto Bono e publicado de maneira independente, i.e, sem qualquer medo de confessar tudo e de apontar uma situação cuja estranheza sempre depõe contra a sanidade mental de quem a defende. Sobretudo quando o autor é um psiquiatra, autor de livros como "A Antipsiquiatria..." e "A Grande Conspiração Universal".

Em "Os manipuladores da falsa fatalidade", o título é honrado do começo ao fim, de tal modo que se pode supor a sua inspiração anterior ao conteúdo, que conta a história mais triste que o autor viveu em toda a sua existência.

O Brasil é um país onde as estatísticas de desaparecidos é enorme, a cada ano, e o número de casos não resolvidos idem, numa casuística que desconcerta e amedronta o mais frio dos carrascos nazistas. Há meninos e meninas sumidos quase dos braços de seus pais, há adolescentes sumidos e sumidas pelas mãos de tarados e pedófilos, há jovens sumidos nos guetos do craque e nas festas do êxtase e há um sem-numero deles que terminam entrando na mais triste lista de óbitos, aquela daqueles que foram rápidos para sumir vivos e demorados para reaparecer mortos.

Todavia e com efeito, nenhum desses casos é mais cruel e terrível do que o descrito por Bono em "Os manipuladores da falsa fatalidade". Antes mesmo de continuar, o leitor pode apostar que sim. Ou nem queira saber mais. Talvez seja uma péssima higiene mental.

Todos os que tiveram seus entes queridos desaparecidos nas teias da maldade humana, drogas, seqüestros, pedofilia, etc., foram vitimados no início, de fato. Entretanto, por assim dizer, tiveram alguma espécie de consolo no fim, quando a notícia da morte (ou o defunto) apareceu, encerrando às vezes décadas de sofrimento e esperanças frustradas. Com Bono não foi assim.

Ele teve uma filha ainda criança atropelada por um caminhão e dada por morta minutos após o trágico "acidente" (até então apenas um acidente). E a vida prosseguiu como de costume, com os procedimentos rotineiros de emergência de hospital, IML, casa funerária, sepultamento, etc. Até aqui "nada" demais, por assim dizer, pedindo perdão pela extrema dor do autor daquele livro que merece um filme de Hollywood. Senão vejamos.

Meses ou anos após o sepultamento, o pai recebe um telefonema de uma voz que parecia premida por uma situação de seqüestro, e esta voz passa o telefone para uma criança falar, e o pai reconhece a voz da filha, tendo quase uma parada cardíaca do susto que levou. Passa então a crer que a filha não morreu (ele também havia descoberto certas estranhezas no enterro) e que teve uma morte camuflada para encobrir um seqüestro!

O caso é tão estapafúrdio que as 336 páginas do livro "Os Manipuladores da Falsa Fatalidade" não foram suficientes para iluminar o mistério, pois ele não é apenas uma coisa do tipo "oculta", mas é macabra e infernal, levando o pai a pensar em coisas muito mais "loucas" do que um simples "seqüestro sem contato", coisa até comum nos registros policiais. Assim, o pai atribui tudo à atuação maquiavélica daquilo que chama de "ETs nefastos", que estariam por trás de todas as ações malévolas estranhas sobre a face da Terra, talvez desde que o homem tomou consciência de ser um animal racional.

Mas isto não basta! O caso é sui generis e absolutamente perturbador, mesmo considerando que a dor extrema da perda de um filho poderia gerar uma mente perturbada o suficiente para "criar" uma história dessas, cuja estranheza não deixa nenhuma solução, exceto a descrita no livro ou esta da total paranóia de um pai literalmente abatido. Porém o telefonema de fato existiu, e Bono não havia bebido ou ingerido qualquer substância para dormir, mesmo numa época de extrema dor. Se foi mesmo a voz de sua filha, qual outra interpretação poderia ser dada ao caso? Onde estaria a criança? Por que ou para que alguém a seqüestrou? Por que alguém usou um acidente forjado para simular uma morte e depois permitir que o pai arrasado ouvisse a voz de sua filha?... São perguntas todas que caem no silêncio, tal como até hoje ficaram incômodas perguntas sem resposta no Caso Kennedy.

Procuramos em todas as listas de filmes uma história mais aterradora do que esta e ainda não encontramos. Num enorme grupo de cinéfilos consultados o filme "A Bruxa de Blair" acabou ficando em primeiro lugar na categoria de "terror", porque a justificativa da pesquisa era um filme que refletisse uma situação real, e não uma estória de monstros e crimes sobre-humanos. Mas "Os manipuladores da falsa fatalidade" vai mais longe. Nada chega aos pés do que descreveu Ernesto Bono, o pai enlutado de saudade e horror. O livro, pois, merecia e merece virar filme. Eis aí uma dica para os produtores do bom cinema, sejam daqui ou de Hollywood.

Prof. João Valente de Miranda.

(eatjvs@gmail.com)