O Paraíso na Ótica dos Viajantes do século XVI

Por Marcio Renato Marques | 17/05/2009 | História

O Paraíso na ótica dos Viajantes do século XVI

Este homem do alvorecer do século XVI via nascer o mercantilismo, o germe que acabaria por transformar sua sociedade, no caso os impactos da interação com outras partes do mundo afim de comércio. Buscava ser racionalista, sendo a "descoberta" ou "achamento" [1] de um Novo Mundo uma grande ruptura quanto à dimensão do Orbe, antes compactado entre as cortinas de ferro no Oriente distante ou além do Mar Tenebroso.

O pioneirismo ibérico nas navegações suprimiu certa efervescência de uma afeição ao paganismo nas artes, sobretudo do renascimento. Os aspectos ímpares no campo artístico sem dúvida mudaram em muito, porém tais características soam mais tímidas; representadas como exemplo na mescla da arte gótica tradicional com algumas inovações não muito impactantes visualmente, como no período Manuelino em Portugal. (CALMON, 1959)

Como os pioneiros nas grandes viagens náuticas, os portugueses e espanhóispossuíam elementos em comum e algumas diferenças. O Homem português do século XV "era fragueiro, abstêmio, de imaginação ardente, propenso ao misticismo, caráter independente" como disse outrora Capistrano de Abreu, já o castelhano tinha por característica uma organização sistemática do espaço, era enfim o "ladrilhador", mesmo compartilhando de igual teor a propensão ao menor esforço para obter resultados. (HOLANDA, 1948)

O modo de pensar e agir do europeu[2], ainda fortemente influenciado pela Igreja medieval começava lentamente a se transformar, devido ao enriquecimento da cultura material e aos avanços tecnológicos do início do século XVI, ressaltando sua alteração mais expressiva nas regiões de Flandres, Alemanha, França, Inglaterra e Itália (surgimento de heresias, protestantismo); reservando à Ibéria a herança de um cristianismo Niceno forte, herdeiro das idéias de Isidoro de Sevilha, muitas vezes apenas reinterpretadas e com sutis acréscimos de um ou outro autor. Assim como aponta Bloch (1971) (mesmo tratando de um recorte temporal anterior, a mesma explanação é válida) os estamentos sociais mais baixos conservavam muito o modo de pensar e agir de séculos atrás:

Nada será mais justo, se isso significar que toda a concepção do mundo da qual estivesse excluído o sobrenatural era profundamente impenetrável para os espíritos daquele tempo, e que, mais concisamente, a imagem que eles tinham dos destinos do homem e do Universo se inscrevia quase unanimemente no desenho traçado pela teologia e pela escatologia cristãs, sob as suas formas ocidentais. (BLOCH, 1971.p 110)

Mas ao mesmo tempo o Tribunal do Santo Ofício se mostrava mais presente na sociedade, sendo o principal controlador da moral cristã; incluindo ao longo desse período os protestantes como inimigos da cristandade latina, fazendo companhia aos judeus, mulheres e muçulmanos. (DELUMEAU, 1989)

"É enfim o Brasil terreal paraíso descoberto [...]" exclamou Rocha Pita [3]na introdução de "História da América Portuguesa" (1880) demonstrando uma idéia que se perpetuou por séculos, associando o Brasil à imagem do Jardim do Éden, a tanto procurado por navegadores e viajantes medievais.

Esse paraíso terreal, era a materialização da descrição bíblica do eixo da criação humana, surge no ideal do europeu como presente geograficamente em terras longínquas. O pintor flamengo Hieronymus Bosch representa em sua célebre obra "O Jardim das Delícias Terrenas" uma transposição de algumas dessas idéias, representando no primeiro painel a criação do mundo, com sua fonte da juventude; Deus ao lado de Adão e Eva, animais diversos (tais como a girafa e o elefante, animais presentes apenas em alguns bestiários medievais) e a presença do Diabo, em formato de rocha, bem como uma serpente simbolizando a traição.

Os viajantes medievais conseguiram construir anteriormente as "descobertas" ibéricas uma visão de mundo muito maior para o homem europeu, fazendo-o acreditar em terras fantásticas, em lugares distantes, povoados de seres disformes. Carlo Ginzburg fornece uma demonstração sólida de tal aspecto, demonstrando a presença de tais idéias no cotidiano:

Através dos Contos de Mandeville[4], de suas descrições, na maior parte fantásticas, de terras longínquas, o universo mental de Menocchio se dilatava extraordinariamente [...]Não mais Montereale,Pordenone e no máximo Veneza,lugares de sua existência de moleiro -mas simÍndia,Catai,Ilhas povoadas por canibais,pigmeus,homens com cabeça de cão.(GINZBURG,1987.p 94)

A visão desse mundo após as "descobertas" ainda contava com algumas permanências desse imaginário, afinal de contas as viagens de São Brandão (Navegati Sancti Brendani Abbatis[5]), Marco Polo, Montecorvino (e até descrições anteriores como as de Plínio, o antigo; Isidoro de Sevilha, Solino, Santo Agostinho, etc.) entre outros criaram na mentalidade do homem europeu um profundo medo do desconhecido. O Medo do outro tão bem explanado por Delumeau (1989) indica o sentimento de desconfiança frente a tudo que é novo aos olhos do homem, sendo diretamente relacionado e comparado junto aos dogmas religiosos, variando entre o cristão e o pagão. Esse outro não era mais o próximo, não realizava sortilégios como o do nó da agulheta, não era o forasteiro; andava desnudo em selvas, comendo carne humana, aparentava ser mais uma besta do que um homem.

Esse desconhecido era uma mescla do paraíso terreal, com seus "campos fertilíssimos, um clima de perene primavera, a Fonte da Juventude[6], a Árvore do Bem e do Mal e o grande rio dividido em quatro braços [7]ou de uma terra inóspita:

Habitada por seres disformes ou monstruosos – arimastos dotados de um só olho na testa, artabaritos sem boca, ciápodos de uma única perna bifurcada em dois pés, blêmios sem cabeça com olhos nas espáduas, e mais cinocéfalos, andróginos, pigmeus, grifos, antropófagos (LEITE, 1996.p 34)

A presença de criaturas fantásticas habitando a América é um dos reflexos da "expulsão do demônio" para fora da Europa por meio da cristianização; assim como poderia o Diabo co-existir com a idéia de Deus e um Paraíso em algum lugar do espaço ainda não descoberto, como as Ilhas das Bem Aventuranças de São Brandão. Tal ambigüidade também tratou de excluir as humanidades monstruosas para fora do perímetro civilizacional cristão ocidental, restringindo sua presença á lugares enigmáticos como a Índia, Etiópia (sustentada pela lenda do Preste João), Escandinávia, e por fim, a América. (SOUZA, 1993)

Essas idéias quanto à existência de seres fantásticos apenas foram acrescidas, sobretudo com elementos da mitologia indígena, como aponta Franco Afonso Arinos de Mello em "O índio brasileiro e a revolução francesa - as origens brasileiras da teoria da bondade natural":

Os seres fantásticos com que a imaginação européia povoava as terras ignotas foram localizados no Brasil, depois do descobrimento deste. Assim foram naturalizados brasileiros os bichos que se alimentavam de ar; outros que se assemelhavam aos licornes; os Pigmeus ou Goyazis, os Gigantes ou Curinqueans; os homens acéfalos ou Iwanpanomas; os homens cobertos de pêlos; homens de pés às avessas, ou Matuyús; as Amazonas, os homens de cabeça de cachorro, ou Canibais, e, finalmente os homens marinhos, ou Ipupiaras[8]. (MELLO, 1976.p 81)

A Cartografia medieval ilustra claramente onde a imaginação situava o paraíso, além da África e da Europa, e sim na misteriosa Ásia num apêndice do mundo material com o espiritual, numa esfera isolada do mundo dos homens. A representação no Orbis Terrarum juntamente com o mapa de Andrea Bianco, o Ymago Mundi(1436, biblioteca Marciana, Veneza) demonstra essa possível interpretação.

Como testemunhos dessa ânsia em encontrar o paraíso, surgem os relatos das viagens a América, dentre os quais a Carta de Pero Vaz de Caminha que descreve maravilhado a natureza:

[...] Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa. (CAMINHA, 1999.p 18. Apud In Olivieri e Villa)

Da mesma viagem existe o relato de um piloto anônimo, que da mesma forma transcreve a natureza edênica da terra recém "descoberta":

A terra é muito abundante de árvores e de águas, milho, inhame e algodão, e não vimos animal algum quadrúpede; o terreno é grande, porém não pudemos saber se era ilha ou terra firme, ainda que nos inclinamos a esta última opinião pelo seu tamanho;tem muito bom ar;os homens usam redes e são grandes pescadores.(Piloto Anônimo.p 31,1999.Apud In Olivieri e Villa)

Assim, ocorrem diversas leituras sobre tal característica paradisíaca da América. , todas elas exaltando, fazendo analogias com o Jardim do Éden, descrevendo a natureza abundante além de atender a uma necessidade muito presente no período, remetendo as novidades sobre diversos lugares até então livres de contato com os europeus.

A natureza dos objetivos mais freqüentes entre estes primeiros navegadores, independentemente de serem clérigos ou viajantes consistia em duas grandes semelhanças: a primeira seria a característica comercial e a segunda ligada a uma ideologia "cruzadística", dedicada a guerra contra os infiéis por meio da catequese. (SOUZA, 1993)

Segundo Holanda (1959) a herança de tal modo de pensar tinha como peculiaridade o fato de "corroborar e completar o ensinamento do Gênese", utilizando para isso obras literárias e textos clássicos greco-romanos, a fim de encontrar nas terras incógnitas um ponto de congruência com o plano celeste, pois o Paraíso não surge apenas como mito comparado a dimensão do real, seria ele também presente em algum lugar na forma material. (p 236)

O Brasil como parte desse Novo Mundo era então para os que seguiam as constatações de Colombo[9] um paraíso terreal, uma terra de beleza, fertilidade e alegria. A opinião sobre os bons ares, a riqueza, o colorido da flora e da fauna, assim como a boa impressão sobre os habitantes é quase que unânime,variando para os viajantes que observam mais como "etnodemonólogos" [10]a caráter (no caso tendendo a enfatizar a crueldade e os costumes pecaminosos dos índios, como faz Staden[11]; a tomar por comparação a própria antropofagia. Léry[12] ressalta que não a fazem por gulodice, sendo esta parte de suas tradições, já o alemão dá mostras de que a fazem por influência do demônio). Assim a partir daí observações de Léry e Thévet[13] acerca da natureza do homem americano colaboraram para a idéia de um Bon sauvage[14].

2.1 – Construindo a Imagem do Bon Sauvage

Desde o século XIV os europeus se questionavam sob o estatuto de humanidade, pois para conferir certa dignidade, uma relação de maior respeito, sem ares de superioridade para com os outros povos era necessário um elemento comparativo fundamental: a religião.

Assim o cristianismo era a medida fundamental que distinguia os pagãos dos cristãos, melhor dizendo dos que serviam ao Diabo ou a Deus. Souza (1993) utiliza como exemplo de tais idéias uma opinião exaltada de um clérigo espanhol[15], chamado Castañeda. Segundo ele haviam apenas duas igrejas no mundo, sendo uma a católica e possuidora dos verdadeiros sacramentos; já a outra igreja seria a diabólica com seus excrementos.

Assim ressaltada a principal ambigüidade presente para caracterizar qualquer semelhança ou diferença, variando entre ser bom ou mal está incluso o habitante nativo. Primeiramente pretendo dialogar sobre a comparação entre o mal civilizado e o bom selvagem. Aliás, muito debatida no que pode se considerar a pré-história da antropologia, sem nenhum método científico estruturado, se resumindo na observação e transcrição na forma de crônica da vida e costumes dos índios.

La Plantine (2000) discute a substituição mais comum quanto à comparação entre os nativos e seu meio, falando então a partir de uma ótica invertida; permanência sentida no discurso de Rousseau no século XVIII. Descreve então o foco de tal interpretação: "efetua-se dessa vez a inversão daquilo que era apreendido como um vazio que se torna um cheio (ou plenitude). Daquilo que era apreendido como um menos que se torna um mais" (p 46)

O discurso direto, das crônicas falando dessa idéia de uma bondade natural do homem, apesar do meio o ter embrutecido os costumes aparece de maneira muito clara quando tomamos, por exemplo, Colombo, um dos poucos que insistiu efetivamente na materialização do Jardim do Éden, com base no que diz ter observado:

Eles são muito mansos e ignorantes do que é mal, eles não sabem se matar uns aos outros [...] Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor. (COLOMBO, 2000.p 47. Apud In La Plantine)

Ainda quanto à observação sobre a população[16] local, o navegador ressalta com admiração uma ruptura com uma idéia existente no imaginário medieval, que como dito anteriormente buscava relacionar o "outro" como parte de uma humanidade monstruosa:

Não encontrei os monstros humanos que muitas pessoas esperavam que eu encontrasse. Pelo contrário, toda a população é muita bem feita de corpo. Não são negros como na Guiné, e seu cabelo é liso. (COLOMBO, 1996. P 34. Apud In LEITE)

Jean de Léry também ressalta em suas descrições pontos que tentam afastar o nativo[17] da imagem monstruosa, fazendo um número maior de comparações ao modo de vida europeu; falando então de uma terra sem tantos males, (porém sem ser necessariamente o paraíso terreal que Colombo avistou) onde mesmo mergulhadas numa vida primitiva as pessoas sentiam-se felizes:

Não são maiores nem mais gordos que os europeus; porém são mais fortes, mais robustos, mais entroncados mais bem dispostos e menos sujeitos a moléstias, havendo entre eles muito poucos coxos, disformes, aleijados e doentios. Apesar de chegarem a 120 anos, poucos são os que na velhice tem cabelos brancos ou grisalhos. [...] E de fato nem bebem eles nessas fontes lodosas e pestilenciais [...] e que são a desconfiança, a avareza, os processos e intrigas, a inveja e a ambição. (LÉRY, 1960.p 102)

A idéia de uma bondade natural surgiu como fruto após um primeiro contato, de uma relação de trocas cuja finalidade era a de saciar um pouco o sentimento de curiosidade. O impacto visual não foi tão brusco, apenas abalou algumas idéias quanto ao desconhecido, desmistificando as expectativas como as de Colombo. Com o início das trocas culturais entre europeus e índios, percebe-se que mesmo diante da maior parte das trocas favorecendo os europeus (pau-brasil, animais exóticos), os índios sentiam-se saciados mais pela representação das quinquilharias oferecidas por estes como moedas, do que seu valor e utilidade para seu modo de vida (salvo ferramentas em ferro e anzóis, restringindo a essa observação produtos como contas e espelhos). (PERRONE-MOISÉS, 1996)

As características dessas trocas eram vistas pelos europeus como reflexos de uma disparidade, pois criavam a idéia de que o índio era quase sempre enganado; enquanto o europeu conseguia obter grandes lucros com poucos esforços, como demonstra Thévet:

Quando os cristãos sejam franceses ou Espanhóis, vão a esses locais em busca de troncos, são os próprios nativos que derrubam as árvores e as cortam em pedaços, trazendo-as às vezes de três ou quatro léguas de distância até os navios. Imagines o trabalho que têm apenas pelo desejo de ganhar uma simples roupa forrada ou alguma camisa... (THÉVET, 1978.p 196)

Porém além das trocas, a própria convivência entre os nativos (nos casos de Thévet e Léry) reforçam sua índole amistosa, configurando uma imagem inocente e gentil baseada em observações do cotidiano. Assim, criou-se a idéia de que "guiados apenas pelo seu natural, vivam com tanta paz e sossego" (LÉRY, 1960. p 101), sem se apegarem demasiadamente aos costumes que degeneravam sua natureza humana (apesar de existirem nas opiniões de Léry e Thévet referências de desaprovação à poligamia e a antropofagia), eram encontrados em um estado de felicidade plena, servindo em suas atitudes de exemplo aos europeus.

2.2 – Fauna e Flora do Éden Tropical.

As descrições nas crônicas de Léry, Thévet e Staden reservam um espaço importante no que se diz respeito à descrição de plantas e animais curiosos. Apesar de não possuírem um rigor científico no campo da zoologia e da botânica, colaboraram para mapear o exótico ambiente tropical, situar nele seres desconhecidos e compará-los com criaturas semelhantes existentes em outros lugares ou tentar adequar a interpretação ao conteúdo dos bestiários medievais.

Suas contribuições nas crônicas, sobretudo movidas pela curiosidade diferem então das de Georg Marcgrave [18]e Alexandre Rodrigues Ferreira[19], sendo os primeiros zoólogos dedicados a classificação sistemática de espécies, cuja obra foi construída apenas nos séculos XVII e XVIII. (VANZOLINI, 1996)

Desde o momento da partida da Europa, as viagens alimentam a curiosidade sobre animais e lugares diferentes, tentando primeiramente comprovar a existência de criaturas lendárias cuja existência era tida como verdadeira, em determinado lugar de localização incerta. Assim Jean de Léry, influenciado pela obra de Plínio, o Antigo [20]escreve desapontado:

Embora muito falte para que as tartarugas que vivem nesta zona tórrida sejam tão grandes e monstruosas quanto as que Plínio diz se encontrarem nas costas das Índias e nas Ilhas do Mar Vermelho, e cujo casco basta para cobrir uma casa habitável... (LÉRY, 1960.p 66)

O mesmo gosto pelo exagero é herdado. Léry segue descrevendo a existência de peixes-voadores, que próximos a linha equinocial saltavam de um lado para outro do navio, esbarrando nas velas e sendo utilizados pelos marinheiros como alimento. (1960, p 81)

Estes animais são retratados em uma gravura de Singularidades da França Antártica (Thévet, 1978) como verdadeiros monstros marinhos. Aparecem ao redor de dois navios, com as barbatanas parecendo muito com asas de morcego, com a cabeça desfigurada, lembrando vagamente simples peixes, se assemelhando a demônios[21] se atirando em direção aos navios. Mais abaixo, próximo a uma onda surge um tubarão devorando um dos peixes-voadores.

A passagem pelo Equador[22], aliás, carrega inúmeras lendas e superstições dentre as quais, a da água entrar em ebulição graças ao calor da região, a das chuvas pestilentas [23]e da proximidade do purgatório[24].

A descrição sobre peixes diversos e aves acompanha então o decorrer da viagem que é enriquecida após contato com a terra firme e com o ambiente exótico. Dentre as árvores singulares encontradas, destacam-se além do pau-brasil (Ibirapitanga ou Arabutan) no relato dos viajantes é a chamada pacoére (pacobeira ou bananeira) por Jean de Léry: "Cuja fruta é boa; quando chega à maturidade tira-se-lhe a casca como o figo fresco e sendo gomosa como este parece que se saboreia um figo." (Léry, 1960. p 130)

Staden fala de uma árvore muito utilizada pelos índios, chamada por ele de Junipappceywa (genipapayba), cuja fruta era semelhante à maçã. Após extraírem o suco, aplicam o sobre a pele, e este é então claro como a água; e após um tempo torna a pele tão escura que o pigmento não sai em menos de uma semana[25]. (STADEN, 1930)

Além dos tubérculos mais utilizados pelos índios, como o aipim, a maniot (mandioca brava), o jettiki (batata indígena) destaca-se o avatí (chamado na época pelos europeus detrigo sarraceno ou blé de turquie) que corresponde ao milho, utilizado para o preparo do cauim. (LÉRY, 1960) Dentre as árvores mais curiosas está a que André Thévet chamou de Arbre Choine, cuja gravura está presente na sua Cosmografia Universal e foi interpretada por Belluzzo (1999) como contrária a idéia de poligamia atribuída aos índios, pois junto á arvore está um casal com seu filho. A mesma árvore é descrita por Léry da seguinte forma:

A árvore a que os selvagens chamam choyne é do tamanho médio; têm folhas verdes semelhantes ás do loureiro; dá um fruto volumoso como uma cabeça de menino e com a forma de um ovo de avestruz; os tupinambás o conservam inteiro. Preferem-no ao comprido, com ele fazem o instrumento chamado maracá. (Léry, 1960.p 156)

Sumariamente dentre os animais mais estranhos [26]aos olhares europeus está o tatu (Dattu para Staden, Tattou para Thévet). Segundo Léry tal quais os ouriços de França não pode se locomover rapidamente é coberto de escamas capazes de resistirem a um golpe de espada. Staden complementa dizendo que sua carne é gorda e que tal animal se alimenta de formigas. A catiuare (ou taiassú, a capivara) é segundo os viajantes um animal grande, com a carne semelhante a do porco, que corre nas encostas dos rios.

A preguiça[27], chamada por Léry de hay (haüt segundo Thévet)foi descrita como do tamanho de um cão grande, com uma cara de bugio semelhante ao rosto humano, tendo as unhas muito compridas e o pelo pardo escuro como a lã de carneiro. É um animal muito feroz temido pelos tupinambás devido às unhas afiadas, e que anda a "passos tão vagarosos que ainda que ande quinze dias não vencerá a distância de um tiro de pedra." (Gândavo, 1980.p 77)

Há também a descrição dos répteis, sendo o lagarto d'água (yacaré) a criatura mais observada com espanto. Mais uma vez Léry faz comparações com a obra de Plínio, falando então de que tais criaturas diferem em tamanho dos crocodilos do Nilo. Baseia-se também em Gomara[28], que diz ter matado no Panamá jacarés com mais de cem pés de comprimento.

Quanto às aves, duas merecem destaque: a Uara Pirange (Guarapiranga) descrita por Staden e o tucan de Thévet (ou toucou de Léry). A primeira segundo o alemão tem penas pardas quando o animal é filhote, cuja cor se altera na idade adulta tornando-se rubra, tendo as penas muito estimadas pelos tupinambás. (1930, p 175) O tucano descrito pelos autores franceses tem o tamanho semelhante ao do pombo, tem um bico gigantesco além de penas negras muito apreciadas pelos índios; sendo então considerado o mais singular e monstruoso exemplar no mundo das aves.

A idéia quanto ao paraíso tropical aceitava a índole amistosa do nativo adequava o ambiente exótico com seus animais e plantas nunca vistas por europeus e ressuscitava um dos mais fortes mitos medievais presentes no imaginário popular: a terra da Cocanha.

2.2 – A Cocanha no Novo Mundo

A origem etimológica da palavra Cocanha deriva das famosas versões do Fabliau de Cocagne (fábula da Cocanha em dialeto Picardo), porém as referências a sua existência aparecem em poemas goliárdicos[29] do inicio do século XII.

A idéia de uma terra de abundância, nudez e liberdade sexual ressuscitava o mito romano da Idade de Ouro, onde o homem apenas desfrutava do que o mundo tinha a oferecer, porém existem diversas outras origens para o mito francês, sendo encontrados pontos em comum com a cultura céltica (Tír Nan-Og) e viking (Valhalla), por exemplo. Segundo Hilário Franco Junior (1998) simbolizava a idéia de um Carnaval[30] eterno, onde a única ocupação para os habitantes seria o ócio. A fartura quanto aos alimentos, era contraste das agudas fomes que voltavam periodicamente em diversas regiões das Europa, sendo essa a sua característica mais presente.

No início do período moderno o mito permaneceu vivo no imaginário popular, sendo encontrado não em sua forma clássica, porém as idéias quanto à existência de tal lugar de fartura são presentes na literatura, servindo como exemplo Pantagruel de Rabelais. O personagem, um gigante glutão embarca em junto de seu amigo Panurgo e do viajante Xenomanes em uma viagem à Índia (No caso, algum lugar no Oriente), passando por terras de características cocanianas. Tais aspectos associam a curiosidade despertada por relatos fantásticos a uma esperança de se encontrar o lugar da fartura.

É válido ressaltar que a esperança de se encontrar essa terra anárquica onde tudo é o inverso serviu apenas para povoar o imaginário popular. A elite erudita no início do século XVI repudiava a preguiça, valorizava o trabalho e, portanto desprezava tal crença na existência desse lugar. Foi retratada por Pieter Brueghel, o Velho, adotando o nome Schlaraffenland (país dos preguiçosos e dos loucos) representando um clima de "final de festa" com três homens deitados, possivelmente fartos de tanto comer ou mortos, surge também ao fundo uma casa coberta com tortas. A obra foi pintada em um período de escassez de alimentos, em Flandres, com ações bélicas espanholas.Representava um paraíso hedonista, contrapondo o Jardim do Éden, sendo também algumas vezes interpretado como uma terra pecaminosa. (FRANCO JR. 1998)

Servia então como um paraíso não cristão dos pobres, cuja lenda atravessou o atlântico com o advento das grandes navegações, tendo uma forma mais sólida após o domínio holandês no Brasil e a construção da lenda de São Saruê, que apenas adaptou as características européias à realidade cotidiana dos trópicos. Como apontou Hilário Franco Junior (1998) os costumes dos índios incitavam os flamengos e franceses a encontrar em seu modo de vida características cocanianas:

Viviam em comunidades aldeãs não classistas, apesar das uniões monogâmicas serem as mais comuns, a poligamia também era praticada. Aceitavam-se o incesto, a bestialidade, a homossexualidade masculina e feminina [...] ficavam boa parte do tempo ociosos, deitados na rede [...]Havia enfim, alguns traços cocanianos no modo de vida tupi-guarani.(Franco Jr.1998.p 224)

Porém uma característica peculiar a essa Cocanha tropical é o fato de que não existe, porém tamanha fartura de alimentos, isso quando materializada. A princípio essa terra imaginária estava situada nas terras incógnitas e após o descobrimento foi uma tentativa de interpretação paradisíaca e após a construção da lenda de São Saruê é que surge a abundância alimentar, trazida no modo europeu pelos flamengos e franceses[31]·. A partir da circulação de panfletos como a Lettera é que fazer a associação entre paraíso e América ficou mais comum, a partir de trechos como este:

Cabeças, pescoços, braços, vergonhas e pés, tanto de homens quanto de mulheres, são enfeitados com penas. Os homens têm também no rosto e no peito muitas pedras preciosas. Ninguém é possuidor de coisa alguma, pois a propriedade é de todos. Os homens tomam por mulher a que mais lhes agrade, podendo ser sua mãe, irmã ou amiga, já fazem distinção [...] Vivem 150 anos. E não possuem governo. (Froschauer, 1996. Apud In Leite)

A Cocanha permaneceu e muito no imaginário popular no Brasil, sobreviveu em cordéis paraibanos com ligação á lenda de São Saruê em meados do século XX, ressurge a cada brincadeira de pau-de-sebo nas festas juninas (pois a brincadeira na Europa consistia em uma cesta de alimentos pendurada acima de uma tora de madeira untada, chamada cocanha), apareceu na propaganda para imigração[32] no Brasil e é presente em contos infantis como João e Maria (a casa da bruxa é feita de doces, assim como nos país da Cocanha as casas são assim construídas). (FRANCO JR.1998)

A terra da Cocanha foi vista como um ambiente anticristão, portanto apesar de ser um paraíso as almas que lá estavam (não morriam, pois se banhavam na fonte da Juventude) caso saíssem de tal lugar estariam condenadas. Por ser um lugar de fartura e existir pecado foi um híbrido entre Paraíso e Inferno, sendo um elemento que aproxima as duas analogias distintas existentes para se referenciar a América.

2.3 - O Paraíso do Ouro e da Prata.

O "Metalismo" como diferencial entre o medieval e o moderno se caracterizou pela maior circulação de moedas, proporcionou um enriquecimento da cultura material, o desenvolvimento de novas tecnologias e foi num primeiro momento proveniente principalmente da descoberta e exploração das minas de prata Potosí. (DELUMEAU, 1983)

Tal acontecimento materializou os mitos das terras argênteas, que saciou e alimentou ainda mais o imaginário europeu quanto a um paraíso capaz de oferecer riquezas materiais. Como exemplo sintético de congruência entre o paraíso bíblico, de natureza edênica a essa nova concepção pode ser extraída da famosa lenda medieval do Preste João, de que um embaixador português enviado à Etiópia em pleno século XVI:

"Se abriram as cortinas e subitamente vimos o Preste João, ricamente adornado sobre uma plataforma de seis degraus. Tinha em sua cabeça uma grande coroa de ouro e prata. Uma de suas mãos apoiava uma cruz de prata (... À sua direita, um pajem apoiava uma cruz de prata bordada em forma de pétalas (...). O Preste João usava um belo vestido de seda com bordados de ouro e prata e uma camisa de seda com mangas largas. Era uma bela vestimenta, semelhante a uma batina de um bispo, e ia de seus joelhos até o chão (...). Sua postura e seus modos são inteiramente dignos do poderoso personagem que é." (Francisco Alves, p 56 Apud In Bruesco1998)

A já conhecida cobiça lusitana trazia em seu íntimo o desejo de encontrar tal personagem e contar com sua ajuda para derrotar os "infiéis" muçulmanos, sendo, portanto motor da exploração do interior africano, chegando a obter ouro no Sudão, o que foi uma primeira interpretação da terra dourada. Porém as lendas sobre abundância de ouro logo cessaram, principalmente durante a presença efetiva dos portugueses em Monomotapa onde se observou pequena quantidade de ouro em pó, utilizada como intercâmbio nos prazos. (ALENCASTRO, 2000)

Com o mito da terra dourada chegando ao Novo Mundo, não foram poucos os portugueses que em sua busca se aventuraram nas terras incógnitas, invejando as minas castelhanas e pretendo alcançá - las cortando o interior. Holanda (1959) fala sobre três mitos destas terras de riqueza material, falando sobre o Vupabuçú aurífero, o Sabarabuçu rico em prata e a Serra das Esmeraldas. Curiosamente as propriedades da fonte da Juventa foram associadas a uma fonte muito rica em ouro, presente em algum lugar no interior:

Registrado em alguns mapas e citado de passagem por Frei Vicente de Salvador com aquele nome de Dourado ou Lagoa Dourada [...] É em vão que se procurará nas antigas crônicas, além da fama de serem prodigiosamente ricas as águas dessa lagoa, o halo de lenda que pertence aos eldorados quinhentistas (Holanda, p 42 a 47.1959)

Tais lendas, nascidas da interação entre as culturas portuguesas e ameríndias, terminaram por aliar as profecias indígenas disseminadas pelos caraíbas durante as santidades, ao som dos maracás e em meio a fumaça do tabaco, à procura pela riqueza no sertão por parte dos portugueses. A Terra sem – mal tupi existia além das montanhas douradas, o que caracterizou o êxodo dos índios do litoral ao interior e que foi seguido pelas entradas e bandeiras, que transformara a "Terra Sem Mal" em "Terra dos Males Sem Fim". (VAINFAS, 1995)

A famosa Serra das Esmeraldas[33] nasceu como lenda a partir da observação de cronistas mais atentos, ao se perguntarem a respeito da natureza dos adornos labiais dos tupiniquins e tupinambás. Hans Staden (1930, p 147) descreve o costume dos índios de furarem o queixo e a face da seguinte forma: "quando ficam homens e aptos para as armas, fazem esse orifício maior e enfiam nele uma pedra verde". Léry[34] (1960, p 103) afirma que: "quando adultos, (curumim-assú) usam no beiço uma pedra verde [...] do tamanho de uma moeda", inclusive continua citando Gomara quando este fala de índios do Peru que carregam em suas narinas e orelhas grandes esmeraldas seguras por filetes de ouro.

O Vupabuçú ou a lagoa dourada como apontou Holanda (1959) estaria localizado em alguma "Boca de Mar" como apontara Fernão Dias, assumindo neste caso a terra do ouro a forma de uma lagoa, como publicara Aires de Casal (1817) em sua Corografia Brasílica:

Vupabussu (vocábulo brasílico que significa lagoa grande) He designado de tempos a esta parte pelo nome de lagoa dourada, aliás, encantada, por não aparecer aos que em nossos dias tem procurado (Casal Apud In Holanda, p 49, 1959)

Já o Sabarabuçu nascera nas descrições de Gândavo, chamado pelos indígenas em 'sol da terra' era interpretado ora como terra aurífera ou observado como as minas do Peru, embrenhado no sertão em terras resplandecentes.

REFERÊNCIAS

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[1] Segundo Olivieri e Villa (1999), a palavra descobrimento já era usada no século XVI, porém achamento era o termo mais utilizado; alem de ter o sentido de encontrar o que certamente existia, porém fora perdido ou esquecido.

[2] Sobre a mentalidade do homem europeu, Le Goff ("O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente medieval",

Lisboa, Edições 70, 1985, p 71) afirma : "mentalidade é o que São Luís e o camponês de seus domínios, Cristóvão Colombo e o marinheiro de suas caravelas têm em comum"demonstrando a continuidade das estruturas mentais medievais no inicio do período moderno.

D. Dryander (1557, p 18) no prefácio da primeira versão da obra de Staden demonstra o apego à imaginação, o gosto por inventar lugares e situações, por se desejar ver primeiro o que se houve falar e não necessariamente o que se faz presente. Confirma, portanto um dito popular flamengo do século XVI "quem quer mentir, que minta de longe e de terras longínquas".

[3] Tal exclamação do autor aparece ao fim da seguinte descrição: "Do Novo Mundo, tantos séculos escondidos [...] é a melhor porção o Brasil; vastíssima região, felicíssimo terreno, em cuja superfície tudo são frutos, em cujo centro tudo são tesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus campos o mais útil alimento, as suas minas o mais fino ouro, os seus troncos o mais suave bálsamo, e os mares o âmbar mais seleto: admirável País, a todas as luzes rico, onde prodigamente profusa, a natureza se desentranha nas férteis produções, que, em opulência da monarquia, apura a arte, brotando as suas canas esprimido néctar [...] Em nenhuma outra região se mostra o Céu mais sereno, nem madruga mais bela a Aurora; o Sol em nenhum outro hemisfério tem os raios tão dourados, nem os reflexos noturnos tão brilhantes: as Estrelas são as mais benignas, e se mostram sempre alegres: os horizontes, ou nasça o Sol, ou se sepulte estão sempre claros: as águas, ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aquedutos são mais puras" (p 1,2.)."Sebastião da Rocha Pita."Historia da America Portugueza – desde o anno mil e quinhentos do seu descobrimento até o de mil setecentos e vinte e quatro.Francisco Artur da Silva.Lisboa:1880.

[4]Sir John de Mandeville (ou Jehan de Bourgogne) foi um suposto viajante e descreveu uma série de viagens pelo Oriente, publicadas inicialmente em 1357 e referenciadas mais comumente como "Travels of Sir John Mandeville". Para Stephen Greenblat ("Possessões Maravilhosas", EDUSP, 1996), Mandeville é paradigmático, na medida em que representa um agente que simboliza o maravilhoso medieval, que se caracteriza como aquele que não quer tomar posse, no sentido de Colombo, das terras ou dos objetos com os quais se depara em suas viagens, é um curioso influenciado pela literatura cavalariça e pelas idéias religiosas.

[5]São Brandão (ou Brandônio) foi um clérigo irlandês que viveu possivelmente, entre os séculos XII e XIII. Segundo Paulo Roberto Soares de Deus em seu artigo "Folclore e Cultura Clerical na Idade Média: a Viagem de São Brandão" (Revista Brathair, 2003), sua obra foi construída essencialmente por relatos orais, tendo uma possível origem no processo de conversão das populações célticas. O impacto de suas descrições, sobre as terras no ocidente (dentre as quais, a ilha de Hy Brazil) aparecem na cartografia até meados do século XVIII.

[6] Holanda fala no capítulo II "Terras Incógnitas" de Visão do Paraíso (1959) sobre a procura da fonte da Juventude na América, localizada próxima a dois dias do Paraíso terreno (apesar de na citação acima estar incluída como parte do deste). Léry, porém após observar a aparência jovem dos tupinambás, ("parece que haurem todos eles na fonte da Juventude", Viagem À Terra do Brasil, 1960, p 102) não se dedica a uma procura efetiva em busca da fonte, o que ocorreu de maneira mais presente entre os castelhanos na Flórida e no Peru.

[7] Segundo o Gênese I, Ver. Do 8 ao 14 :"Então plantou o Senhor Deus um jardim, da banda do oriente, no Éden; e pôs ali o homem que tinha formado.E o Senhor Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida, bem como a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços. O nome do primeiro é Pisom: este é o que rodeia toda a terra de Havilá, onde há ouro; e o ouro dessa terra é bom: ali há o bdélio, e a pedra de berilo. O nome do segundo rio é Giom: este é o que rodeia toda a terra de Cuche.O nome do terceiro rio é Tigre: este é o que corre pelo oriente da Assíria. E o quarto rio é o Eufrates".

[8] Uma das criaturas lendárias mais presentes nas crônicas sobre o Brasil no século XVI, as Ipupiaras foram representadas por vários autores As descrições quanto a existência de fato de tais homens marinhos podem ser exemplificadas na narrativa de Gândavo: "afirmando-lhe e repetindo-lhe huma vez e outra que andava ali huma cousa tam feia, que nam podia ser se nam o demonio.[...]Os indios da terra lhe chamam em sua lingoa Hipupiàra que quer dizer demonio d'agua. Alguns como este se viram já nestas partes, mas acham-se raramente."(Gândavo,1980.p 33)

[9] "Enquanto Amerigo Vespucci conta haver atingido um mundo novo, Cristóbal Colón pensa ter chegado a um paraíso bíblico." (BELLUZZO, 1996.p 10)

[10]Termo utilizado por Laura de Mello e Souza em "Inferno Atlântico" (1993) para caracterizar a mescla entre a etnografia e a demonologia (sendo esta última muito em voga na época, após as publicações do Malleus Maleficarum de Sprenger e Kramer e do Fornicarun de Nider).

[11] Segundo Olivieri e Villa (1999)existem poucos dados exatos sobre sua vida. Foi um soldado nascido em Hessen, Alemanha, e sua obra Viagem ao Brasil narra seu cativeiro entre os tupinambás e seus costumes.

[12] (La Margelle, 1534 – Berna, 1611) protestante e artesão, veio ao Brasil por volta de 1555 para se estabelecer na colônia francesa fundada por Villegaignon. Sua obra, segundo Milliet (1960) é diferenciada para sua época por ser também um ensaio antropológico.

[13] André Thévet (Angoulême, 1502 — Paris, 23 de Novembro de 1590) foi um frade franciscano francês, explorador, cosmógrafo e escritor que viajou ao Brasil no século XVI. Segundo Olivieri e Villa, pretendia demonstrar uma erudição que não possuía ao tentar citar historiadores clássicos. Suas principais obras são Les Singularitez de La France Antarctique e Cosmographie Universelle.

[14]Foi Rousseau quem deu uma forma sólida ao termo (porém como aponta Franco Afonso Arinos de Mello (1976) em "O índio brasileiro e a revolução francesa - as origens brasileiras da teoria da bondade natural" há resquícios de tais idéias muito antes em Shakespeare, Ronsard, Malherbe, Boileau, Grotius, Pufendorf, Locke, Lafitau, Raynal, Montesquieu, Voltaire e Diderot), ao discutir o natural primitivo e o selvagem contemporâneo.

[15] Serve como exemplo da ambigüidade o embate entre o jurista Sepúlvera e o clérigo Las Casas o que culminou com leis que combatiam a escravidão dos indígenas.

[16] Uma tentativa de aproximar o estado "primitivo" a antiguidade clássica está presente nas Artes. Segundo Leite (1996.p 36) Albrecht Dürer e Hans Burgkmair foram os pioneiros neste estilo ao fato de atribuir aos nativos brasileiros, "representações em que assumem aparência hercúlea ou apolínea, de corpos bem proporcionados como os de deuses gregos".

[17] Segundo Staden (Officina Industrial Graphica, Rio de Janeiro, 1930): "É uma gente bonita de corpo e de feição, tanto os homens quanto as mulheres, iguaes á gente daqui; sómente são queimados do sol, pois andam todos nus, moços e velhos, e nada têm que encubra as partes vergonhosas. (p 140)

[18] Segundo Vanzolini (1996) Marcgrave veio ao Brasil em 1638, sendo astrônomo do primeiro observatório construído na colônia, a mando de Maurício de Nassau. Sua obra foi publicada originalmente em 1648 sob o título "Historia Naturalis Brasilae".

[19] Doutor pela Universidade de Coimbra andou pelo sertão brasileiro fazendo sua pesquisa e catalogação de espécies, em meados do século XVIII. Sua obra mais importante é "Viagem Philosophica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá". (Conselho Federal de Cultura, Rio de Janeiro, 1971).

[20]Segundo Mary Del Priore em "Esquecidos por Deus – Monstros no Mundo Ibero-Americano. Séculos XVI-XVIII(Companhia das Letras, São Paulo. 2000. P 21) "Foi um romano absorvido por seu trabalho militar e burocrático e decidido a escrever uma enciclopédia dos conhecimentos humanos [...] procurador de finanças da Espanha e autor de 37 volumes escritos em latim, nos quais cita 146 autores latinos e 327 não latinos.

[21]Apesar da comparação a um ser demoníaco na representação, o animal, no entanto não possui tal característica na descrição de Léry: "Este peixe conforme o que observei na ida e na volta é de forma semelhante ao arenque, embora um pouco mais comprido e redondo; têm pequenas barbatanas nas faces, asas imitantes às do morcego, quase tão grandes quanto o corpo, e é de muito bom paladar" (1960.p 63)

[22] "Dizia-se que os navios se afundavam ao passar perto de certas <pedras de 1man>, pois os pregos do casco, atraidos pelo íman, saltavam do casco e este se desconjuntava. E o mar, cada vez mais quente a medida que se ia andando para o Sul, entrava em ebulição no Equador." ( Delumeau, Jean. A Civilização do Renascimento, Vol. I. p 52. 53 )

[23] Segundo Gonneville (Relation Authentique Du Voyage Du Capitaine Gonneville Es Nouvelles Terres des Indes,1505,p 3)"Também eram incomodados por chuvas fétidas que manchavam as roupas:eram freqüentes e ao tocar as carnes provocavam empolas".A existência de chuvas fétidas é duvidosa, porém tal situação é descrita por Thévet em Singularidades da França Antártica(Itatiaia,1978) e em uma carta de Nicolas Barré,companheiro de Villegaignon.François Rabelais em um dosclássicos da literatura renascentistafala sobre a dificuldade de se atravessar a zona tórrida,com "chuvas imundas até o cabo de Bona Speranza"(Five Books Of The Lives,Heroic Deeds And Sayings Of Gargântua and His Son Pantagruel.(Fourth Book : How Pantagruel Went To Sea to Visit The Oracle of Bacbuc) Pennsylvania State University,2001.P 526

[24] Léry ao passar para o pólo Austral nota a constelação do Cruzeiro do Sul, que segundo Dante em A Divina Comédia aparece no céu purgatório. (Martins, 1960, p 74)

[25] "[...] que ao vê los de longe pode-se imaginar estarem vestidos com calças de padre.Essa tintura preta do fruto do jenipapo imprime-se de tal maneira na carne que,embora os silvícolas se metam na água e se lavem amiudadamente,dura de dez a doze dias."(Léry,1960.p 104)

[26] Destaca-se também o animal chamado por Léry de Ian-u-are e por Staden de Leoparda, que corresponde à onça pintada, responsável por grandes estragos nas aldeias.

[27]"um ser do tamanho de um mono africano [...] quando preso suspira como uma criança que sente dores. Seu pêlo é cinzento e felpudo como o de um ursinho [...] Ninguém jamais o viu se alimentando [...] vive de vento." (Thévet, Cosmographie Universelle. 1575.p 941)

[28]"[...] aunque alli cerca los han muerto de, mas de cien pies em largo [...]" Gomara em "Historia General de las Indias con La conquista de Méjico e de La nueva España". (1549, p 255)

[29] Derivação possível de Gula ou de Golias. Os poetas goliardos satirizavam a sociedade medieval, utilizando pseudônimos para fugir dos inquéritos inquisitoriais. (Edward McNall Burns, História da Civilização Ocidental: Do Homem das Cavernas até a Bomba Atômica, p 479)

[30] O Carnaval aparecia assim como a Festa dos Loucos um ambiente da inversão de valores, onde o paganismo era tolerado, onde a Igreja tornava-se mais flexível. Como exemplo dessa aceitação serve o Carnaval na Provença, analisado por Michelle Vovelle (Imagens e Imaginário na História) onde o Diabo, monstros e representações pagãs participavam da festa.

[31] Saruê é uma possível corruptela de soirée (baile, festa) que ganhou o sentido de tolo, para se referenciar a alguém que acredita em tal lugar.

[32] Por volta de 1925, um jornal gaúcho publicou a aventura de Nanetto Pipetta, um jovem italiano que buscava encontrar a Cuccagna na América. Entre suas descrições aparecem "uma jardim de delícias que Deus fez; uma região onde só se come rosquinhas [...] cestas com moedas de ouro, rosquinhas, pão doce, confeitos, leite, vinho, licor de anis e muita coisa belíssima [...] América? País de Cocanha" (Apud In Franco Jr, 1998.p 212)

[33] Anthony Knivet em "Narração da viagem, que nos annos de 1591 e seguintes, fez Antonio Knivet da Inglaterra ao Mar do Sul, em companhia de Thomas Cavendish" (Revista do Instituto Histórico Geográfico e Etnológico do Brasil, tomo 41, primeira parte, separata, Rio de Janeiro, 1878, p. 1893-272) fala de "gemas grandes e brilhantes como cristal, vermelhas, verdes, [...] capazes de galantear os olhos."

[34] André Thévet em Cosmographie Universelle (Guillaume Chaudiere, Paris 1575, p 931) diz quanto à origem dos adornos labiais dos tupinambás: "Penso que deve haver esmeraldas nessa montanha, pois vi algumas muito parecidas"