O PAPEL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NA REALIZAÇÃO DO CICLO FECHADO DE PRODUÇÃO
Por Guilherme Maia de Carvalho | 27/05/2014 | DireitoSumário: 1.Introdução; 2.Resíduos Sólidos Recicláveis e Reaproveitáveis; 3.O Lixo como sustento; 4.O ciclo fechado de produção; 5.A importância dos catadores no ciclo fechado de produção; 6.Considerações finais; Referências.
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo traçar a relevância dos catadores de matérias recicláveis, existentes no Brasil, na efetivação do ciclo fechado de produção. O Ciclo fechado de produção é uma forma de concretização do que é proposto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, tendo como pano de fundo o Desenvolvimento Sustentável. Os catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis têm papeis de destaque na realização deste ciclo, tendo em vista que a grande maioria dos resíduos sólidos que são reaproveitados e reciclados vem das mãos desta camada baixa da população, que tira seus sustentos justamente do trabalho com lixo, nos grandes centros urbanos.
Palavras-chaves: catadores; Resíduos Sólidos; Ciclo fechado; Desenvolvimento Sustentável.
1 INTRODUÇÃO
O termo Desenvolvimento Sustentável é uma ideia nova criada no decorrer da segunda metade do século XX, que dizia que ser sustentável é ter um estilo de vida diferente, implantando uma forma de fazer um desenvolvimento saudável no planeta Terra. A conceituação de Desenvolvimento Sustentável mais recorrente assevera que deve-se atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei instituída no Brasil que dispõe sobra a correta gestão dos resíduos sólidos, é um anseio do próprio Desenvolvimento Sustentável, pois é uma ferramenta que busca ao máximo a sustentabilidade, especialmente no seu artigo 3°, incisos V, VIII, IX, X e XI, onde se encaixa a ideia do ciclo fechado de produção. Este tipo de produção é uma substituição mais saudável ao ciclo produtivo de via única. O ciclo de via única é o mais tradicional, representado desde os tempos de Revolução Industrial, onde se dá início com a extração da matéria-prima, depois vem o seu processamento, posteriormente vem a destinação industrial, até chegar ao consumidor final, e daí para os aterros e lixões.
2 RESÍDUOS SÓLIDOS RECICLÁVEIS E REAPROVEITÁVEIS
O lixo que a sociedade despeja no dia-a-dia, em toneladas, é um resíduo que pode ser reaproveitado e reciclado, dependendo do tipo e de sua destinação. Aqueles que podem ser reutilizados pela população e pela indústria são os chamados reaproveitáveis. Os resíduos que podem ser coletados e utilizados, passando pelo processo industrial, são os chamados resíduos sólidos recicláveis. Ou seja, a diferença entre reciclar e reusar, é que neste não passa por um processo de transformação na indústria. O material é reutilizado diretamente pelo destinatário. (MONTEIRO, 2011, pág 89 – 90).
Percebe-se que o lixo pode ser utilizado como recurso para os mais variados tipos de atividades. A destinação dos resíduos sólidos para fins diversos foi traçado como uma das principais metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, lei de dimensão nacional criado no Brasil. O plástico, a borracha, as pilhas, o aço dos carros, os pneus presentes em sucatas, os papeis presentes nos lixões, são alguns dos muitos exemplos de resíduos que podem servir de matéria-prima pra outra atividade e também trazem lucros para os próprios catadores de lixões. O que deve ser evitado é a destinação incorreta desses resíduos que são despejados em depósitos a céu aberto, causando danos ao ar atmosférico, ao solo e subsolo, ao lençol freático. Tais depósitos são designados como lixões e tem sido um dos principais problemas enfrentados pela Administração Pública municipal (SIRVINSKAS, 2006, pag. 214-216)
A destinação dos resíduos é uma questão que envolve uma maior educação ambiental e conscientização da população. O que ocorre é uma falta de interesse, conforme preconiza Aragão (2003, pag. 8):
Os resíduos são, por definição, coisas destituídas de interesse para quem as produz. São substâncias cuja produção não foi o objetivo principal da atividade – extrativa, transformadora, comercial ou de consumo – que os gerou e é, por isso mesmo que o seu detentor se quer desfazer. E esse relativo desinteresse pela coisa reflete-se também num desinteresse pelo destino da coisa, o que explica a natural falta de cuidado no manuseamento, no acondicionamento, no transporte e na escolha do destino final dos resíduos.
3 O LIXO COMO SUSTENTO
Os catadores de lixões existentes no Brasil fazem parte de uma camada de baixa renda da sociedade e vivem de um trabalho considerado desumano, mas rentável para suas famílias. No Brasil existem inúmeras famílias que tiram seu sustento diretamente da coleta de resíduos sólidos, indo todos os dias aos lixões e aterros sanitários em busca de materiais que podem ser recicláveis e reaproveitáveis.
O filme Lixo Extraordinário retrata perfeitamente o quão importante é para os catadores de lixões o trabalho realizado na coleta de resíduos sólidos recicláveis. O catador Tião Santos, personagem principal do documentário, diz que não existem resíduos, existem matérias recicláveis. (WALKER, 2010)
A coleta seletiva realizada no Brasil ainda é feita pelos trabalhadores de forma muito precária e desumana, somando-se a isso a existência de coletas clandestinas realizadas por caminhões em mau estado de conservação e sem segurança do trabalho, conforme assevera JACOBI, BESEN (2010)
Na obra do doutrinador Fiorillo (2007), é tratada a natureza jurídica do lixo; a consideração de que o lixo urbano tem a natureza de direito difuso, sendo garantia para a sobrevivência de uma camada miserável da população. A produção de materiais recicláveis com a ajuda direta dos catadores de lixões, ou seja, a própria concepção de ciclo fechado de produção. Portanto, o lixo urbano não pode ser pensado como um resíduo que só serve pra ser jogado fora, pois pode ser reutilizado e reciclado gerando dividendos e contribuindo para a sustentabilidade.
Milhares de pessoas no Brasil dependem exclusivamente do lixo urbano para sobreviver. Isso demonstra que surgiu no Brasil uma relação de consumo no mínimo esquisita, que á dos catadores de lixões tidos como destinatários finais (consumidores) do produto (lixo), e o fornecedor (o próprio Estado e a sociedade). É a própria ideia de lixo como recurso de sobrevivência e dinheiro (FIORILLO, 2007, pág 80).
4 O CICLO FECHADO DE PRODUÇÃO
Tradicionalmente, a produção que ocorre desde os primórdios da Revolução Industrial é uma forma de processamento muito custoso, de alto desperdício e altamente poluente e nada sustentável. O mundo mudou juntamente com os anseios da sociedade por um planeta mais saudável e sustentável, o que levou a surgir um novo modo de produção industrial, designado como ciclo fechado de produção, ou, nas palavras da Professora Mestra Isabella Pearce Monteiro (2011, pág 89), “loop” de produção.
O ciclo fechado de produção faz parte da ideia central de eficiência econômica, de acordo com os ditames da Dimensão Econômica, conforme preceitua Monteiro (2011, pág 89):
Para poder atender aos ditames contidos na dimensão ambiental, a dimensão econômica traz, por sua vez, a idéia central de eficiência econômica.
A idéia de eficiência econômica se desdobra em muitas outras. Uma delas é a necessidade de se pensar e de se criar processos e atividades que produzam segundo altos níveis de rendimento ou, em outras palavras, que produzam muito utilizando pouca energia, matéria-prima e tempo. E uma conseqüência positiva disso é que, além de se diminuir a quantidade de energia utilizada e de matéria-prima retirada da natureza, também se diminui a produção de resíduos, eis que se procura utilizar ao máximo a matéria-prima que já está dentro do processo de produção.
A importância da conscientização da sociedade e da responsabilidade social do Poder Público e da sociedade civil, para a amenização dos problemas ocasionados pelos resíduos sólidos, dando ênfase para um melhor aproveitamento do lixo, como é o caso do ciclo fechado de produção, são pontos tratados como cruciais pela doutrinadora Maria Rosalva Silva (2004). O Poder Público deve dar total apoio às empresas e cooperativas que querem investir em modos de produção que aproveitem os resíduos sólidos como matérias-primas, contribuindo assim para a preservação da natureza.
5 A IMPORTÂNCIA DOS CATADORES NO CICLO FECHADO DE PRODUÇÃO
O papel dos catadores de lixos nesse processo de ciclo fechado é fundamental, tendo em vista que a grande maioria dos resíduos sólidos que são reaproveitados e reciclados vem das mãos desta camada baixa da população, que tira seus sustentos justamente do trabalho com lixo. São pessoas que são pobres, mas suas únicas fontes de rendas vêm da catação de lixo. Alguns até utilizam o lixo como matéria-prima para a geração de energia. Ou seja, tem-se os resíduos despejados pela sociedade como recursos tanto para a indústria como para os próprios catadores, designando o chamado loop de produção. (MONTEIRO, 2012, pág. 22.)
O loop de produção se relaciona diretamente com a coleta seletiva realizada pelos catadores, pois sem o trabalho deles muitos papeis, vidros, alumínios e plásticos poderiam ficar inutilizados nos lixões e aterros sanitários, causando poluição, tendo em vista que muitos desses produtos demoram meses e anos para se decompor. A reciclagem e o ciclo fechado de produção permitem inúmeros benefícios tais como a recuperação de energia, água e matéria-prima, reduzindo o volume do lixo depositado em aterros sanitários, diminui a extração de recursos naturais e a poluição, provoca economia no consumo de energia e auxilia na geração de novos empregos. (SIRVINSKAS, 2006, pag. 216).
No Brasil o ciclo fechado de produção está disposto como regra a ser seguida pela sociedade civil e pelo Poder Público, de acordo com os ditames da Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei n° 12.305/2010):
Art. 42. O poder público poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas de:
I - prevenção e redução da geração de resíduos sólidos no processo produtivo;
III - implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda;
IV - desenvolvimento de projetos de gestão dos resíduos sólidos de caráter intermunicipal ou, nos termos do inciso I do caput do art. 11, regional;
V - estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa;
VIII - desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos.
(grifo nosso)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, os resíduos são matérias caras e interessantes que podem gerar lucros, empregos e rendas para muita gente. Mas para que isso ocorra é necessário que se tenha uma correta gestão de resíduos, respeitando uma gama variada de regras jurídicas e técnicas sustentáveis, em conformidade com os princípios norteadores do direito ambiental.
Percebe-se que a reciclagem dos resíduos depende muito ainda dos catadores, mas o Poder Público ainda não tem dado a devida atenção e apoio para essa camada da população. Não há um incentivo para que os catadores formem cooperativas e tenham carteira assinada, desrespeitando de certa forma o ramo do Direito que trata dos trabalhistas.
A valorização do trabalho do catador de matéria reciclável é uma necessidade para o futuro da sustentabilidade, tendo em vista esse grande desafio que a sociedade moderna vive em equacionar a geração excessiva e da disposição final ambientalmente segura dos resíduos sólidos. A preocupação é tamanha com a falta de espaço para a destinação final, o aumento da população mundial e a necessidade de novos investimentos no incremento do ciclo fechado de produção, tais como a construção de usinas de reciclagem.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Alexandra. Direito dos resíduos. Coimbra: Almedina, 2003.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 8. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
JACOBI, Pedro Roberto; BESEN, Gina Rizpah. Gestão de resíduos sólidos em São Paulo: desafios da sustentabilidade. Revista do Direito Ambiental da Amazônia, nº 9, Jul-Dez 2010.
MONTEIRO, Isabella Pearce. Direito do Desenvolvimento Sustentável: produção histórica internacional, sistematização e constitucionalização do discurso do desenvolvimento sustentável. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2011.
MONTEIRO, Isabella Pearce. Governança Democrática para o Desenvolvimento Sustentável. Trabalho apresentado no âmbito do Programa de Doutorado em Direito Público. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2012.
SILVA, Maria Rosalva. Sociedade civil, resíduos sólidos e conscientização. Revista do Direito Ambiental da Amazônia, nº 3, Jul-Dez 2004.
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 4ª ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2006.
TONANI, Paula. Responsabilidade decorrente da poluição por resíduos sólidos. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
WALKER, Lucy, João Jardim ; Karen Harley. Lixo Extraordinário. Brasil / Reino Unido. Documentário. 90 minutos. Lançamento: 2010