O PAPEL DO SENADO NA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FEITA PELO STF EM CONTROLE DIFUSO
Por Tiago Carneiro Batista Silva | 15/08/2009 | DireitoEste artigo tem por objetivo abordar de forma clara e objetiva o entendimento doutrinário atualmente discutido acerca do Art. 52, X da CF/88, quanto ao papel do Senado frente à declaração do Supremo Tribunal Federal de inconstitucionalidade da lei argüida pelo meio difuso, vale ressaltar que é dado a qualquer cidadão o poder de argüir a inconstitucionalidade de determinada lei nestes termos. O que podemos inferir desta norma, quais interpretações podemos extrair deste preceito, para que não haja conflito de competências típicas, principalmente se compararmos ao Art. 102, inciso I da CF/88, uma vez que a constituição deve resguardar acima de tudo, a harmonia presente em todos os seus princípios, figurando deste modo, uma segurança jurídica ilibada.
1. INTRODUÇÃO.
A Constituição brasileira declara em seu Art. 1º "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito..." Art. 2º: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Desta forma, podemos observar que os princípios de Montesquieu concernentes às funções típicas do estado fizeram efeito por longa data, visto que, resguardadas as características espaciais e temporais, ainda se aplicam como principal meio de manter o controle dos estados modernos. A finalidade precípua da teoria da tripartição dos poderes visa à divisão das tarefas estatais, com o fim de evitar possíveis abusos de poder, neste sentido, destaca-se o princípio do sistema de freios e contrapesos, que estabelece certa consonância e independência das funções do estado, sendo que, cada uma das três esferas é incumbida especificamente de zelar pela organização estatal.
2. CONSIDERAÇÕES TELEOLÓGICAS ACERCA DOS ARTS: 52, X vs 102, I.
Compete ao STF à guarda da Constituição Federal, assim determinou o legislador constituinte originário, quando da criação da Lei Magna. Cabe também ao STF, a apreciação de toda e qualquer ação direta de inconstitucionalidade argüida pela via abstrata ou difusa, bem como, a ação declaratória de constitucionalidade, conforme descrito no Art. 102 da CF:
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
Analisando a lei ao "pé da letra" confirma-se que é do órgão de cúpula do poder judiciário, a deliberação final, ou seja, a decisão em ultima instância nos processos de inconstitucionalidade, não havendo razão para que sua decisão seja submetida à apreciação de qualquer outro órgão do estado.
No entanto, há uma corrente jurídica que não coaduna deste pensamento, e o argumento adotado para defender essa oposição se baseia numa outra norma da Constituição Federal, o Art. 52 que rege: "Compete privativamente ao Senado Federal: X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal".
Configura-se deste modo uma dicotomia em que alguns juristas interpretam este artigo de forma a atribuir ao Senado uma discricionariedade acerca das decisões definitivas do STF nos julgamentos que venham a confirmar a inconstitucionalidade de determinada lei, assim, na ADIN cujo processo ocorra pela via difusa, tendo efeito inicial inter partes, este, só tornar-se-ia erga omnes, através da aprovação do senado quanto à decisão do STF, de modo que, o Senado daria o aval para que a lei fosse suprimida do ordenamento jurídico.
Destarte, a grande maioria defende que a competência da Câmara alta é apenas residual, ou seja, poderá embargar a suspensão da lei nos casos em que incidir falha dos aspectos formais, como por exemplo: respeito ao quorum necessário, não podendo adentrar no mérito material do julgamento.
Ora, compete ao Senado a função típica de legislar, e neste mérito é posto em prática a analise de conformidades do projeto de lei junto a Constituição, realizando o Controle preventivo. Se por inobservância do legislativo, uma determinada lei for criada e inserida no ordenamento jurídico, mesmo eivada de inconstitucionalidade, não é plausível que se permita novamente a este órgão, apreciar a correção da norma por ele criada, tal situação chocar-se-ia com o princípio dos freios e contrapesos.
Por conseguinte, imaginemos os juizes de primeira instância apreciando casos, cuja lei já foi declarada pelo STF inconstitucional, e que não foi retirada do ordenamento jurídico por que o Senado Federal não a suspendeu, pior, dando ganho de causa em desacordo a esta decisão. Imaginemos também a insegurança jurídica gerada pela permanência desta norma, vigendo e causando desordem, pois juizes continuariam dando decisões distintas para casos análogos, ferindo o principio da isonomia e causando transtornos intrínsecos à celeridade e a economicidade processual.
Desta forma, evidenciam-se claramente as responsabilidades e as competências inerentes ao Supremo Tribunal federal, órgão do poder Judiciário, e ao Senado Federal, órgão do poder Legislativo, quanto ao controle constitucional, porém, não é esse o entendimento compartilhado entre os próprios órgãos supra citados, em pareceres publicados na Revista de Informação Legislativa nº. 48/265 – ano – 1975, 154/71, 261/71 e 282/71, o STF declara que o Senado não está vinculado a sua decisão, decorrendo a não obrigatoriedade em suspender a lei conflitante, juízo idêntico ao do Senado federal.
3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DOUTRINA.
Hodiernamente, tem-se um entendimento doutrinário bastante vago sobre a matéria, todos se eximiram de um posicionamento evidente, no entanto, cabe aqui apresentar alguns arranjos de juristas renomados. Celso Ribeiro Bastos citou:
"A acumulação em um mesmo organismo das funções de, por um lado, fazer as leis em cumprimento ao disposto na Carta Magna e, de outro, dizer em última instancia se a lei elaborada está, ou não afinada com o Código Supremo, nulifica, despe de eficácia o mecanismo controlador".
Alfredo Buzaid, também não demonstrando muito apreço pela matéria, não se referiu expressamente ao disposto pelo artigo suscitado, mas de forma ampla e genérica, de forma a não excluir esta situação, diz:
"O poder de decretar a inconstitucionalidade das leis, no Brasil, compete praticamente ao Judiciário. Não o pode exercer o legislativo, por que lhe é vedado ser juiz em causa própria...".
4. TRECHO DE "ORAÇÃO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL".
"Vós, Tribunal Supremo fostes instituído para guarda dos direitos individuais, especialmente contra os abusos políticos; porque é pelos abusos políticos que esses direitos costumam perecer. Para amparar essa categoria de direitos contra os excessos de origem particular, contra as invasões de caráter privado, não careceríeis dessa prerrogativa, a função específica do vosso papel, que vos manda recusar obediência aos atos do Governo, ou às deliberações do Congresso, quando contravierem à Carta Federal. Logo, senhores juízes, a circunstância de abrigar-se em formas políticas o atentado não o subtrai ao vosso poder equilibrador, se uma liberdade ferida, negada, conculcada pelo governo, se levanta diante de vós, exigindo reparação." (Obras Completas de Rui Barbosa. V. 19, t. 3, 1892. p. 129).
5. CONCLUSÃO.
Frente ao exposto, acho desnecessário declarar minha posição, pois esta transparece claramente durante toda a abordagem, mesmo assim faço questão de reafirmá-la. Partindo do pressuposto das competências e atividades típicas e atípicas de cada órgão estatal, caracterizo a atual interpretação dada tanto pelo STF quanto pelo Senado Federal ao disposto no Art. 52, X, como um contra-senso frente a separação dos poderes, não pela participação e interação das funções, mas sim, pela superposição evidenciada ao submeter ao crivo do Senado uma decisão definitiva do STF. Porquanto, se o Poder Judiciário, principal responsável pelo controle constitucional, aprecia e julga determinada lei como inconstitucional, então nenhuma outra apreciação deverá ser realizada, sob pena de incorrer numa invasão de competência. Inconstitucionalidade é não retirar do ordenamento jurídico lei determinada inconstitucional, é o mesmo que manter vivo através de aparelhos, um individuo cujo os médicos já o desenganaram.
NOTA.
BARBOSA, Rui. (1892). Frases e Pensamentos de Rui Barbosa. Fundação Casa de Rui Barbosa. http:// www.casaruibarbosa.gov.br [17 Out. 2007, 17:32].
BUZAID, Alfredo. (1958) http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9566 [17 Out. 2007, 17:49].
BIBLIOGRAFIA.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Editora: Saraiva, 2001.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. Editora: Celso Ribeiro Bastos, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7ª ed. 2ª tiragem. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo. Editora Malheiros, 1998.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Publicada no Diário Oficial da União nº. 191-A de 05 de Outubro de 1988.
REIS, Pilhares Moreira. O Senado federal e as Leis Inconstitucionais: É obrigação ou faculdade do Senado Federal suspender as leis consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal? Revista Consulex, nº. 141, ano VI, p 20-23, 2002.