O PAPEL DO LETRAMENTO NA CONSTRUÇÃO ATIVA DO CONHECIMENTO: REFLEXÕES A PARTIR DE EMÍLIA FERREIRO
Por Júlio Henrique Domingues de Freitas | 29/10/2024 | EducaçãoO PAPEL DO LETRAMENTO NA CONSTRUÇÃO ATIVA DO CONHECIMENTO: REFLEXÕES A PARTIR DE EMÍLIA FERREIRO
Júlio Henrique Domingues de Freitas
RESUMO
Este artigo explora a obra Letramento e Alfabetização de Emília Ferreiro, que revolucionou o campo da educação ao diferenciar alfabetização e letramento. Ferreiro argumenta que as crianças constroem ativamente seu conhecimento sobre a escrita, passando por diferentes estágios de desenvolvimento. A autora defende práticas pedagógicas que favoreçam essa construção, incentivando a exploração e a interação com o ambiente letrado. Além disso, o letramento é visto como uma ferramenta essencial para a inclusão social e para a formação de cidadãos críticos e participativos na sociedade contemporânea.
1. INTRODUÇÃO
Emília Ferreiro é uma referência no campo da alfabetização e letramento, especialmente por suas contribuições que transformaram a maneira como se entende o processo de aprendizagem da escrita. Seu livro Letramento e Alfabetização revolucionou a visão tradicional da alfabetização ao introduzir o conceito de letramento, que vai além da simples decodificação de palavras, abrangendo a capacidade de usar a leitura e a escrita em contextos sociais e culturais. Ferreiro defende que as crianças constroem ativamente seu conhecimento sobre a escrita, em oposição aos métodos tradicionais que focam na repetição e memorização (FERREIRO, 2001).
Esse novo olhar enfatiza a importância de criar um ambiente educacional que não apenas ensine as técnicas da escrita, mas que também fomente o uso crítico e reflexivo da linguagem escrita, permitindo às crianças uma compreensão mais profunda e significativa da função social da escrita. Assim, o livro oferece uma perspectiva que valoriza a construção do conhecimento de forma ativa, respeitando os estágios e hipóteses que as crianças formulam durante seu processo de alfabetização.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. O Conceito de Letramento
Emília Ferreiro faz uma distinção essencial entre "alfabetização" e "letramento". Alfabetização refere-se à habilidade técnica de ler e escrever, ou seja, a decodificação dos símbolos gráficos. Já o letramento envolve o uso social da leitura e da escrita em diferentes contextos culturais. Ou seja, letramento vai além da simples aprendizagem das letras e sons; é a capacidade de aplicar esse conhecimento no cotidiano.
Um exemplo claro seria a diferença entre uma criança que aprende a ler palavras e frases (alfabetização) e outra que sabe interpretar um anúncio de jornal, ler uma receita ou entender uma placa de trânsito (letramento). Nesse sentido, a alfabetização é um passo necessário para o letramento, mas não suficiente para garantir que o indivíduo seja capaz de interagir de maneira efetiva com o mundo escrito ao seu redor.
Ferreiro também ressalta que o letramento não ocorre apenas na escola. Ele acontece no dia a dia, nas interações sociais e nos meios de comunicação que cercam as crianças. Por exemplo, ao observar um adulto lendo um jornal ou ao ver placas e letreiros no ambiente urbano, as crianças começam a construir seu entendimento sobre a função social da escrita, mesmo antes de serem formalmente alfabetizadas (FERREIRO, 2001).
2.2. A Evolução da Escrita na Criança
Emília Ferreiro destaca que o processo de aquisição da escrita pelas crianças é ativo e envolve estágios distintos de desenvolvimento. Ao invés de apenas absorver passivamente o conteúdo ensinado, as crianças constroem hipóteses sobre como a escrita funciona, desenvolvendo progressivamente suas habilidades.
Por exemplo, uma criança pequena pode começar a "escrever" usando rabiscos ou letras sem significado. Mais tarde, ela perceberá que as palavras escritas têm relação com os sons da fala, passando a escrever letras ou sílabas que correspondem aos sons que ouve. Esse estágio é o chamado "escrita silábica", onde a criança utiliza uma letra para representar uma sílaba inteira. Eventualmente, a criança entenderá que as palavras são formadas por combinações de letras, entrando na fase "alfabética", onde cada letra ou grupo de letras representa um som específico.
Esse desenvolvimento, como Ferreiro sugere, não ocorre de maneira linear, mas é construído através de experimentação e interação com o mundo escrito. Por exemplo, ao ver palavras em um livro ou placas na rua, a criança ajusta suas hipóteses sobre como a escrita funciona (FERREIRO, 2001). A compreensão desses estágios permite aos professores adaptar suas práticas pedagógicas para apoiar os alunos em cada fase do seu desenvolvimento.
2.3. Implicações Pedagógicas
As ideias de Emília Ferreiro têm profundas implicações para a prática pedagógica, desafiando métodos tradicionais e propondo uma abordagem mais construtivista. Em vez de focar na repetição e memorização de letras e sílabas, Ferreiro sugere que os professores devem promover um ambiente onde as crianças possam construir ativamente seu conhecimento sobre a escrita, considerando seus estágios de desenvolvimento e hipóteses sobre o funcionamento da língua escrita.
Por exemplo, em sala de aula, ao invés de insistir na cópia repetitiva de palavras, um professor pode incentivar a exploração da escrita através de atividades que conectem a linguagem escrita ao cotidiano das crianças, como escrever cartas, criar listas de compras ou desenhar placas de trânsito. Ao fazer isso, a criança não apenas aprende a forma das palavras, mas também compreende seu significado e função social (FERREIRO, 2001).
Ferreiro também sublinha que o erro deve ser visto como parte do processo de aprendizado, e não como uma falha a ser corrigida imediatamente. Se uma criança escreve "b" no lugar de "p", isso demonstra que ela está testando hipóteses sobre as letras, e o professor pode usar essa situação para discutir e explorar as diferenças de forma e som de maneira construtiva. Esses erros são oportunidades de aprendizagem que ajudam a criança a desenvolver um entendimento mais complexo e preciso do sistema de escrita.
Esse enfoque pedagógico muda a postura do professor, que deixa de ser um transmissor de conhecimento e passa a atuar como um mediador, guiando as crianças enquanto elas constroem suas próprias conclusões sobre o funcionamento da linguagem escrita.
2.4. O Letramento na Sociedade Contemporânea
Emília Ferreiro destaca que o letramento, além de ser uma habilidade técnica, tem uma profunda dimensão social. Na sociedade contemporânea, ser letrado significa saber usar a escrita para interagir em diversos contextos, como no trabalho, nos estudos e na vida cotidiana. Por exemplo, saber interpretar um e-mail, entender notícias e realizar transações bancárias online são formas de letramento que vão além da alfabetização básica (FERREIRO, 2001).
la argumenta que o papel da escola não é apenas ensinar a ler e escrever, mas preparar os alunos para usar a escrita de forma crítica e consciente. Para Ferreiro, o letramento envolve também a capacidade de analisar e refletir sobre os textos que os indivíduos encontram, promovendo a participação ativa na sociedade. Assim, é fundamental que as práticas pedagógicas incluam o desenvolvimento dessas competências, criando alunos capazes de navegar de maneira eficaz pelos desafios de uma sociedade altamente letrada.
Além disso, Ferreiro observa que o letramento deve ser pensado como uma ferramenta de inclusão social. Aqueles que dominam o uso da escrita em diferentes contextos têm mais oportunidades de participação, enquanto aqueles que não são plenamente letrados correm o risco de serem excluídos de processos importantes, como o acesso à informação e ao mercado de trabalho (FERREIRO, 2001).
3. CONCLUSÃO
O livro Letramento e Alfabetização de Emília Ferreiro trouxe uma mudança significativa na forma como compreendemos a aprendizagem da escrita. Ferreiro destaca a importância de tratar o letramento como um processo que vai além da alfabetização técnica, abrangendo o uso social da escrita em diversos contextos. Suas contribuições ressaltam que a criança é uma participante ativa na construção de seu conhecimento, o que exige uma abordagem pedagógica que valorize a exploração, a interação com o ambiente e a reflexão crítica. Ao integrar o letramento com práticas pedagógicas inclusivas e reflexivas, os educadores promovem não apenas a aquisição da escrita, mas também a formação de cidadãos capazes de participar ativamente na sociedade contemporânea. Assim, a obra de Ferreiro continua sendo um marco essencial para repensar as práticas de alfabetização e letramento nas escolas.
4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FERREIRO, Emília. Letramento e Alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.
Advogado e Professor.