O PAPEL DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NA SOCIEDADE POR PIERRE BOURDIEU

Por Lara Ferreira da Silva | 30/01/2017 | Literatura

INTRODUÇÃO

“Se o princípio academico de sua “vocação” literária, das suas “escolhas” emocionais, e mesmo da relação delas com sua própria condição feminina, tais como apresentadas a nós por Toril Moi, teve poucas chances de aparecer em Simone Beauvouir, é porque ela foi privada disso tudo pela filosofia de Jean- Paul Sartre, para quem ela delegou, por assim dizer, sua capacidade de produzir filosofia própria. [...] Eis que não há melhor exemplo de violência simbólica contitutiva do relacionamento tradicional(patriarcal) entre os sexos que o fato dela ter fracassado em aplicar sua análise das relações entre homem e mulher a seu próprio relacionamento com Jean-Paul Sartre (Bourdieu, 1995)

Conceituado como um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas, Pierre Bourdieu é um dos mais importantes pensadores do século 20. Sua produção intelectual, desde a década de 1960, contribuiu de forma bastante significativa na Europa, especificamente na França. Embora contemporâneo, é tão apreciado quanto um clássico. Crítico feroz das práticas de reprodução das desigualdades sociais, Bourdieu concebeu um respeitável referencial no campo das ciências humanas.

Bourdieu inicia seu trabalho intitulado Campo de poder, campo intelectual com uma epígrafe em que cita Proust (Sodoma e Gomorra): “As teorias e as escolas, como os micróbios e os glóbulos, se devoram entre si e com sua luta asseguram a continuidade da vida” (BOURDIEU, 1983, p. 8).

O conceito de campo intelectual é construído por Pierre Bourdieu (1930–2002) a partir de suas investigações sobre o sistema escolar francês, a formação das elites intelectuais, a percepção artística e as formas de consumo estético e, principalmente, sobre o processo de autonomização do campo literário, modelo inicial de seu pensamento sobre a autonomia relativa dos campos.

De acordo com o sociólogo, o que permite entender o autor ou uma obra, define-se através do campo intelectual, campo de produção de bens simbólicos, dentre outros campos do espaço social, ou ainda, uma formação cultural, em termos que transcendem a visão substancialista, não relacional (a que considera o autor ou a obra em si mesma) bem como a visão estruturalista (a que considera apenas os determinantes sociais da produção).  Ou seja, cada campo é semiautônomo, caracterizado por seus próprios agentes, por sua própria história acumulada, sua própria lógica de ação e suas próprias formas de capital.

A desigual distribuição de recursos e poderes é o que gera a diferença entre os grupos sociais, pelo qual podemos dividir em: capital econômico (renda, salários, imóveis), o capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), o capital social (relações sociais que podem ser revertidas em capital, relações que podem ser capitalizadas) e o capital simbólico (o que comumente chamamos prestígio e/ou honra).

É possível afirmar que Bourdieu defende a ideia de que o autor e sua obra são determinados pela concepção sistêmica do social. Ou seja,  A estrutura social é tida como um sistema categorizado, hierarquizado de poder e privilégio, determinado tanto pelas relações materiais e/ou econômicas (salário, renda) como pelas relações simbólicas (status) e/ou culturais (escolarização) entre os indivíduos. De forma geral, Bourdieu detém uma proposta que pode ser descrita como uma tentativa permanente de superar, no plano teórico e prático, as oposições que têm caracterizado a teoria sociológica ao longo do tempo para, a partir deste esforço, formular uma abordagem reflexiva sobre vida social.

Este artigo não pretende realizar uma investigação do complexo arsenal teórico da sociologia de Bourdieu. O objetivo, mais modesto, é investigar a noção de de violência simbólica retratada por Bourdieu e identificar possibilidades para pesquisas futuras que possam responder ou superar as críticas quanto ao excessivo determinismo do projeto bourdieusiano em geral.

VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O CAMPO DE LUTAS

Segundo a professora Cecília Sardenberg, membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM/UFBA, “o mundo simbólico aparece como um grande quebra-cabeça a ser decifrado” (SARDENBERG, 2011, p. 2) e é nesse mundo simbólico que a violência simbólica se localiza e se manifesta, através de toda uma produção simbólica, via linguagem, arte, religião e outros sistemas simbólicos, que reforçam relações assimétricas e hegemônicas, desqualificações, preconceitos e violências de todo tipo. De acordo com Sardenberg, a violência simbólica se “infiltra por toda a nossa cultura, legitimando os outros tipos de violência” (SARDENBERG, 2011, p. 1).

Ao iniciar a abordagem ,Bourdieu explica que os sistemas simbólicos são responsáveis por produções simbólicas, que funcionam como instrumentos de dominação. Com base em Marx, Bourdieu elucida que tais produções relacionam-se com os interesses da classe dominante e privilegiada: Construindo e legitimando esta leitura distorcida e conivente com o instituído, encontramos o exercício do poder simbólico. Este é descrito sinteticamente da seguinte forma:

O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, desse modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo, poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica) graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos «sistemas simbólicos» em forma de uma «illocutionary force» mas que se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras (BOURDIEU, 2007b, p. 14-15)

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