O PAPEL DA MEDIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO PARA O MUNDO JURÍDICO

Por Letícia Prazeres Falcão | 18/08/2016 | Direito

O Direito e seus institutos ao pensarem numa maneira de descentralizar, dar celeridade e economia na obtenção da solução de suas lides pensou nos métodos de autocomposição, na tentativa de mostrar que nem sempre, ou melhor, talvez fosse melhor resolver as pendencias dos sujeitos primeiro entre os mesmos e caso não fosse possível, surgiria o Judiciário como uma espécie de instancia recursal, não havendo possibilidade de resolução em determinada situação confere-se ao Estado-Juiz o poder e direito de julgar e decidir da melhor forma. A mediação se destaca dentre as outras formas autocompositivas pois, requer dos próprios envolvidos uma atividade pró ativa na busca por um desfecho que seja satisfatório para os dois lados. Na verdade, este artigo possui como objetivos a identificação e demonstração de que mesmo sendo um meio alternativo, na verdade a mediação é um instrumento humano, social e político dentro da centralizada lógica jurídica. Não se trata de “quebrar” o contrato social feito que em tese deu ao Estado Soberano o poder de decidir por seus componentes, mas sim na revisão e nova roupagem (re)flexiva que este “contrato” necessita nos dias hodiernos. A metodologia escolhida consiste em leituras bibliográficas, pesquisas em sites e artigos sobre o tema.

1 INTRODUÇÃO

É certo que um dos escopos do Direito consiste na resolução de conflitos e na pacificação social. A intervenção do estado na sociedade entretanto, não pode ser vista e nem conceituada como uma relação que exclusivamente se constitui numa triangularização entre seus sujeitos, composição esta estanque e que demonstra um certo distanciamento entre as pessoas envolvidas. Assim, a mediação enquanto modalidade autocompositiva, consegue redimensionar a visão que a coletividade pode ter da atuação jurídica, não implicando na infração de regras pré- estabelecidas, mas sim na reconstituição e releitura das mesmas.

Este perfil triangular de muitas, senão todas as relações jurídicas, implica na seguinte perspectiva: as partes, em posições contrárias, devendo colaborar para o desenvolvimento do processo de forma isolada e o juiz enquanto figura imparcial ( e deve ser mantido desta forma) em posição destacada e acima dos sujeitos processuais. Não que esta configuração esteja errada, mas talvez a mesma apenas prospecte o resultado final de determinada de lide, prospecte apenas os frutos finais da demanda e não se preocupa com o cultivar, com o semear das sementes que irão ao final gerar uma solução.

Uma função pedagógica não resulta necessariamente na sobreposição de um ponto sobre outro, mas sim na identificação de questões que precisam ser debatidas e na busca pela resolução das mesmas. Não se busca que a mediação solucione ou cure a visão estática e distante que temos de muitas demandas que se tem no mundo jurídico, o que se pretende é que como forma de método de autocomposição e especialmente por ser uma modalidade inovadora, a mediação possibilite, identifique, proponha ao Direito uma nova maneira de obter seus escopos. O presente artigo não possui como propósito fazer da mediação algo que sobressaia em detrimento das outras formas autocompositivas, mas sim demonstrar que são a partir de pequenos detalhes dessa modalidade que aos poucos, vêm-se obtendo grandes conquistas, e não se resume a conquistas jurídicas, mas sim conquistas humanas.

De fato os métodos de autocomposição possuem dentre outras características a busca pela celeridade e economia processual, todavia tais incrementos servem para dar outra roupagem à resolução de conflitos.Não que a rapidez para o desenvolvimento de uma prestação jurisdicional não seja importante, mas o ponto discutível é a qualidade empenhada nesta resolução. A mediação enquanto instrumento pedagógico para o mundo jurídico corrobora também com outros debates ligados à necessidade da constante atualização e dinamicidade do Direito. Não basta que se chegue ao manifesto de uma sentença para que se considere como “prestada” ou “terminada” a função jurídica, o caminho percorrido também é fundamental para a construção de um Direito igualitário, justo e digno.

2 A ESTRUTURA DA MEDIAÇÃO E SEU PAPEL PEDAGÓGICO

Diferentemente de outras modalidades autocompositivas, como a conciliação por exemplo, a mediação se fundamenta em uma estrutura horizontal: os dois sujeitos da relação jurídica e o mediador. Aqui o mediador enquanto terceiro imparcial não manifesta opiniões dirigidas para o desfecho daquela lide, mas sim conduz, direciona, administra a situação a fim de que as pessoas ali presentes possam construir juntas uma solução, assim dispõe Bianca da Rosa Bittencurt que

A mediação é uma forma de administração do conflito pelo qual as partes, auxiliadas por um terceiro, neutro, imparcial, reconhecem as diferenças existentes entre eles e visualizam, juntos, de forma pacífica, o problema, para que assim se dê continuidade ao relaciona- mento, resgatando sentimentos que haviam sido apagados com o passar do tempo. Na mediação não existem vencedores, ou perdedores, ambos vencem, pois optam por um acordo amigável, por uma solução inteligente que visa apenas o bem estar da sociedade. (BITTENCURT, 2008, p. 2.)

A visão proposta pela mediação é de uma igualdade de nível entre seus sujeitos participantes, uma horizontalidade tanto no tratamento como na disposição de fazer daquele momento produtivo o suficiente para que os mediandos possam conjuntamente chegar a um denominador comum. A proposta deste instituto é fazer com que seus mediandos possuam um papel pró ativo, que através do diálogo e da construção de possibilidades encontrem um ponto em comum que possa trazer para ambos vitórias.

Acontece que historicamente o Direito e suas formas de atuação sempre foram vistas como instrumentos que retiram do indivíduo parcela de seu poder de interferir e construir soluções para entraves sociais, econômicos e políticos. Surge assim o dito estado imparcial, que decide por eles e lhes impõe certa resposta (lembra inclusive do contrato social de Locke). A mediação por assim dizer propõe “devolver” a estes indivíduos a oportunidade de chegar a um ponto em comum e em encontrar soluções para suas lides. Não que os outros institutos autocompositivos não sejam necessários ou não possuam sua relevância, mas a mediação tem como foco seus sujeitos, e aqui sujeitos ativos, responsáveis do começo ao fim pelo desenvolvimento e concretização de suas expectativas.

Acredita-se de costume que no mundo jurídico a obtenção de uma saída deva sempre ser oriunda de alguém estranho àquela relação. A mediação consegue demonstrar que é possível haver a concretização dos objetivos do Direito através de uma construção mútua dos envolvidos, isto não faz daquele momento algo inferior ou menos relevante que “terceirizar” a causa levando aos tribunais. Na verdade, de algum modo, a centralização da discussão em cheque transforma aquele momento numa espécie de autoconhecimento e reflexão dos próprios mediandos. Por meio da mediação consegue-se ao mesmo tempo atingir os objetivos, escopos da jurisdição brasileira e fazer com que os indivíduos saiam satisfeitos.

O papel pedagógico da mediação para o mundo jurídico consiste no acompanhamento e no estímulo dado aos mediandos para que os mesmos gradativamente consigam chegar a um senso comum, que resulte na aceitação e satisfação para ambos. Este papel acaba por demonstrar ao Direito que por mais que os métodos de autocomposição visem por meio da celeridade e economia processual resolver os conflitos sociais, não se pode deixar de lado a qualidade da discussão envolvida. Qualidade esta que na mediação é proveniente de doações mútuas entre o mediador e seus mediandos, até porque o mediador por mais que possua um papel coadjuvante, uma posição passiva nesta modalidade (ao contrário por exemplo da conciliação que o terceiro imparcial acaba por sugerir propostas, acordos e na jurisdição cabe ao magistrado dar a palavra final), acaba oportunizando que os mediandos se sintam a vontade ao ponto de naturalmente irem refletindo e agregando valor aos diálogos. Assim Daniela Torrada Pereira complementa ao dizer que

O que se propõe não é a extinção do Poder Judiciário, mas sua complementação com maior espaço aos métodos consensuais, tal como a mediação. Com isto pretende-se que os indivíduos, ao optarem por determinada estratégia, renunciando a terem uma decisão proferida eminentemente pelo Estado, o façam de maneira realmente voluntária e não devido à inacessibilidade ao Poder Judiciário como frequentemente acontece hoje.( TORRADA PEREIRA, 2011, Âmbito Jurídico)

O mediador aqui continua como um terceiro imparcial, mas se for possível afirmar, aqui o mediador é uma espécie de coordenador do desenvolvimento autocompositivo. Na já tradicional triangularização da relação jurídica, a formação acaba por passar a ideia de que entre os sujeitos envolvidos não há uma postura ativa, uma interação entre as mesmas ao ponto de que as três possuam uma mesma intenção. As partes geralmente em posições contrárias colaboram para o processo até onde lhe seja favorável ou de seu interesse, cabendo ao magistrado terminar sua função cognitiva em algum pronunciamento. Em contrapartida a relação linear da mediação traz os sujeitos para um mesmo nível, na intenção de que todos inclusive do mediador (mesmo que de forma indireta e suscinta mas de grande relevância) possam doar-se para uma total ou pelo menos máxima satisfação possível.

 

 

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