O operário

Por Gustavo Henrique Gomes Tiné | 13/10/2015 | Crônicas

 

No horário do almoço eu vi uma porta bater, me pareceu uma mulher, escutei o barulho de saltos no piso. Não virei, pareceu-me que vinha na direção de onde eu estava. Continuei comendo, afinal só tinha uma hora de almoço e o carregamento chegaria assim que acabasse a minha pausa.

Quase não dava para fazer a digestão, era horrível. O som dos seus sapatos passaram por mim e eu naquela posição minha de educação humilde, vi a marca dos seus pares. Como brilhavam aqueles, consegui sentir também o seu perfume, decerto, não era aquelas colónias que mãe recebia, de amostra gratís, não.

De onde vem esse cheiro, de onde vem esses sapatos? Ainda de cabeça baixa, dando as últimas gafadas, me pergunto. Termino a minha refeição, bebo o meu copo de suco de acerola - não tão bom quanto o de mãe - mas essa fruta é a minha predileta não tinha como não tomar. Quando termino escuto o mesmo som voltando em minha direção.

Reparo e fico confuso. Era uma mulher de cabelos negros, pele branca, com leves sardas no rosto. Achei que só ruivas tinham essas sardas, aquelas que eu via na televisão. Seus olhos eram castanhos e eles sorriam, mesmo ela séria. De fato uma mulher encantadora.

De certeza ela estava esperando uma gelada. Foi como os meus colegas apelidaram a cerveja, mais sem sombra de dúvidas. Ponho a mão no bolço para ir até o bar pagar pela refeição, os cincos reais mais bem pagos, por uma boa comida e uma fruta deliciosa de se beber. Me levanto chego no bar, para pagar, e ela está virada para outro lado com o telefone no ouvido.

Faço o sinal para senhor João, um homem muito gentil e trabalhador que me deu um quartinho na cidade quando eu cheguei, em cima do seu estabelecimento. Desde então, quando arrumei um emprego, não fui em mais outro lugar, a não ser no bar do seu João. Ele veio com um copo de suco de acerola, cheguei a pensar que seria a mim oferecido, mas
não sabia o porquê?

Em todo caso iria aceitar, afinal de contas, já nos conheciamos e ele já me ofereceu muito mais que um copo de suco. O que me faz aguadar a sua vinda. E justamente quando ele chega entre mim e a mulher jeitosa - e muito - ele pousa o copo, não na minha direção, mas na direção dela. E é nesse momento que fico surpreso e mais confuso ao mesmo tempo.

. O senhor João olha para mim e pergunta. - Então Junio, mas alguma coisa? Enquanto isso, estou com aquela cara de bobo, vendo aquele copo de suco sendo esvaziado por aquela mulher tão linda quanto as que eu assistia na "TV", de quatorze polegadas, que eu tinha na casa de mãe, pois foi o meu presente de aniversário e era a única polegada que dava para comprarmos

Por fim ele chama minha atenção. - Ei, menino, deixe de ser abestado, você já viu a hora? - Me indicando o relógio de parede que ele tinha, que normalmente vivia parado, mas dessa vez estava funcionando. - Vai querer mais alguma coisa, ou vai fechar a conta? Você está atrasado, faltam cinco minutos.

Olho para o relógio e de fato só faltam cinco minutos. Tiro os cinco contos da carteira e pago. Ele pega o dinheiro e chega junto do meu ouvido. - Essa não é pra sua laia não menino. Se oriente, seu cabra, vá trabalhar!

E vou, ainda bem que a obra é perto. Quando estou saindo, escuto o barulho de seus sapatos a me acompanhar. Quando já estou na rua vejo uma carro de luxo estacionado na porta e vejo ela entrando nele.

E eu me pergunto, olhando para o carro arrancando. - Quem é essa mulher?

-Tiné Gustavo, Porto 13/10/2015, 06:25