O Modernismo em Um Aprendizado ou Livro dos Prazeres de Clarice Lispector.

Por Natana Wilges Carneiro | 04/08/2014 | Literatura

O Modernismo em Um Aprendizado ou Livro dos Prazeres

de Clarice Lispector.

Natana Wilges Carneiro[1]

 

Resumo

Este artigo visa expor as características do modernismo brasileiro presentes no livro “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres” de Clarice Lispector, obra carregada de introspecção e sentimentos, escrita em um dos períodos mais efervescentes da cultura brasileira, que favoreceu o amadurecimento da artista e proporcionou a consolidação de suas marcas mais significativas, bem como apontar as rupturas de estilo e analisar os temas presentes nesse livro e que fazem parte das demais obras desta autora, com o objetivo de destacar sua qualidade literária e caráter pessoal sempre marcantes, que fazem de Lispector uma das melhores representantes deste período literário no país.

Palavras-chave: Modernismo brasileiro, romance, ruptura de estilo.

Abstract

This article aims to describe the characteristics of Brazilian modernism present in the work "An Apprenticeship or The Book of Pleasures" from Clarice Lispector, a work full of insight and feelings, written in one of the most exciting periods of Brazilian culture, which favored the maturing the artist and provided the consolidation of its most significant marks, as well as identifying the breaks of style and analyze the themes presents in this book and that are part of other works of this author, in order to highlight her literary quality and personal character always striking, that make Lispector one of the best representatives of this literary period in the country.

Keywords: Brazilian Modernism, romance, style rupture.

1 – Introdução

Durante a primeira metade do século XX o movimento artístico no Brasil foi intenso, manifestos culturais ganharam força e tiveram como objetivo principal a quebra de padrões tradicionais, a libertação estética e a experimentação de novas formas. Nacionalmente o Modernismo teve início com a Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo e os vanguardistas ansiavam por uma arte genuinamente brasileira, livre dos padrões europeus, é o que Mario de Andrade, um dos principais representantes sustenta ao afirmar que:

A transformação do mundo (...) bem como o desenvolvimento da consciência americana e brasileira, (...) impunham a criação de um espírito novo e exigiam a reverificação e mesmo a remodelação da Inteligência nacional. Isso foi o movimento modernista (...) (ANDRADE, 1974, p. 231)

No Brasil o Modernismo foi dividido em três fases, a primeira delas foi chamada

de Fase Heroica e ocorreu de 1922 até 1930, nela já estava presente a fuga da linguagem culta e os temas como a vida cotidiana, nada da pomposidade europeia vista até então, na segunda fase chamada de Fase de Consolidação foi o momento de maior amadurecimento das ideias dos autores e artistas e de suas obras, sua linguagem se aproximava da popular e procurava-se refletir a realidade brasileira, até meados de 1945, quando deu início a terceira fase do Modernismo, de acentuada liberdade e sem a busca pela utopia, muito menos pela realidade do povo brasileiro, nessa fase a prosa teve grande destaque e temas relacionados à psiqué humana. É nessa última fase em que encontramos Clarice Lispector em seu ápice, com sua prosa introspectiva e poética.

Este trabalho tem por objetivo traçar as características do modernismo bem como o estilo próprio presente na obra de Clarice Lispector, “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”.

2 – Do mistério ao esvaziamento

Clarice nasceu na Ucrânia, mas cresceu no nordeste brasileiro com seus pais, lá ela inventava estórias e começou a escrever, desde o início possuía inconfundível originalidade e introspecção que a consagraram como uma das maiores escritoras do país. Longe de escrever sobre grandes acontecimentos, Lispector se demora em detalhes do cotidiano comum, observa-os e nos faz observá-los de um olhar que é seu e que ela anseia por compartilhar, através de metáforas e em meio a um fluxo de consciência que nos coloca em contato com os devaneios de seus personagens em meio a uma beleza poética particular:

[o poetar] não visa a nenhum outro mérito que o de pronunciar o que a ele se anuncia e, em sua gratuidade, recebe a medida de sua grandeza. O poeta essencial é aquele que não tem pressa, que aguarda ser solicitado por algo para trazê-lo à luz. Ele depara-se com o inexprimível e humildemente tenta expressar aquilo que o apela dando sentido à sua existência. Está diante do mistério do Ser, do imperceptível, sabendo que não se podem forçar respostas, já que o importante é saber esperá-las (BEAINI, 1986: 68)

A própria autora comentou que considerava sua obra “caótica, intensa, plenamente fora da realidade da vida” a qual ela escrevia somente quando sentia vontade, procurando manter-se livre da obrigação de escrever, eximindo-se de quaisquer padrões e regras. Era considerada misteriosa e de personalidade forte, características que compartilhou com muitas de suas personagens, quase sempre mulheres.

A autora se dizia vazia após terminar uma obra, seus livros não são de fácil compreensão, possuem características psicológicas, personagens densos e por trás de seres comuns há sempre uma mente inquieta, pois para ela “o importante é a repercussão dos fatos no indivíduo”.

3 – Entre a aprendizagem e os prazeres

A história começa de uma forma não convencional, com uma vírgula: “, estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava serviço (...)” (Lispector, 1998, p. 06)., dessa forma somos apresentados à Loreley, ou apenas Lóri, professora do primário, mas vinda de família abastada, é uma personagem intrigante e misteriosa, que se apaixona por Ulisses, professor universitário de filosofia, é essa paixão que a faz aprender quem ela é e a ser ela mesma, além de aprender a amar e aceitar Ulisses para, enfim, se  entregar  aos prazeres encontrados na consumação do amor dos dois e também na sua constatação de, finalmente, viver.

Lóri é uma mulher que sofre por não compreender a si mesma, vive angustiada por viver, não se identifica com o que a rodeia: "Ela vivia de um estreitamento no peito: a vida” (Lispector, 1998, p. 49). O conflito psicológico da heroína é constante e por vezes ela tem momentos de silêncio, seja só ou com Ulisses, nos quais reflete sobre sua existência e sua essência, num jogo de sensações que a deixa desconfortável e insegura, porém fica evidente a evolução, ainda que lenta, de seu auto-conhecimento, fator decisivo para a libertação de Lóri para, finalmente, conseguir deixar-se amar e ser amada  

            Nesse romance estão expostos temas recorrentes em Lispector, como o amor e o papel da mulher e do homem em uma relação, dando maior destaque ao pensamento feminino, aos questionamentos da mulher, porém não se trata de uma visão feminista, por expor que a “aprendizagem recíproca, entre o homem e a mulher, parece que se supera, de ambas as partes, a condição negativa, de submissão, desde que esta também perde o seu sentido vexatório” (GOTLIB, 1988, p. 21), dessa forma ambos os personagens ao fim da história estão em total comunhão um para com o outro, transcendendo quaisquer estereótipos masculino e feminino.

4 – A presença do modernismo na obra

           

            Clarice inicia o livro com uma nota para esclarecer sua escrita, ela diz: “Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escreve-lo. Eu sou mais forte que eu. C. L.”, outra palavra não poderia resumir melhor o conceito de tal livro: livre, sem começo definido, com final que mais parece continuação e com um estilo que a autora, e somente ela, tem autoridade para escrever, sua linguagem acessível, porém certeira, metáforas que traduzem as sensações e percepções das personagens, aproveitando até o limite do significado das palavras.

            A exploração das palavras, assim como a escrita introspectiva e intimista, além de serem características muito bem utilizadas pela autora, também fazem parte da nova escrita moderna mais especificamente da terceira fase do Modernismo, em que a preocupação com os aspectos psicológicos das personagens possuíam destaque nas obras, ao contrário das fases anteriores cuja maior importância era dada aos aspectos sociais e regionalistas.

            Na obra o foco narrativo está na terceira pessoa e fica a par de toda angústia e reflexão da protagonista, enquanto as personagens circulam por bairros e praias em um tempo psicológico.

           

5 – Conclusão

           

            Nessa obra de Clarice, bem como nas demais da autora, percebe-se inquestionável renovação na escrita, emprego de fluxo de consciência, monólogos interiores, além da negação do tradicionalismo e dos padrões como temas e pontuação, dos limitadores de tempo e espaço, além do emprego do discurso indireto livre, características condizentes com o estilo do período em que a autora começou a escrever, tendências de uma arte mais preocupada com o consciente e o inconsciente humanos.


REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In: ____. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1974.

BEAINI. T. C. A arte enquanto ontologia: a destruição da subjetividade e a instauração do sentido de Ser. In. HEIDEGGER: arte como cultivo do inaparente: Edusp, 1986.

LISPECTOR, C. Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 998.



[1] Natana Wilges Carneiro é acadêmica do 7º período em Licenciatura em Letras Português – Inglês, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Pato Branco.

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