O modelo político de encarceramento dos excluídos no olhar de alguns autores.

Por João Batista Pereira da Silva | 07/07/2010 | Política

O modelo político de encarceramento dos excluídos no olhar de alguns autores.
Por João Silva*

Artigo originalmente publicado pelo Jornal Objetiva em Foco, ed. 16 (janeiro de 2010).

Este artigo é um estudo da visão de alguns autores de seus trabalhos sobre a temática da segurança. O Estado Interventor, na visão do liberalismo, deve funcionar apenas para que as condições de exploração do trabalho se perpetuem. O liberalismo é contra o Estado forte, exceto quando ele é mínimo para o social e macro para acumulação do capital. O Estado que deve interferir apenas nas questões que não interessam à economia, minimizar os conflitos sociais e ser generoso nas questões econômicas que interessem ao mercado.

Ao final dos anos 90, o resultado geral deste programa, que repõe a negação da política de bem-estar social e da política social, é desalentador. Do ponto de vista social, atesta-se o crescimento da pobreza, da violência, do desemprego e da desigualdade, ao lado de uma enorme concentração de renda e riqueza no mundo.

A resposta para estas questões se dá pelo incremento do aparato carcerário e policial. O Brasil, desde os anos 1980, está acompanhando uma tendência de crescimento da criminalidade, que se manifesta em vários países e traz como conseqüência o aumento expressivo das populações encarceradas, partindo de uma percepção de que políticas penais mais severas devam ser implementadas para conter aquela criminalidade. Loïc Wacquant sugere que o encarceramento foi retomado e aprofundado, a partir dos anos 1970, como um dos principais mecanismos de controle das massas humanas, privadas dos benefícios que, até então, o Estado-providência garantia. Ao desmonte que vai ocorrendo na estrutura desse tipo de Estado, corresponderia a um avanço naquilo que ele denomina estado penal.

A criminalização da miséria, a repressão às ilegalidades, as estratégias de sobrevivência das camadas pobres e o combate ao tráfico de drogas compõem os principais ingredientes que explicam a explosão nas taxas de encarceramento em praticamente todos os países do mundo ocidental.

Danielle Magnabosco diz que nós, brasileiros, "somos herdeiros de um sistema que encontrou o seu apogeu no século das luzes quando o reconhecimento formal dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, impunha a abolição das penas cruéis. E a prisão não seria, portanto, uma pena cruel principalmente porque ela mantinha a vida que tão freqüentemente era o preço do resgate para o crime cometido". Mas,"Diante das lamentáveis condições penitenciárias, o discurso que prega a reclusão como forma de ressocialização de criminosos, ultrapassa a raiz da hipocrisia tolerável.".

Segundo o constatado por Foucaut, apresentadas por Joarez Cirino, as prisões têm função social. A produção da delinqüência na linguagem de Foucaut ? ou a criminalização do oprimido, segundo a Criminologia crítica ? cumpriria a função de moralizar a classe operária, mediante inculcação/aquisição de uma legalidade de base: a aprendizagem das regras da propriedade, o treinamento para docilidade no trabalho, a estabilidade na família, na habitação etc.

Por outro lado, essa criminalidade de repressão, localizada nas classes oprimidas da população, realizaria o papel de ocultar a criminalidade dos opressores, com suas leis tolerantes, tribunais indulgentes e imprensa discreta. Em definitivo, a teoria política da criminalidade desenvolvida por Foucaut repudia o conceito de natureza criminógena de determinados indivíduos, para mostrar o crime como jogo de forças, no qual a posição de classe produz o poder e a prisão. A imagem de um julgamento que coloca juiz e réu frente a frente é antológica: se o magistrado tivesse tido a infância pobre do acusado, poderia ser o réu em julgamento; se o réu fosse "bem nascido", poderia estar no lugar do juiz.

O controle da criminalidade aparece no contexto político da luta de classes das sociedades modernas, marcado pelo fracasso dos objetivos ideológicos de repressão da criminalidade e de correção do condenado, que encobre o êxito histórico dos objetivos reais de gestão diferencial da criminalidade: a lei penal é instrumento de classe, produzida por uma classe para aplicação às classes inferiores; a justiça penal constitui-se em mecanismo de dominação de classe, caracterizado pela gestão diferencial das ilegalidades; a prisão é a instituição central da estratégia de dissociação política da criminalidade, com repressão da criminalidade das classes inferiores e imunização da criminalidade das elites de poder econômico e político. Esse é o modelo de segurança pública que vige sob nossa sociedade. Contraditório? O simples fato de vivermos numa sociedade capitalista (excludente e classista desde sua gênese), já pressupõe a contradição.

* Bacharel em Serviço Social
Email: joaobrasil1@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/joaobpsilva
Blog: http://www.joaosilvaonline.blogspot.com/
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1.Loïc Wacquant. As Prisões da Miséria; Loïc Wacquant. Os condenados da cidade: estudo da marginalidade avançada.; Juarez Cirino dos Santos. 30 anos de Vigiar e Punir (Foucault); Danielle Magnabosco, O Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos.