O Mineirinho

Por Henrique Araújo | 31/05/2009 | Literatura

O MINEIRINHO

 

        Sessenta anos de idade, baixo, andar curto, vagaroso, lerdo, o Mineirinho chega ao armazém do Turco. Como quem não quer nada, logo se abanca, pega o sapicuá. Dele, do sapicuá, retira o fumo, a palha e um enorme facão. Começa com aquela vagarosidade que Deus lhe deu, a picar o fumo. De vez em quando pára um pouco, olha de um lado e outro.

A multidão vai entrando, comprando e saindo. Quando escasseia um pouco o povaréu, ele pergunta:

          - Tem farinha aí, seu Abdala?

          - Tem, sim senhor.

          - Quanto custa o quilo?

          - Sessenta cruzeiros.

          Como o Mineirinho permanece picando o fumo e aparecem outros fregueses, seu Abdala vai atendê-los, já que não tem empregados. No armazém só trabalha ele e a mulher, dona Carminda.

          O armazém fica um pouco afastado da cidade, no entroncamento de alguns sítios. Os sitiantes vêm todos comprar ali. Como era sábado, o movimento dobrava ainda mais, pois todos vinham fazer o saco da semana.

          Seu Abdala e a esposa corriam daqui, dali, dacolá, procurando atender um e outro. Enquanto isto o Mineirinho continua picando o fumo.

          Seu Abdala de vez em quando pára um pouco e fica observando o Mineirinho. Que sujeito mais estranho! De onde saiu esta peça? E o mineirinho não se dá por achado. Continua na dele como se só ele estivesse ali. Quando olha para cima e dá de cheio com os olhos de seu Abdala, solta logo outra pergunta:

          - Tem arroz, seu Abdala?

          - Tem sim.

          - Quanto é o quilo?

          - Setenta e cinco cruzeiros.

          Novas pessoas aparecem e o Abdala vai atendê-las. O Mineirinho nem se mexe do lugar. Continua picando o fumo. Algumas vezes se levanta, vai até a porta e dá cada cusparada enorme, como se fosse merda de papagaio. Retorna ao lugar e continua cortando o fumo. Mais uma pausa e:

          - Seu Abdala, o senhor vende café?

          - Vendo sim, quantos quilos vão?

          - Quanto é o quilo?

          - Cento e dez cruzeiros.

          Mineirinho nem levanta a cabeça. Continua sua tarefa de cortar o fumo. Terminado de cortar este, começa a esfregar a mão no cujo para o pó ficar bem fininho. E bota tempo nisso. Depois pega a palha, passa na língua pra lá e pra cá, até amaciá-la bem. Coloca o fumo na palha e enrola, bem enroladinha e pergunta novamente:

          - Por acaso o senhor vende açúcar?

          - Na certa que sim.

          - Quanto é o quilo?

 

          - Sessenta e seis cruzeiros.

          Mineirinho coloca o cigarro na boca, procura a binga, mas não a encontra. Não tem como acender o fumo, mas sem nenhuma cerimônica pede a Abdala.

          - Seu Abdala, o senhor podia me emprestar um tição pra eu acender o cigarro? Não sei onde coloquei a minha binga.

          Mineirinho acende o cigarro de palha e vai fumando aos poucos e bem devagarinho. Em cada baforada que dá, solta tanta fumaça que mais parece um extintor de incêndio de corpo de bombeiro. O armazém inteiro fica impregnado da catinga do cigarro. Mineirinho nem liga. É como se estivesse tranqüilo em sua própria casa.

          O tempo passa: 9 horas, 10, 11. Mineirinho lá novamente cortando fumo. O anterior já acabara e ele recomeça toda a tarefa de novo.

          De repente a coisa aperta pro Mineirinho: dor de barriga. Ele mexe pra lá e pra cá, mas a coisa piora cada vez mais. Vendo não ter remédios para tapear a situação, não se faz de rogado e pede logo a Abdala:

          - Seu Abdala, o senhor podia me mostrar a privada? Estou com uma dor de barriga da peste e este troço pode sair aqui mesmo.

          - Não temos privada aqui moço, tem banheiro lá no quintal, por favor me acompanhe.

          Seu Abdalase  se assutou, já pensou o Mineirinho fazer aquilo ali no armazém cheio de gente? Na verdade Abdala já estava com a cabeça cheia com aquele fulano, estava pra dizer umas a ele, mas mantinha a paciência, pois não conhecia o dito cujo. Ele ficou esperando que o Mineirinho terminasse o serviço para voltar a trabalhar.

          Após quase meia hora de espera, escutou uma voz lá de dentro do banheiro:

          - Por favor, me arrume uns dois sabugos aí.

          - Você não está vendo que não usamos isto aqui, homem. Não está vendo um rolo de papel aí no azulejo?

          Mineirinho usou o papel. Tanta coisa boa dava pra fazer com aquele papel, usar logo para aquilo. Este povo rico tem cada desperdício - pensava Mineirinho.

          Saiu do banheiro abotoando a braguilha da calça.

          - Que alívio, seu Abdala, estava em tempo de ficar doido.

          Os dois retornaram para o interior do armazém. Abdala para o trabalho e Mineirinho para a cadeira onde continuou cortando o fumo. Terminado de fazer o cigarro voltou a fumá-lo nos mesmos moldes do anterior. Nenhuma pessoa havia mais no armazém. Dona Carminda foi para a cozinha aprontar a comida. Abdala, com as mãos atrás andava pra lá e pra cá de cabeça baixa. Estava com vontade de dar uma lição naquele intolerante, mas não sabia como. O relógio marcada 12 horas e o Mineirinho nem desconfiava.

          - Tem milho aí, seu Abdala?

          - Olha aqui, seu pedaço de encrenca: você é da Sunab ou da polícia Federal? Você chega aqui às 7 horas. Já são 12. Já perguntou o preço de toda a mercadoria e não comprou nada. Já me empatou a manhã toda. Afinal de contas o que você quer mesmo?

          - Nada não, seu Abdala. Eu só queria comprar meio metro de fumo.

          - Ora essa, e precisava me encher a manhã toda por causa disso? Por que não disse logo?

          Abdala cortou o meio metro de fumo, embrulhou bem e entregou ao Mineirinho que

pegou o embrulho calmamente, cheirou umas diversas vezes e dizia:

          - Este é dos bons.

          Botou o fumo no sapicuá, pediu desculpas, agradeceu, disse que ia fazer propaganda pra ele, que rezaria pra dona Carminda e os filhos dela, disse até logo e foi saindo. Abdala, como uma fera, interpelou-o logo:

          - E não vai pagar o fumo?

          - Ah! Já lá me ia esquecendo, eu queria que o senhor botasse na conta. Estou sem dinheiro, mas no fim do mês eu pago.

          - E na conta de quem eu vou botar isto aí? Pois nunca vi o senhor, não o conheço, nem sei quem é o senhor.

          Mineirinho ia responde, mas Abdala já estava cheio com as trapalhadas do homem. Provavelmente ele passaria o resto da tarde para explicar quem era. Além disso a fome estava deixando Abadala meio maluco, resolveu dar por encerrado aquele papo.

          - Está bem, pode levar o fumo, depois o senhor paga.

          Mineirinho agradeceu de novo, falou blá-blá-blá outra vez e caiu na quiçaça.

          Abdala fechou logo o armazém antes que outro doido aparecesse, foi para a cozinha almoçar, perdera até a fome e resmungando como um mudo zangado, exclamou:

          - Se me aparece um desse aí por dia, estou perdido, sou obrigado a fechar o armazém.

 

 

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