O MERGULHO

Por Ruth Faria da Costa Castanha | 04/05/2017 | Poesias

O MERGULHO

Posso dizer que me tornei mergulhadora, eis o meu mais novo ofício, e por que não dizer sacerdócio?! Tenho desbravado as profundezas do meu interior de maneira tão profunda que me perco em mim mesma. Sou como um mar numa noite escura: uma imensidão a se revelar, onde se confundem o azul escuro do céu com a tonalidade das águas. Águas tranquilas em noites quentes e ondas fortes e bravias durante as tempestades.

Desde muito pequena tenho medo da noite e do que ela reserva aos seres humanos, pobres mortais, por isto minha primeira canção da infância foi: “A noite é tão grande, a estrela não veio brilhar, sinto-me sozinha e tenho medo da luz apagar. E até o passarinho não veio mais pousar, ele sempre vinha trazer o seu canto para eu não chorar. “Estou aqui, sinta minha mão, escute as batidas do meu coração, se a estrela não vier, não precisa chorar, Sou a própria Luz vim te iluminar. Quero ser companhia pra tua solidão, quero ser a alegria pra teu coração...”

Eu já sabia o quanto temia a solidão, mas a dimensão do quanto ela me apavora não era nítida. Eis a minha primeira canção da adolescência: “Quero ver o sol já cansado brilhar em um triste entardecer e o primeiro brilho da lua enxergar e a primeira estrela nascer. Quando a dor vai tomar o meu sorriso que está se apagando, sei que amanhã quando eu acordar, Jesus Cristo minha dor vai tirar, vai tirar. O choro pode durar uma noite mas a alegria, ela vem, de manhã bem cedo. As estrelas podem formar um caminho açoite, mas Cristo vem bem de manhã e tira meu medo”.

Sim, percebi o quanto tenho medo da solidão. Que temo a noite da vida, a escuridão do mar e a angústia da estrada vazia, dos outeiros inabitados. Entretanto, pude perceber que dentro de mim nutro uma esperança de que mesmo em meio ao choro da noite e ao horror das trevas serei consolada ao amanhecer.

Ah o amanhecer! Como amo a luz da manhã invadindo as frestas do meu viver e penetrando a infinitude do meu eu. Traz a alegria da mudança, a intrepidez da transformação, as cores do dia e a clareza das coisas.

As sombras da noite não poderão ofuscar o meu olhar, o mar bravio não poderá me sucumbir e o medo será constantemente desafiado a retirar-se, até que se vá para longe, sem despedidas e sem choro.

Por ora, o que me resta é desbravar-me, mergulhar-me e desfrutar da minha companhia.

(Ruth Castanha)