O MENDIGO
Por João Felinto Neto | 14/02/2015 | PoesiasPorta um veloz corcel,
O esnobe que se acha
Maior do que o céu
E as nuvens de fumaça.
Agride a natureza
Com seu arco e flecha.
Arrota sua destreza
Sob castiçais nas festas.
Um dia o inaudito,
Na trilha que envereda,
Descobre um esquilo
Que insulta sua nobreza.
Como da boca, o bicho
Falava com esperteza.
Num bosque assombrado,
Regado de tristeza.
És mago, feiticeiro
Ou és um estrangeiro
Em terras que são minhas?
O nobre alisa as crinas
De seu corcel talhado;
Espreita com cuidado,
O bicho que caminha
De um a outro lado.
Sou um esquilo nato,
Que tem essa proeza;
Um dom da natureza,
O bosque encantado.
Pertence ao teu reinado.
Mas, podes ter certeza
Que só com a pureza
Terás bom resultado.
Sou nobre, sou louvado.
Eu piso em quem me espelha.
E em minha grandeza,
Jamais fui insultado.
Repito obstinado
Que em minha fortaleza
Há cabeças de presas
E corpos pendurados.
Conversa de pedante;
Não passas de uma lesma.
Grandeza há num gigante.
Tua pequenez, soberba.
Se nesse mesmo instante,
De um inseto, fosses presa,
Em febres e delírios
Perdias tua nobreza.
Maldito esquilo ofende-me;
Atiro-te uma flecha
Que tua testa fende
Como o vulcão, a terra.
Ou ponho armadilhas
E atrás de ti, matilhas
Que o seguirão por milhas
Até a vida eterna.
Tua pequenez, violência.
Instinto pra ciência.
Para a crença, o diabo.
Olhando-te deste galho
Eu imagino um raio
Partindo tua cabeça.
Iníquo, não esqueças,
Pra natureza eu valho.
Não serves nem pra caça;
Ririam pela graça
De tão pequena presa.
Não valeria empreita
Pra ínfimo resultado.
Um esquilo danado
Que quer me ver queimado
Como acha em fogueira.
Tua pequenez, insulto.
Um homem tão astuto
Que perde a cabeça
Diante de um bicho;
Dirá de um inimigo
Com lança de madeira
E de ferro fundido;
Serias então vencido.
Não há no céu, na terra,
Sob água, sobre serra,
Varão me ver vencido.
Não serei esquecido
Por milhares de eras.
Sou nobre, sou galhardo.
A um esquilo safado,
Não mais darei ouvido.
A isso, não duvido.
Jamais é esquecido
Um flagelo severo
Que fere a natureza.
Tu és com certeza,
O exemplo mais louvado
Para mostrar o errado,
O antônimo da beleza.
Devastarei o bosque
Que pertence ao meu reino
E para o meu herdeiro,
A ordem que o sufoque,
A cada vez que brote
Que volte a queimar.
E que qualquer um pode,
Um esquilo matar.
Quão dói o que é verdade.
Na infância ou mocidade,
Na avançada idade,
Ninguém a quer ouvir.
Preferes então mentir.
A terra há de se abrir
E numa enorme fenda,
Sei que irás sumir.
Tu não me ofendas,
Oh, esquilo danoso.
Eu quebro o teu pescoço
Como se racham lenhas.
Sou a ti superior
Por ser um ser pensante.
Cala-te nesse instante
Ou mostro o meu furor.
Em que és superior?
Diga-me nobre.
No arco, no alforje,
No senso ou no humor?
Aguarias a flor
Que ao campo, morre?
O que nos torna forte,
É a espada e o amor.
Sou forte pela minha ousadia,
Nobreza e galhardia.
Dos meus sou defensor.
Não me importa a flor.
Na certa, a pisaria.
A espada é meu guia;
Meu arco, meu mentor.
Assim, eu sou superior.
Ser nobre é dá valor
A tudo que nos cerca.
Tu não és, na certa,
O melhor condutor.
Na minha ironia,
Jamais tu, passarias
De um rude sem pudor
Que adota a tirania.
Sou nobre de família.
Herança tem meu garbo.
Sou um caçador nato,
Assim meu pai dizia.
Sou o senhor da vila;
Por todos, aclamado.
O teu maior pecado
Foi incitar-me à briga.
Ninguém aqui duvida
Que és senhor da vila,
Do reino e do que for.
Mas, que mente vazia.
Eu mesmo mostraria
Que à natureza habita,
Teu reino, tua vida,
Teu cargo de senhor.
As árvores nascem outras.
A caça é abundante.
Enxergo tão distante
Que vejo além das coisas
Que queres me mostrar.
Jamais se acaba, o ar.
As águas vão durar
A minha vida toda.
Há! Que cabeça oca.
Além de tu, há outros.
Fecha essa tua boca,
Estás ficando louco.
Tudo o que tens é troco,
Diante do planeta.
Os bens da natureza,
Um dia, serão pouco.
Estou desconfiado.
És um servo escondido
Que usa do artifício
De ser um bom ventríloquo
E de algo ver vingado?
Não nota que o danado
Do bicho enfurecido
Assusta o seu cavalo.
Dos arreios, desvencilhado,
Põe-se de pé, o nobre.
Desfere então um golpe
Que não é acertado.
O esquilo dele foge
Tal qual no céu, um raio.
Insiste por ser forte
Mas cai no chão, cansado.
Que bicho dos diabos.
Resmunga então o nobre.
Sem seu garboso porte,
Ficou desfigurado.
Por achá-lo uma farsa,
Deixou-me a pé na mata.
Que bicho atinado,
Não acertei-lhe a espada.
Do outro lado, o esquilo
Num galho acha graça.
Pareces intranqüilo;
Onde aprendeste a usá-la.
Acostumado ao longe
Com a flecha atirada.
Jamais é cara-a-cara;
O caçador se esconde.
Cuidado esquilo covarde,
Exageras na troça.
Talvez armar eu possa,
Um bote, então pegar-te;
Prender-te numa jaula,
Sem água e sem comida
Até que enfim, me diga
De onde vem tua fala.
Teu ceticismo me cala.
É algo que admiro.
Deves está doido, eu digo.
Pois esquilo nenhum fala.
Se prestares atenção,
O que tem em tuas mãos
Não é nenhuma espada.
É uma faca enferrujada.
Que magia desgraçada.
Minha espada virou faca.
Dessa forma estou perdido.
O danado do esquilo
É uma bruxa disfarçada.
Essa mata é encantada.
O que irás fazer comigo?
Diz o nobre em voz alta.
Eu não te faria nada
Posto que nem mesmo existo.
Olhe bem, que eu, o esquilo,
Sou um pedaço de tecido
De uma manta esfarrapada.
Meus movimentos, o vento.
O teu louco pensamento,
Minha imagem, minha fala.
Bruxaria! Não duvido.
Transformado em pano, o esquilo
E a minha espada em faca;
A densa mata em beco.
A realidade eu vejo.
Sou apenas um mendigo,
Sou um personagem vivo
De uma história sem fada.