O MEI CACHORRO MORREU.
Por Romão Miranda Vidal | 17/04/2011 | ContosO MEU CACHORRO MORREU.
ERA UMA TARDE CHUVOSA, FRIA E CINZENTA.
QUEM SE ATREVERIA A ANDAR POR AQUELAS RUAS, SEM PAVIMENTAÇÃO, COM BURACOS CHEIOS DE ÁGUA E AQUELA LAMA VERMELHA?
UNS POUCOS VIVENTES, ANDAVAM RÁPIDOS COM SEUS GUARDA-CHUVAS E SEM SE IMPORTAR COM O QUE OCORRIA NAS IMEDIAÇÕES.
OLHEI UM TANTO DISTRAÍDO PARA A PRAÇA E DEBAIXO DE UM BANCO NOTEI QUE ALGO SE MOVIMENTAVA.
INTRIGADO FUI OLHAR. UMAS SEMANAS ATRÁS UMA CRIANÇA RECEM-NASCIDA FORA ENCONTRADA AO LADO DO CHAFARIS DA PRAÇA DA MATRIZ. E QUE TAL QUE FOSSE OUTRA CRIANÇA?
NÃO ERA.
SIMPLESMENTE UM CACHORRINHO, PELUDO, OLHOS ASSUSTADOS E MORRENDO DE FRIO E DE FOME.
ESTAVA GANINDO COMO QUE PEDINDO PARA QUE ALGUÉM OUVISSE O SEU CLAMOR.
COM MUITO CUIDADO O ENVOLVI EM UMAS FOLHAS DE JORNAL E O LEVEI PARA CASA. PÃO COM LEITE E AÇÚCAR. UM PANO O ENXUGOU E LOGO DORMIU EM FRENTE AO FOGÃO A LENHA.
E AGORA? O QUE FAZER COM ESTE PEQUENO PERDIDO E FAMINTO?
UMA CAIXA ALTA, DE MADEIRA, UNS PANOS E LÁ DORMIU A NOITE TODA. TORNOU-SE A ATENÇÃO DA CASA.
CRESCEU. COMPANHEIRO DE TODAS AS HORAS.
BANHOS DE RIO? ERA O PRIMEIRO A PULAR. PESCARIAS QUE DURAVAM TODO O FINAL DE SEMANA? PARECIA SER A SUA PREDILEÇÃO. BANHO DE MANGUEIRA? CORRIA BUSCAR A MANGUEIRA.
NOITES FRIAS E GELADAS E LÁ ESTAVA ELE ME ESPERANDO.
LATIDO TRISTE. O QUE SERÁ? DOUTOR, DOUTOR. DÁ PARA O SENHOR FAZER UM PARTO EM UMA ÉGUA QUE ESTA SOFRENDO? MORREU A ÉQUA E A CRIA. CHEGAMOS TARDE.
LATIDO ALEGRE QUAL A RAZÃO? OI FILHO. CHEQUEI. ERA A MINHA MÃE.
ROSNAVA E SE ENCOLHIA TODO. O QUE SERÁ DESTA VEZ? UMA ENORME JARARACA DEBAIXO DO JEEP.
NÃO TINHA CONTRATEMPO. VAMOS VIAJAR UNS QUATRO DIAS, VOCÊ VAI JUNTO? PARECIA QUE COMPRENDIA. POR INCRIVEL QUE PAREÇA, LÁ VINHA ELE COM SEUS PANOS E SEUS PRATOS DE COMIDA E DE ÁGUA.
NO HOTEL NÃO PERMITEM A ENTRADA DE CACHORRO, ENTENDEU? PULAVA, PARA TRÁS DOS BANCOS DO JEEP E PEGAVA SEUS PANOS. DORMIR NO BANCO DA FRENTE.
O PENEU FUROU. E ALGUM FUNCIONÁRIO DA FAZENDA, DEVE TER USADO O MACACO PARA LEVANTAR ALGUM CARRO E ESQUECEU DE DEVOLVÊ-LO. E AGORA COMO FAZER? ATRAVESSAVA A PISA FINGINDO QUE ESTAVA MACHUCADO. OS CARROS DIMINUIAM A VELOCIDADE E PARAVAM E ME EMPRESTARAM O DITO MACACO. MAS COMO ELE NÃO ESTAVA MACHUCADO E AGORA ESTÁ CORRENDO? SEM RESPOSTA.
GADO REUNIDO E ELE SÓ OLHANDO. DE REPENTE SAI CORRENDO E LATINDO. O QUE SERÁ AGORA? UMA VACA NELORE HAVIA CRIADO E ESTAVA MUGINDO DE FORMA ESTRANHA. NÃO CORREU EM DIREÇÃO A MÃE. MAS SIM EM DIREÇÃO A UMA TOUCEIRA DE CAPIN. SURPRESA GERAL. UMA SUCURI ESTAVA PRESTES A "ABRAÇAR" A CRIA. MORDIA A COBRA COM TANTA FORÇA E REPETIDA VEZES, QUE QUANDO LA CHEGAMOS A COBRA, NÃO SABIA SE FUGIA, SE DEFENDIA DA INVESTIDAS, OU TENTAVA "ABRAÇAR" A CRIA. SABIA QUE COBRA SUCURI NO SECO É MEIO MOLENGA E POR ISSO A MORDIA A PONTO DE TIRAR PEDAÇOS. ESTAVA TODA LANHADA. UM TIRO DE CALIBRE DOZE E PRONTO, LÁ ESTAVAM 10 METROS DA COMEDORA DE BEZERROS.
CAMINHÕES CARREGANDO GADO. OLHAVA COM DESONFIANÇA. SE UM MOTORISTA FIZESSE USO DE CHICOTE ELÉTRICO, PODERIA CONTAR COM A DESAPROVAÇÃO TOTAL. SIMPLESMENTE LATIA E ARREGANHAVA OS DENTES, COMO QUE DIZENDO: SE USAR O CHICOTE VAI LEVAR UMAS MORDIDAS.
TELEVISÃO LIGADA E LÁ ESTAVA ELE SENTADO, ASSISTINDO. PODIA SER PROGRAMA ELEITORAL OBRIGATÓRIO (SÓ ELE ASSISTIA). NÃO LATIA. O SEU SILÊNCIO JÁ DIZIA TUDO... QUANDO PARTICIPAVAMOS DE EXPOSIÇÕES AGROPECUÁRIAS, FAZIA QUESTÃO DE FICAR NO GALPÃO COM AS NOVILHAS, VACAS E TOUROS. DISCRETO, MAS ATENTO. UMA CRIANÇA, DESTAS CRIADAS EM APARTAMENTO, QUE NUNCA HAVIA VISTO UMA VACA, PRETENDIA PUXAR O RABO DE UMA VACA. O QUE NA CERTA RESULTARIA EM UM COICE, DE CONSEQÜÊNCIAS DOLOROSAS. NÃO TITUBEOU, PULOU NA FRENTE DA CRIANÇA E LATIU. FOI O TEMPO NECESSÁRIO PARA UM COICE QUASE ATINGISSE A CRIANÇA. DE RASPÃO PEGOU O MEU CACHORRO. NADA GRAVE. FOI NOTICIA DO EVENTO. "CACHORRO EVITA QUE CRIANÇA LEVE COICE UMA VACA". MESMO MACHUCADO LÁ ESTAVA ELE SE EXIBINDO.
UMA NOITE DE CHUVA, NÃO HAVIA MANEIRA DE FAZÊ-LO FICAR NA COZINHA, PERTO DO FOGÃO A LENHA. IA E VOLTAVA EM DIREÇÃO Á PORTA DA SALA. PELOS IRIÇADOS E ROSNANDO.
APAGUEI AS LUZES E FICAMOS ESPERANDO. PASSARAM UNS DEZ MINUTOS E A PORTA DA SALA FOI SENDO FORÇADA A ABRI. SABIA QUE SE LATISSE ESPANTARIA QUEM ALI ESTIVESSE. NOS POSICIONAMOS UM DE CADA LADA DA PORTA. UMA DESVANTAGEM ENORME. EU COM UMA ESPINGARDA CALIBRE DOZE E ELE SÓ COM A SUA VALENTIA E CORAGEM.
A PORTA FOI SENDO ABERTA AOS POUCOS PARA NÃO FAZER BARULHO E DUAS PESSOAS ENTRARAM. PORTAVAM DUAS LATERNAS E DOIS REVÓLVERES. AÇÃO CONTINUA. UM LADRÃO NO CHÃO SENDO MORDIDO POR TODOS OS LADOS E OUTRO NO CHÃO ESTIRADO COM UM TIRO NA PERNA.
LUZES ACESAS E SURPRESA GERAL.
DOIS EX-FUNCIONÁRIOS QUE HAVIAM SIDO DESPEDIDOS POR DESVIO DE CARGA DE MILHO, RESOLVERAM FAZER UM AJUSTE DE CONTA. NUNCA IMAGINARIAM QUE TERIAM A SUPRESA DESAGRADÁVEL.
AMIGO DE TODAS AS HORAS.
UM COMPROMISSO EXIGIA QUE EU FICASSE SEIS DIAS EM UMA CIDADE GRANDE DO INTERIOR. VIERAM ME BUSCAR DE AVIÃO. ELE JÁ ERA ACOSTUMADO COM AVIÕES. A FAZENDA TINHA UM CAMPO DE POUSO HOMOLOGADO, MAS NÃO TINHA AVIÃO. FICOU OBSERVANDO O AVIÃO, CHEIRAVA AQUI, DEPOIS ALI. PARAVA DEBAIXO DAS ASAS E OLHAVA PARA CIMA. DE REPENTE DEU UM LATIDO DE PERIGO. SAIU CORRENDO EM NOSSA DIREÇÃO. LATINDO E VOLTANDO EM DIREÇAO AO AVIÃO. OS DOIS PILOTOS NÃO TINHAM A MENOR IDÉIA DO QUE ESTAVA ACONTECENDO. DE TANTO INSISTIR O ACOMPANHEI. UMA ENORME MANCHA DE ÓLEO BEM DEBAIXO DE UM DOS MOTORES. NÃO PINGAVA, ESCORRIA ÓLEO. ATÔNITOS OS PILOTOS, ABRIRAM A CARENAGEM DO MOTOR E IDENTIFICARAM A CAUSA. UM DOS RETENTORES APRESENTAVA UM VAZAMENTO ENORME. OU SEJA, O MOTOR ESTAVA PRATICAMENTE SEM ÓLEO. RESULTADO. VIAGEM ADIADA. PILOTOS À ESPERA DE UM OUTRO AVIÃO COM MECÂNICO E RETENTOR NOVO.
O INTERESSANTE É QUE SEMPRE ME AVISAVA DE ALGUM TIPO DE PERIGO, DE ALGUM ACONTECIMENTO IMPORTANTE, EM GERAL ACONTECIA.
A IDADE JÁ ERA AVANÇADA. TREZE ANOS VIVIDOS, NÃO TINHA MAIS AQUELE SENTIMENTO ANTECIPADO. OS DENTES COMEÇARAM A DAR SINAIS QUE OS OSSOS QUE GOSTAVA DE ROER, JÁ NÃO MAIS FARIAM PARTE DO SEU CARDÁPIO. APESAR DA LIMPEZA CONSTANTE DAS COLEÇÕES DE TÁRTAROS. SEMPRE QUE SE ACHAVA INCOMODADO COM ALGUMA COISA, DERA PARA ROSNAR E ENQUANTO NÃO FOSSE RESOLVIDA A SITUAÇÃO, NÃO PARAVA.
AS NOITES AGORA ERAM RECHEADAS DE SONHOS E PESADELOS, POIS ERA COMUM DURANTE A NOITE, LATIR E ROSNAR.
NÃO TINHA MAIS VONTADE DE ACOMPANHAR OS BOIADEIROS, NAS LIDAS DIÁRIAS DO GADO. O ÚNICO PRAZER QUE LHE CAUSAVA UMA SENSAÇÃO IMENSA DE BEM ESTAR, ERA PASSEAR SENTADO, NO BANCO DA FRENTE DO JEEP.
DE UNS TEMPOS PARA CÁ, DERA PARA VISTORIAR O MEU QUARTO. ENTRAVA, FAREJAVA TUDO E DEPOIS DE CERTIFICAR-SE QUE NADA DE ANORMAL ESTAVA ACONTECENDO SAIA. MAS VEZ OU OUTRA, RESOLVIA DORMIR EM FRENTE À PORTA DO QUARTO.
UMA NOITE NÃO QUIS COMER. A SUA COMIDA ERA BALANCEADA, DE ACORDO COM A SUA IDADE. PENSEI. SÃO COISAS DA IDADE.
FAZIA UM DIA MARAVILHOSO. SOL PLENO. CÉU AZUL.
SAIU PELA MANHÃ COLORIDA E LINDA.
DEITOU-SE A SOMBRA DE UM PÉ DE MANGA.
NÃO VEIO PARA O ALMOÇO.
DOUTOR CORRE DOUTOR. LÁ ESTAVA ELE DEITADO E SERENO.
DORMIRÁ PARA SEMPRE.
TODOS NÓS FICAMOS TRISTES E CHATEADOS. O AMIGO DE TODOS E COMPANHEIRO DE MUITAS ANDANÇAS E AVENTURAS, NÃO ESTAVA MAIS CONOSCO.
COINCIDÊNCIA OU NÃO, NAQUELA MANHÃ POUSARA NA FAZENDA AQUELE AVIÃO QUE DERÁ PROBLEMA DE VAZAMENTO DE ÓLEO NO MOTOR. OS DOIS PILOTOS CHEGARAM COM UMA JORNALISTA E UM CINEGRAFISTA PARA ELABORAR UMA MATÉRIA A RESPEITO DO NOSSO AMIGO CACHORRO. SURPRESOS E MUITO EMOCIONADOS OS DOIS PILOTOS DECLARARAM Á JORNALISTA, QUE SE NÃO FOSSE AQUELE CACHORRO, AO LATIR COM INSISTÊNCIA E CORRER PARA DEBAIXO DA ASA DO AVIÃO, INDICANDO ALGUMA ANORMALIDADE, E SE NÓS TIVESSEMOS DECOLADO, MESMO COM O MARCADOR DA PRESSÃO DO ÓLEO FUNCIONANDO, SÓ CONSEGUIRÍAMOS NOTAR O PROBLEMA COM MAIS DE 30 MINUTOS DE VÔO, O QUE PODERIA REPRESENTAR UM ACIDENTE CONSIDERÁVEL, QUANDO NÃO FATAL.
NÃO PERMITI QUE FILMASSEM O NOSSO AMIGO CACHORRO. ALGUMAS FOTOS E DEPOIMENTOS EMOCIONADOS FIZERAM PARTE DA MATÉRIA.
HOJE QUANDO VIAJO SÓZINHO, SINTO A SUA PRESENÇA NO BANCO DIANTEIRO DO JEEP, A NÃO PRESENÇA AO LADO DO FOGÃO A LENHA E DAS SUAS MANIAS DE ASSISTIR TELEVISÃO.
PELOS ANOS VIVIDOS JUNTOS, PELOS MOMENTOS INCRÍVEIS QUE DESFRUTAMOS, POR TUDO QUE COMPARTILHAMOS, NÃO NEGO, CHOREI M UITO QUANDO O MEU CACHORRO MORREU.