O medo de pensar

Por Ivani de Araujo Medina | 23/01/2010 | História



Desde que iniciei meus estudos sobre a conspiração grega, provei sentimentos inquietantes. Percebi o mundo numa bolha de ilusão buscando soluções onde nunca encontrará. A utilização da faculdade de pensar não se compara a nada. Fiquei suspenso, pairando sobre o conhecido como num sobrevôo a própria casa. Ela é muito diferente quando a vemos assim. Ao experimentarmos o novo, nada fica igual à antes. A mudança de referencial muda tudo.
Meu interesse por História, acentuado na casa dos trinta anos de idade, levou-me a rodopios na erudição alheia até colocar-me diante da minha própria questão: o que você quer com isso? Eu sabia sem saber. Queria respostas. Mas, para obtê-las, primeiro, eu precisava das perguntas. Este era o meu problema crucial. Trata-se de algo muito comum quando dispomos apenas da intuição. É como se esbarrássemos em alguém no escuro. O fato de existir alguém além de nós é a única inquietante certeza. Não dá para fingir que nada está acontecendo...
Foi o mais cristão dos historiadores da Sorbonne quem me auxiliou na formulação da pergunta que desataria o nó: Henri Irénée Marrou (1904-1977) aconselhou que, “ao pretendermos lidar com a História, o primeiro passo é definir a pergunta a ser feita ao passado.” Era tão simples e eu não sabia. O mesmo acontece com aquilo que está próximo demais do nosso juízo. Com o nariz colado na tela não podemos apreciar a beleza da pintura. O distanciamento emocional que facilitou os meus estudos se explica, em parte, na minha formação familiar.
Em minha casa religião não existia. Certa vez, ouvi uma empregada resmungando: ─ Que gente herege! Não tem nenhum santo nas paredes. Provavelmente, a irreligiosidade dos meus pais deu algum suporte à aventura do menino; mas meus irmãos acabaram cedendo aos apelos extra-lar com a primeira comunhão na escola pública. Os colegas da rua e os do colégio seguiam suas tradições familiares. Todos se casaram na igreja e batizaram seus filhos; menos eu.
No curso ginasial passei a sentir uma atração peculiar pela religião cristã. Quando eu soube da Santa Inquisição fiquei chocado. Não achava aquilo possível, até que fui convencido da triste realidade. A peculiaridade estava no modo simples de um menino ver o mundo. Desconfiado, desenvolvi barreiras íntimas aos assédios cristãos e religiosos em geral. Sempre um reflexivo expectador que não vendia a própria consciência por nada desse mundo. Promessas nunca me interessaram. Tudo o que eu queria era um dia descobrir a verdade, a minha grande aventura infanto-juvenil.
Naturalmente, durante a adolescência as dúvidas aumentaram. Tantos homens cultos e inteligentíssimos da História, figuras proeminentes da sociedade e também os nossos professores prestigiavam a crença cristã. O que eram as minhas dúvidas diante das suas certezas? Os colégios religiosos eram os melhores e eu estudava num deles. Era uma instituição de origem norte-americana, na qual um culto dava início às aulas. Mais complicado ficava ainda, porque jamais duvidei da sinceridade do pastor no ato dos seus ensinamentos. Via-se nos seus olhos e atitudes que era um homem íntegro e bondoso, e não um ator. A margem do senso comum eu resvalei por muitos anos, e, de certa forma, à deriva de mim mesmo.
Agora, solidão mesmo me reservara à ousadia de lançar-me a este específico tipo de estudo sem o explícito apoio didático dos mestres historiadores. A cultura dominante dispõe de inúmeros mecanismos para inibir os curiosos. A começar pelo domínio do ensino da História. Criou inimizade entre a razão e a crença, fomenta animosidades entre a ciência e a religião, criou bloqueios emocionais difíceis de serem rompidos, difundiu preconceitos milenares, exerce uma poderosa pressão social etc. Além de tudo isso, eu sabia que ia me defrontar com o ressentimento de um pedantismo estéril e a sinceridade dolorida da incompreensão religiosa.
Já fui acusado de impor meus pensamentos. Os argumentos dos quais participo impõem-se por si só, não eu. Além do mais, a imposição só existe quando nos é subtraído o direito de escolha. Quando mato a cobra procuro mostrar o pau. Obrigação de quem declara no estudo da História. O fato é que, ainda, em nossa sociedade, o não-crente tem todo o direito de ficar calado. Mas é assim que nos encontramos em pleno século XXI, com medo de pensar. Santo Agostinho e Martinho Lutero alimentavam tal situação.
Hoje, vejo que nada teve tanta importância para mim quanto seguir e investir na minha própria intuição. Coloquei a minha vida nisso. Sinto-me satisfeito por ter realizado o meu sonho infanto-juvenil e poder manifestá-lo aqui.