O mau cheiro da corrupção
Por Osorio de Vasconcellos | 28/10/2011 | CrônicasUma pessoa acusou o Ministro dos Esportes. Outra pessoa confirmou a acusação. A pessoa que acusou disse ter visto o Ministro receber propina, na garagem do ministério, em espécie, precisamente em notas de 50 e 100 reais, acondicionadas numa caixa de papelão. A pessoa que confirmou a acusação declarou ter feito, de fato, a entrega do dinheiro. E acrescentou: "Eu recolhi o dinheiro com representantes de quatro entidades aqui do Distrito Federal que recebiam verba do Segundo Tempo [programa da pasta dos Esportes]…”
Por causa da resenha acima, extraída da Folha de São Paulo, vieram a lume diversas reações, das quais separo três. A do Ministro, a da Presidenta Dilma Rousseff, e a do povo. Separo-as apostado em ver se nelas descubro alguma pista que conduza ao entendimento do que, na verdade, significam as revelações contidas na resenha da Folha.
A reação do Ministro – O Ministro negou tudo. Colocou-se à disposição para qualquer esclarecimento, e pediu a imediata apuração das denúncias. Para ele, nada havia, até então, que pudesse fazer dele um ministro corrupto. Dito de outro modo: o Ministro não vê corrupção no estágio atual das alegações.
A reação da Presidenta – Dilma Rousseff, dizendo-se atenta ao curso dos acontecimentos, aguarda o relatório em que diretamente a ela serão dadas as explicações de praxe. Enquanto aguarda, lembra que coube ao acusado a iniciativa de facilitar a apuração das acusações. Também para a Presidenta nada havia, até então, que pudesse inscrever o Ministro na categoria dos corruptos. Dito de outro modo: a Presidenta não vê corrupção no estágio atual das alegações.
A reação do povo – Na esteira de sucessivas denúncias de irregularidades no âmbito ministerial, o povo saiu recentemente às ruas empunhando faixas que diziam: “País livre é país sem corrupção”. O povo, pelo visto, tem uma visão discrepante daquela que se desenha nas reações do Ministro e da Presidenta. O povo entende, pelo clamor de suas faixas, que já há corrupção, sim, no estágio atual das alegações. E mais: que a Presidenta, com o apoio das ruas, já poderia ter defenestrado o Ministro em sã e exemplar resolução.
Agora, já é possível estabelecer uma primeira relação esclarecedora: duas das três reações acima referidas, justamente a reação do Ministro e a da Presidenta, estruturam-se numa única e mesma dialética, ao passo que a reação do povo se fundamenta numa outra bem diferente.
Para explicar diferenças cognitivas - como essa que distingue modos de ver a corrupção - para explicar tais sutilezas sem chafurdar em minúcias e inconsistências conceituais, sempre há o recurso da metáfora.
Nada contra. Sou fá de metáforas. Todavia, devo lembrar que o objeto da metáfora cogitada é a corrupção. Quando o objeto da metáfora são os cabelos cálidos e fulvos da mulher amada, é lícito associá-los à coloração fulva e cálida do ouro. Exemplo: Encanta-me tocar o ouro dos teus cabelos.
Quando o objeto da metáfora, no entanto, calha de ser a corrupção, as associações tomam outro rumo, necessariamente menos delicado.
Eis por que vou chamar de dialética do mau cheiro a dialética do povo, e de dialética do cadáver a dialética do Ministro e da Presidenta.
Para o povo a corrupção já está no mau cheiro. Para o Ministro e para a Presidenta, no entanto, mau cheiro não basta. Suas Excelências, pelo visto até o momento, não abrem mão do cadáver, vale dizer, não concebem a corrupção sem pôr o dedo no corpo de delito, causador da fetidez.
Em outras palavras: para Suas Excelências, sem cadáver não há corrupção.
Outra via de entendimento além dos conceitos e das metáforas são as comparações. É possível conhecer melhor o significado de corrupção mediante a alternativa de comparar a dialética do mau cheiro à dialética do escândalo, e a dialética do cadáver à do crime. Da comparação poderá surdir a noção de que, assim como o crime, o cadáver fere a lei, ao passo que, assim como o escândalo, o mau cheiro fere a sensibilidade.
Mau cheiro ou cadáver, escândalo ou crime, lei ou sensibilidade. As apostas estão abertas. Se prevalecer a dialética do cadáver, sanear o país será um desafio para peritos, tribunos, advogados, juízes, CPIs. Se prevalecer a dialética do mau cheiro, para sanear o país, bastará ter um bom nariz.