O Matrimônio jurídico-econômico e o Dever-Saber Morfológico do Intérprete...

Por Paulo Ricardo Dahrouge Alecrim | 18/10/2016 | Direito

O Matrimônio jurídico-econômico e o Dever-Saber Morfológico do Intérprete: O que são Insumos para a Babel Tributária?

É bem verdade que palavras sofrem alterações a depender, principalmente, do entendimento coletivo acerca do que vem a ser o objeto ou o fenômeno descrito. O curioso, porém, é que embora se altere o verbete ou talvez uma ou outra característica morfossintática, não se observa, ainda que em opostos troncos linguísticos, qualquer discussão sobre ao que se dá nome. O que chamam os brasileiros de “maçã”, chamarão os norte-americanos de “apple”, os alemães de “apfel”, os croatas de “jabuka”, os galeses de “afal”, e mesmo assim aquele que entender que todas essas palavras se referem a um vertebrado, e não a uma fruta, será o verdadeiro louco.

Situação similar se observa no Direito, mutável a depender da escola jurídica em proeminência – ou mesmo o Estado em que se situe -, mas que por grande maioria das situações se designa uma mesma situação ou objeto sob prismas interpretativos distintos, daí se originando verbetes diferentes ou jargões exclusivos de determinado entendimento ou intérprete – os quais, sem dúvida, serão seguidos pelos próximos que com essas ideias se depararem. Não à toa a ferramenta de que se dispõe, o Direito Comparado, deve atender a conhecimentos adquiridos metodicamente e usar-se da validade universal de conceitos produzidos, passados esses por crivos de observações críticas e sistemáticas. Aproximam-se institutos iguais que recebem denominações diversas – ou mesmo os ligeiramente distintos, agrupando-os em suas similitudes – para que se encontre a equiparação oculta pelas diferenças linguísticas, sociais e culturais.

Eis não ser lógica a frequência com a qual nos deparamos, mais irônica do que espantosamente, com uma absurda dificuldade dentre seres – supostamente racionais – de mesma linguagem em absorver conceitos que não lhes cabe inaugurar: a Babel que a mesma língua usa, mas ainda assim não se entende. Le début do conhecido Carnaval Tributário (BECKER, 1998):

“As regras jurídicas que geram as relações jurídicas tributárias são regras jurídicas organicamente enquadradas num único sistema que constitui o ordenamento jurídico emanado de um Estado. É necessário extrair a regra jurídica contida na lei, relacionando está com as demais leis do sistema jurídico vigente (plano horizontal) e sistemas jurídicos antecedentes (plano vertical)[1]. ”

A análise à qual se propõe por ora, evidentemente, não equivale ao que o consagrado doutrinador expôs na sua didática obra, mas também dele não escapa de fazer as devidas homenagens e resgates do que, se entende, seria necessário para a devida compreensão do verdadeiro divórcio observado no Brasil: como partes, o intérprete e o dicionário; como bem disputado, o significado de “insumo”; como contexto, o regime não-cumulativo de PIS/COFINS.

Tal qual os babilônicos na figura bíblica da mítica torre, não se chega a um consenso ainda do que vem a ser “insumo” para fins das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS. Sob o argumento principal de que um conceito amplo desvirtua a própria sistemática de créditos proposta nas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, a Receita Federal alega que a transformação material do bem vertente à finalidade produtiva é preceito basilar para que se possa estar diante de objeto classificável como insumo. Ao ver do Fisco, não apenas o viés finalístico do bem deve ser considerado para a classificação como, também, a necessidade de alteração material ou do consumo em si e per si do objeto em questão. Por outro lado, os contribuintes buscam esquivar-se da sede arrecadatória com o entendimento de que a noção de insumo é mais ampla, amparando-se sob um prisma maior do que uma conceituação meramente jurídica, aproximando-se da noção – não-jurídica, importante ressaltar – de “fatores de produção”.

Antes que se prossiga na análise, oportuno resgatar a redação das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, as quais instituíram o regime não-cumulativo de apuração do PIS/PASEP e da COFINS, e consequentemente possibilitou a apuração de créditos dessas contribuições sobre determinadas despesas vinculadas à produção de bens ou prestação de serviços – originando-se aí o debate em questão:

Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

(...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI;

Desde a promulgação dessas normas, o Fisco tem entendido com base nas Instruções Normativas nº 247/2002 e nº 404/2004, que a noção de “insumos” é restrita, no que concerne à fabricação ou produção de bens destinados a venda: “as matérias-primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação”.

 Essa noção – e muito sobre isso reclamam os contribuintes – se aproxima do conceito de insumo adotado para fins do IPI (porque, obviamente, na Babel Tributária uma mesma palavra pode, facilmente, ter adaptado seu significado proporcionalmente ao interesse arrecadatório).

Para além de discussões morfológicas ou da necessidade do estudo de Economia às Autoridades Fiscais brasileiras – como já se verá -, um ponto necessário de destaque no viés jurídico é que a não-cumulatividade que foi instituída para o PIS e à COFINS não é semelhante à dos impostos sobre circulação e produção de mercadorias (ICMS e IPI, respectivamente), mesmo porque o PIS/COFINS não incide sobre operações, mas sim sobre a receita – ou seja,  a apuração de créditos deve ser feita mediante uma comparação de “base contra base” e não de “tributo por tributo”, que é a lógica que informa os créditos na legislação do IPI e do ICMS. Logo, se a não-cumulatividade do PIS e da COFINS não pode ser tomada como desconto “entre operações” ou entre as entradas e saídas de mercadorias, eis que esses tributos não incidem sobre a circulação de bens, mas sobre as receitas em imposição nitidamente subjetiva[2], que consiste na opção pelo sistema “base sobre base” (base on base), a sua incidência não-cumulativa dar-se por mês, não por operação.

Assim, a única diferença que pode ser aplicada à regra da não-cumulatividade das contribuições ao PIS/COFINS com aquela prevista para os impostos (IPI e ICMS) é a técnica legal utilizada para operacionalizar esse sistema (basis on basis[3]), o que significa que, conforme o art. 3º, II, das Leis nº 10.637/07 e 10.833/03, sendo tributada, na etapa anterior, bem ou serviço essencial à atividade da empresa, incidirá, sobre a “base devedora” dessas contribuições sociais, a “base credora” – dinâmica essa conhecida como método indireto subtrativo[3]), o que significa que, conforme o art. 3º, II, das Leis nº 10.637/07 e 10.833/03, sendo tributada, na etapa anterior, bem ou serviço essencial à atividade da empresa, incidirá, sobre a “base devedora” dessas contribuições sociais, a “base credora” – dinâmica essa conhecida como método indireto subtrativo[4], cujo objetivo, de acordo com a exposição de motivos da Medida Provisória n° 135/2003, é o de garantir a neutralidade da incidência tributária sobre os agentes da cadeia comercial pela concessão de créditos fiscal sobre as despesas na mesma proporção da alíquota que grava as vendas.

Curioso perceber como a própria lógica jurídica dessas normas não aponta para um conceito limitado, e sim amplo. E não sem razão: o raciocínio do legislador – e a própria lógica econômica aparentemente ignorada por muitos – está vinculada necessariamente à noção ampla porquanto tratar-se de conceitos não-jurídicos. Em que pesem os esforços de Autoridades Fiscais para alterar significados conforme seu interesse (uma figura mista bastante exótica, inclusive – o Fisco Morfológico), não se deve esquecer que se está diante de uma realidade de natureza econômica cujos traços e conceitos são próprios e inalienáveis por outras áreas de conhecimento. Insumos são, antes de mais nada, fatores de produção, e para que possam ser efetivamente compreendidos é sobre este conceito que se deve estar debruçado.

De acordo com a teoria da produção – escala obrigatória em qualquer estudo de Microeconomia -, fatores de produção são todos os recursos utilizados para obtenção de um produto, que pode ser uma mercadoria (bem tangível) ou um serviço (bem intangível). No viés de indústria, por exemplo, os fatores de produção englobam as matérias-primas, a mão-de-obra aplicada no processo, o combustível utilizado em etapas que viabilizem a atividade, a energia elétrica consumida pelo processo, bem como todos os elementos que sejam requeridos para que se chegue ao bem final produzido. Esses fatores, por sua vez, podem ser divididos entre fixos - aqueles cuja quantidade utilizada não se pode alterar – e variáveis – aqueles cuja utilização pode ser livremente alterada -, divisão essa que permite mesmo o entendimento sobre o que vem a ser o “período de reação” das empresas.

Como se vê, a rigor, insumo é conceito econômico correspondente a tudo quanto seja utilizado, empregado ou consumido para a produção de algum bem ou serviço. Neste aspecto, tomando como base o disposto no artigo 11, I, “a”, da Lei Complementar 95/98, para a interpretação do texto normativo, as palavras devem ser entendidas no seu sentido comum, quando elas forem de uso corriqueiro, e no seu sentido técnico pelo qual são entendidas no campo da atividade especializada a que se referem.

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