O materialismo histórico em Karl Marx- Por Rabim Saize Chiria e Victor João Mbebe
Por Rabim Saize Chiria | 17/04/2017 | Adm1. Introdução
O presente trabalha intitulado “A Concepção Marxista da História: do Idealismo ao Materialismo histórico”. Pretende-se apresentar a ideia de Marx junto ao seu colaborador Engels sobre a história, tomando-se em consideração as influências que sofreram do sistema idealista do grande mestre, Hegel, passando por Feuerbach, que foi uma das reacções à esquerda contra o idealismo hegeliano.
A concepção Marxista da história é importante para aqueles que querem encontrar um princípio ou um método que lhes permita estudar o processos históricos ou a história no seu sentido lato.
Tem como objectivo geral buscar uma explicação filosófica do sentido da história humana, ou seja, buscar a razão ou lógica que premeia todo e qualquer processo histórico.
E tem como objectivo específico: tentar comparar e diferenciar as concepções de história em Hegel e Marx; tenta definir o “princípio universal que governa a história em Marx; como também identificar os aspectos positivos e negativos dessa teoria da história. O problema que se coloca quando se analisa a concepção marxista da história é: tendo-se em consideração que a concepção materialista defende que a vida material é a “essência” de todo processo histórico, não estará Marx e Engels a defender um determinismo economicista da história?
Esse aparente reducionismo da história a vida económica dos homens acompanha a filosofia da história de Marx. Para elaboração deste trabalho, usou-se o método hermenêutico, que consiste na leitura e interpretação de textos que versam sobre o assunto ora em análise, coadjuvado pelo método comparativo que permitiu confrontar as diferentes ideias sobre a natureza da história e uma visão mais crítica. O corpo do trabalho está estruturado em duas partes: (1) Do idealismo hegeliano ao materialismo antropológico de Feuerbach, que apresenta os pressupostos ou influências sofridas por Marx para a elaboração da sua concepção histórica, como também o momento de transição do idealismo hegeliano ao materialismo; (2) Materialismo histórico no qual se apresenta a teoria materialista ou marxista da história.
2. Do idealismo hegeliano ao materialismo antropológico de Feuerbach
A concepção material da história de Marx é melhor compreendida em comparação com a teoria da história de seu mestre Hegel, sem se descartar naturalmente da grande influência que o materialismo antropológico de Feuerbach exerceu sobre os jovens Marx e Engels. É claro que existem além dessas duas influências outras meritórias de destaque nesse assunto, mas por motivos de maior concisão, vários autores optam por destacar estas duas – as mais expressivas.
A teoria de Hegel, em primeiro lugar, ela consiste em defender que o fundamento, ou melhor, o princípio universal que guia a história, desde os tempos primitivos até aos tempos modernos ou actuais, é a Razão, também pode ser chamado Ideia ou Espírito. Escreve Hegel na sua obra A Razão na história que “O único pensamento que a filosofia traz para tratamento da história é o conceito simples de Razão, que é a lei do mundo e, portanto, na história do mundo as coisas aconteceram racionalmente” (HEGEL, 2001: 53). Hegel, aqui, afirma categoricamente que o princípio universal ou fundamento do mundo é a Razão, e se é a Razão, a história deste mundo também tem como princípio universal esta mesma Razão: na história do mundo as coisas aconteceram racionalmente.
A Ideia, Razão ou Espírito governa o mundo e por isso uma categoria importante se não único para entender a história. O idealismo de Hegel é expressivamente mais claro na sua pretensão de reduzir o mundo real e o próprio homem junto com suas acções a meras manifestações do Espírito, momentos ou produtos da grande marcha do Espírito sua realização absoluta, quando este grande filósofo alemão escreve: “O reino do Espírito abrange tudo, inclui tudo aquilo que alguma vez interessou ou interessará ao homem. O homem é activo nele – seja o que for que faça, o homem é criatura na qual o Espírito obra” (Ibidem:61). A Razão modela o mundo, isto é, uma espécie de providência divina ou Demiurgo responsável por tudo o que acontece no mundo.
Nada acontece no mundo sem que seja o momento ou manifestação do Espírito, o homem e suas acções, relações sociais, instituições são produto dessa marcha do Espírito. Marcha no sentido de que toda a história mundial ou do mundo “caminha” progressivamente para uma perfeição, um determinado fim. A expressão dessa perfeição na sociedade é o Estado. Por isso, criticarão Marx e Engels esta teoria afirmando que ela é uma espécie de justificação do Estado ou regime político vigente, no caso de Hegel, da monarquia de Napoleão Bonaparte. A influência, não menos importante, de Feuerbach a Marx e Engels explica-se pelo facto de ser, depois de Levy Strauss, um crítico radical da redução do homem a uma essência metafísica ou sobrenatural como Espírito ou Deus.
Feuerbach desfere duras críticas ao idealismo hegeliano mas do lado da religião, ou melhor, da antropologia, porque Feuerbach reduz a teologia a antropologia. Interessante é a colocação de Feuerbach na Essência do Cristianismo quando diz que o progresso da religião consiste em o homem perceber que aquilo que considerava ou adorava como deus é a sua essência ou suas qualidades projectadas num ser imaginário. “O progresso histórico das religiões é apenas que o que era considerado pelas religiões mais antigas como algo objectivo, é tido agora como algo subjectivo, i. é., o que foi considerado e adorado como Deus é agora conhecido como algo humano” (FEUERBACH, 2007: 45).
Para Feuerbach, o homem é essencialmente natural, isto é, material, daí que a sua alienação consiste em projectar essa essência a um ser ideal, ou seja, metafísico, como acontece em Hegel. Hegel defende que a Razão, Espírito, ou Ideia (que pode ser também chamada Deus) é a essência do mundo ou natureza inclusive do próprio homem.
A filosofia demonstrou através de sua reflexão especulativa que a Razão – esta palavra poderá ser aceita aqui sem maior exame da sua relação com Deus – (...) que ela é em si o material infinito de toda vida natural e espiritual (…). Ela é substância, ou seja, é através dela e nela que toda a realidade tem o seu ser e a sua substância (HEGEL, 2001: 53). É no Espírito que a realidade tem a sua essência ou substância. Essa tese de Hegel é radicalmente criticada pelos filósofos Marx e Engels; Feuerbach serve como ponto de transição do idealismo ao materialismo propriamente dito. Se a história, em Hegel, tem como fundamento a Ideia, em Marx, o material é a base da História.
3. Materialismo histórico
O materialismo histórico consiste na tese de que não é o Espírito, a Ideia ou Razão que faz a história ou constitui o princípio de todo processo histórico, mas sim os homens reais nas suas relações sociais cujos fundamentos, por sua vez, se encontram na base económica ou produtiva. Esta tese é assim colocada por Marx e Engels: “... todos os homens devem ter condições de viver para poder ‘fazer a história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo beber, morar, vestir-se, e algumas outras coisas mais” (MARX; ENGELS, 2001: 21).
Antes mesmo de se prosseguir com argumentos que sustentam essa tese, é importante que seja alcançado o seu real significado. Quando Marx e Engels colocam tal tese querem deixar expresso uma ideia que é totalmente contrária da defendida por Hegel: quem faz a história é o homem que vive, mas que para viver precisa de preencher certas necessidades naturais ou materiais.
O homem é um ser lançado na natureza, que para subsistir precisa de transformar esta natureza, produzir bens e serviços – essas acções são na realidade momentos históricos. A Ideia não passa, à semelhança do que Feuerbach diz acerca de Deus, uma criação ou produtos do homem material, influenciado pelo mundo exterior ou social. “... o materialismo histórico consiste na tese segundo a qual ‘não é a consciência dos homens (Ideia em Hegel) que determina o ser deles, mas, ao contrário, o ser social deles que determina a consciência deles’”(REALE; ANTISERI: 1777).
Sucede, por isso, que a filosofia da história de Marx e Engels, exposta na Ideologia alemã, gira em torno desse pressuposto: a consciência ou Ideia, é resultado da vida material do homem, isto é, colocado em outras palavras, a história é resultado do modo de vida material do homem; a história é resultado dos modos de produção de bens e serviços que visam a satisfação das necessidades materiais ou naturais do homem na sociedade.
Quatro são os argumentos arrolados por Marx e Engels para sustentar esta tese. Esses argumentos constituem os quatro “momentos ou aspectos das relações históricas originárias. No primeiro argumento, estes filósofos defendem a ideia de que o primeiro facto histórico consistiu na produção dos meios necessários a sobrevivência do homem no mundo, antes disso talvez o homem não passasse de mero animal irracional, pois, o homem só se torna homem através do trabalho que visa a satisfação de suas carências naturais e sociais. “O primeiro facto histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da vida material; e isso mesmo constitui um facto histórico, uma condição fundamental de toda história...” (Marx; Engels: 21).
O segundo argumento consiste em defender que o primeiro acto histórico foi a produção das necessidades decorrentes da satisfação das necessidades anteriores. A produção de meios para a satisfação das necessidades humanas leva, por sua vez, as novas necessidades materiais. Sem a produção dessas necessidades a história permaneceria estagnada, pois, o homem deixaria de procurar produzir os meios, bens, os serviços indispensáveis para viver, com isso não haveria nenhuma mudança. “O segundo ponto a examinar é que uma vez satisfeitas a primeira necessidade, a acção de satisfaze-las e o instrumento já adquirido com essa satisfação levam a novas necessidades – e essa produção das necessidades é o primeiro ato histórico” (Marx; Engels: 22). O terceiro argumento defende que os homens que produzem os meios para satisfação das suas necessidades materiais passam a criar os outros homens, ou melhor, a reproduzirem-se, formando a família, que com o aumento dos homens e das necessidades deixa de ser a única relação social.
O quarto argumento é uma espécie de síntese dos anteriores: todos os aspectos anteriores não podem ser tomados como fases diferentes da história que actuam separadamente, pois, coexistem entre si desde os primeiros homens até os dias actuais. Entretanto, a história é resultado da coexistência entre (1) o facto de produzir os meios necessários para a satisfação das necessidades dos homens, (2) o acto de produzir novas necessidades com esses meios; (3) e a acção do homem de reproduzir ou criar outros homens, aumentando as relações sociais e as necessidades. Dialecticamente olhados, esses aspectos explicam um modo linear do desenvolvimento da sociedade dos primeiros homens até os dias actuais.
Não o movimento de auto-realização do espírito que constitui, que “faz a história”, mas sim o progresso dos modos de produção de meios para a satisfação das necessidades emergentes do homem. Diz Marx “... decorre igualmente (...) que se deve por conseguinte estudar e elaborar incessantemente a ‘historiografia dos homens’ em conexão com a historiografia da indústria e das trocas” (MARX; ENGELS, 2001: 24).
Os meios de produção e as forças produtivas constituem a base (económica) de toda a sociedade na qual se levanta uma superstrutura ideológica (moral, política, filosofia, religião, etc), ou seja, esta base (económica) determina a vida cultural, intelectual, e social 7 dos homens, daí que se se quer fazer uma “historiografia dos homens” se deva fazer antes (ou uma relação) com a historiografia da indústria e das trocas, e não da consciência (do Espírito, como bem quis Hegel e os hegelianos da direita), pois, ela tal como a linguagem, aliás, a linguagem é a expressão real da consciência, surge do ser social do homem, da sua natureza gregária, ou ainda da necessidade de manter um intercâmbio com os outros homens.
Portanto, como dizem Reale e Antiseri, “Tudo isso para dizer que a história verdadeira e fundamental é a dos indivíduos reais, de sua ação para transformar a natureza e de suas condições materiais de vida, tanto das que eles já encontraram existindo como das produzidas com a própria ação” (REALE; ANTISERI, 2005: 179). O materialismo histórico tem uma estrita relação com o materialismo dialético, de tal forma que é quase impossível se enxergar uma linha divisória entre eles. Contudo, para fins meramente explicativos, pode-se afirmar que o materialismo histórico consiste em defender a tese de que a história é resultado da vida material dos homens, ou seja, responde a questão: de que é feita a história? Ao passo que o materialismo histórico consiste em defender a ideia de que o movimento da história é resultado da constante contradição entre as coisas existentes e a sua negação, cuja superação leva a uma nova fase histórica. Marx aplica o método dialéctico aos factos sociais, ao passo que Hegel o aplicava para os processos do pensamento.
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