O massacre racionalista
Por Osorio de Vasconcellos | 19/03/2013 | CrônicasSe o mito já não sustenta o Papa, o Papa sustentará o mito.
O massacre racionalista
Ao ensejo da posse de Francisco I, augurando a Sua Santidade um Pontificado feliz, tomo a liberdade de por no papel alguns pensamentos que me acodem a respeito do Papa. Não deste, ou daquele, mas do Papa abstrato.
O Papa se apresenta sob diversas titulações. Dentre outras, como Chefe de Estado, Bispo de Roma, Sumo Pontífice, Vigário de Jesus Cristo, Servo dos Servos de Deus.
Digníssimos e belos, todos esses modos de definição resultam menos penetrantes que o extraordinário poder simbólico inerente à imagem papal.
Do Chefe de Estado pouca gente toma conhecimento. Como representante de uma religião, disputa com os representantes de outras religiões, mesmo que o não deseje, o galardão de detentor da Verdade e, por causa disso, sofre o desgaste natural da competição. Sua palavra, nesse campo de confronto, torna-se relativa e refutável.
Só como símbolo o Papa é inatacável. Como símbolo não de uma experiência fragmentária, vale dizer, desta ou daquela religião, mas do sentimento de religiosidade comum a todos os corações humanos.
Nessa perspectiva o Papa desfruta de uma posição privilegiada.
O amoldamento da figura do Papa à missão de simbolizar o caminho de acesso ao Absoluto deve-se à visibilidade a ela agregada desde os primórdios do Cristianismo e, principalmente, ao mito. Na versão do mito, aqui entendido como o relato do que aconteceu na origem da vida consciente, o Papa já estava lá – in illo tempore - colaborando pessoalmente com a Divindade.
Melhor credencial que essa, impossível.
No entanto, durma-se com um barulho desses, o mito perdeu força no decurso do tempo e, nos dias de hoje, degredado, humilhado, reduzido a sinônimo de conversa para boi dormir, ilusão, papo furado, invencionice, irracionalidade, parece agonizar ao pé da cova.
Eis aí o funesto resultado, aliás, denunciado por Nietzche, a que levou o massacre racionalista.
Mas não tem nada não. Se o mito já não sustenta o Papa, o Papa sustentará o mito, e tudo voltará a ser como dantes – in illo tempore.
É o que sinto renovar-se com a chegada de Francisco I.
Dá-lhe, Chico, hermano querido.
(Escrito de Osorio de Vasconcello
Caucaia (CE) 19.03.2013