O Mar e Ilha

Por Sandra Oliveira | 29/03/2010 | Contos

Luciana estava com vinte anos,mas aaparência era de uma mulher de quarenta.

Tinha nascido e vivido dezoito anos numa aldeia de pescadores no fim do mundo,como ela dizia.Mal sabia ler e escrever,e só foi ver um carro aos quinze anos, no seu primeiro passeio fora da vila .

A aldeia em que vivia ficava em uma ilha,e todo o pescado,fruto do trabalho incansável de seu pai e de outros pescadores da ilha,era levado até a cidade próxima através dos barcos que faziam a pesca.Lá também, os pescadores compravam os produtos que necessitavam na aldeia,como alimentos,remédios,roupas coisas assim.

A maior parte dos moradores da aldeia quase nunca saiam dali,e uma vez por ano a ilha era visitada por um barco que transportava médicos e agentes de saúde que faziam as vacinações necessárias á população,assim como qualquer atendimento.

Luciana sempre foi uma menina bonita,morena de cabelos negros e brilhantes,e como toda adolescente,romântica e sonhadora.Todas as tardes,saia para caminhar na praia,e sempre descansava,deitada numa grande pedra que ficava no seu caminho de volta para casa.Passava muito tempo ali,pensando e sonhando com o dia que deixaria aquela ilha pelas mãos de um marido maravilhoso que ainda haveria de chegar para busca-la.

Olhando o mar,o vai e vem das ondas quebrando na praia,amenina parecia hipnotizada,especialmente quando orava pedindo á Deus,que ela enxergava no oceano,que não tardasse mais em enviar seu prometido.

Sempre que se sentia triste ou adoentada,corria para o mar,ficava mergulhada por horas á fio, até que o mal que lhe perturbava,fosse qual fosse, desaparecesse levado pelas ondas da casa de Deus.Era assim que ela se referia ao mar,dizia que Deus não poderia morar em outro lugar que mão fosse ali,pois não existia nada mais lindo,mais misterioso que o mar,que alem de prover o sustento de tanta gente ainda abrigava tanta vida em suas profundezas.Amava o mar e sofria em pensar como seria viver longe dele,mas sabia que chegaria o dia de partir com o companheiro com quem sonhava,e alguma coisa dentro dela lhe dizia que estava bem próximo esse dia. .

E esse dia chegou quando ela estava próxima de completar dezoito anos.Era a segunda vez que saia da ilha,e não saiu pelas mãos do príncipe com que sonhava,mas segurando as mãos de sua mãe que chorava sentindo dores na cabeça.

D. Ana,sua mãe,sempre foi uma mulher forte,batalhadora e nunca havia ficado doente,por isso todos ficaram assustados quando ela pediu ao marido que a levasse para a cidade no continente para procurar um médico.Luciana sendo filha única preparou tudo para pudesse ficar com sua mãe na cidade o tempo que fosse preciso.

Mesmo preocupada,se encantava com tudo que via de dentro do táxi que os levava ao hospital,e ao sair do carro,nervosa que estava,tropeçou em alguma coisa e se não fosse os braços fortes do segurança junto á porta,teria caído,e quando olhou para o rosto daquele homem teve uma sensação desconhecida até então,mas seu coração passou á crer que aquilo era um sinal.Era um homem forte,jovem e bonito,e não demorou nem um segundo para supor que talvez ,já tivesse encontrado seu amor.

Durante os seis dias que sua mãe esteve internada,Luciana esteve á seu lado,e diariamente recebia as visitas do seu herói,Roberto,o segurança,que lhe levava lanches,guloseimas e palavras de carinho e esperança,e antes mesmo do segundo dia terminar,Luciana já tinha se apaixonado.Foi uma paixão tão intensa que a menina já não pensava em mais nada,e quando depois de uma semana de tentativas de cura,sua mãe veio á falecer,Luciana quase sentiu-se aliviada, pois em sua cabeçinha ingênua ,só existia Roberto,que estava fazendo com que Luciana acreditasse que ele também sentia por ela o mesmo interesse a mesma emoção.

O rapaz fez tudo que podia para auxiliar o sr.Daniel,pai de Luciana,para a realização do enterro de D.Ana,o que sós fez aumentar o carinho da menina pelo rapaz.

O sr.Daniel já havia percebido o interesse de um pelo outro,e sabendo da vontade de Luciana de viver longe da ilha,viu que não adiantaria argumentar com a filha na tentativa de fazer com ela voltasse para casa e não se admirou com o fato de logo depois do enterro,Roberto viesse até ele para formalizar um pedido de casamento.

O coração daquele pai sabia que aquela união,tão repentina,tinha poucas chances de dar certo,mas não tinha o que fazer a não ser abençoar a filha e lembra-la de que se mudasse de idéia poderia voltar para casa quando quisesse.

Tudo era maravilhoso para Luciana,quantas novidades,e a vida com Roberto era um sonho.Mas passado o período de descobertas,a vida foi se tornando mais real do que ela imaginava,seu príncipe foi mostrando seu verdadeiro caráter,chegava em casa cada dia mais tarde,ás vezes bêbado outras vezes com perfume de mulher,e sempre sem dinheiro,O motivo ela veio descobrir quando uma dupla mal encarada veio cobrar uma divida de jogo que Roberto havia contraído numa daquelas noites que sumia.

As brigas entre o casal se tornaram freqüentes,o sofrimento com a decepção de Luciana tomou conta de seu coração,que cada dia ficava mais apertado de saudades do pai e principalmente do mar,a "casa de Deus",seu refugio,onde ela sempre encontrava alivio para suas dores,que comparadas com as de hoje ,eram nada.

Engravidou ainda no primeiro ano de casada,e isso a deixou mais desesperada,como cuidaria dela e de uma criança?Estava só naquela cidade onde não conhecia ninguém,não queria pedir ajuda ao pai, por orgulho e pela dificuldade de comunicação.

Começou á sair e procurar emprego,mas grávida,era impossível.

Ás vezes conseguia alguma faxina para fazer em casas de família,andava,sofria e chorava,na maioria das vezes sozinha,Roberto,agora passava dias sem aparecer,e foi tanto sofrimento que Luciana acabou por perder o bebe que esperava,e com ele perdeu a vontade de continuar ali,assim como a esperança de que Roberto mudasse,não tinha mais força para sonhar aos vinte anos de vida.e nem vontade de recomeçar.Passou a juntar os trocados que conseguia com as faxinas que fazia,comprou uma passagem num barco que deveria leva-la de volta para casa,de volta para a "casa de Deus",lá as ondas do mar levariam embora sua dor.

Chegando na aldeia, no fim do mundo,foi surpreendida com a noticia de que seu pai tinha falecido a menos de duas horas,um mal súbito o tinha levado,e ela que pensava que não tinha mais o que chorar,descobriu que ainda tinha, e muito.Ficou sabendo que seu pai tinha conhecimento do sofrimento e da luta da filha,e quando soube do neto que viria,decidiu que iria traze-la de volta para casa.

As pessoas da ilha faziam uma idéia da vida triste que a menina Luciana estava levando na cidade,pois sempre que os barcos lá deixavam seu pescado,deixavam também noticias da vila e levavam para seu pai,quando ele não vinha para a cidade, noticias da menina.

Depois do enterro do pai,sentindo-se mais só do que nunca,foi buscar conforto na "casa de Deus".Caminhou por horas,parou na pedra que sempre lhe deu abrigo,deixando-se embalar pelas ondas do mar correu até ele,mergulhou, na esperança de que os braços de Deus levasse embora seu sofrimento. Nadava cada vez mais para dentro do mar até que não precisou fazer mais força,a correnteza a levou,e aquela menina agora,era mais uma pequenina ilha na "casa de Deus".