O MAGRÃO DO IAPI
Por Sérgio Lisboa | 09/02/2009 | CrônicasO MAGRÃO DO IAPI
(Sérgio Lisboa)
Eu nasci e cresci em Porto
Alegre. Sempre no Bairro IAPI. Um bairro construído para trabalhadores,
no caso, os industriários. Foi o primeiro conjunto habitacional do
Brasil. Até hoje - ele que foi tombado - mantém praticamente as mesmas
construções da década de quarenta. Foi o bairro onde cresceu também a
grande Elis Regina.
O IAPI era um bairro de roqueiros, grandes
cabeças criativas e, lógico um bairro onde a maconha tinha um lugar de
honra. Tudo numa boa e pela paz e o amor. Enquanto isso os Estados
unidos invadiam o Vietnan e os militares tomavam o poder.
A grande
maioria dos seus moradores passou a ser de funcionários públicos. Um
bairro ótimo de se morar. A metade da população com a tranqüilidade de
um funcionário público e a outra metade completamente zen, curtindo os
efeitos da canabis.
Meu pai e minha mãe eram funcionários
públicos federais. Herdei deles o gene da estabilidade e da calma ao
iniciar uma tarefa. Herdei deles, principalmente o gene de nunca pegar
o que não é meu. Considerando que, se fosse também um funcionário
público - o que acabei me tornando - o emprego estaria sempre
garantido. Eles me ensinaram que com um emprego estável me restava
apenas garantir um bom sono e uma boa consciência através da
honestidade.
O IAPI tinha muitas figuras. Uma delas era o
Magrão. Descrever o Magrão fica muito mais fácil se eu disser para
vocês que ele era a cópia fiel do Azambuja, aquele personagem do Chico
Anísio. Aquele personagem muito malandro que está sempre tramando uma
jogada. Não é o Justo Veríssimo, o político, embora sejam muito
semelhantes.
O Magrão era o Rei do 171. Não tinha para ninguém.
Ele
tinha uma jogada que sempre funcionava e que tenho que admitir era
ótima. Obviamente, ele com seus trambiques, tinha atrás de si muitos
credores e gente querendo encontrá-lo para reaver seus “investimentos”.
Quando
o inevitável acontecia e ele cruzava com algum credor numa esquina,
principalmente em uma esquina do centro da cidade, lotada de pessoas,
quando, para qualquer mortal era o momento mais temido de suas vidas,
ele pulava na frente e já gritava: “Qual é a sua? Estive lhe procurando
a semana inteira para pagar o que devo e nunca encontro!! Assim você
atrapalha a minha vida!”
O credor espantado com aquela atitude e
envergonhado com aquela situação vexatória diante de milhares de
testemunhas, baixa a cabeça, baixa o tom de voz e pedindo desculpas diz
que estará esperando o pagamento dele da próxima vez.
O Magrão
era uma figura. Ás vezes eu penso que ele fez escola, principalmente
com o Governo quando vêm para cima de nós, pobres contribuintes
fisgados e confiscados, alegando que a culpa é toda nossa por qualquer
crise que passamos e que viermos a passar, quando enriquece cada vez
mais a si e a sua prole por gerações e, ainda assim consegue que nós
baixemos a cabeça, o tom de voz e aceitemos uma redução de salário para
ajudar a enfrentar a crise (ele não repartiu a lagosta quando o mercado
estava em alta).
Eu tenho muitas histórias mais do Bairro IAPI
que pretendo contar e acho que aprendi muito com todas aquelas figuras
e, um pouco graças a elas, passei a entender melhor o que se passa
diante de todos nós nos tempos atuais quando relembro daqueles
personagens.
Vai ver que foi o aquele ar enfumaçado que me fez minha cabeça raciocinar ao contrário.