O LEGADO DE SÃO TOMÁS DE AQUINO PARA O DIREITO

Por Ruy Veridiano Patu Rebello Pinho | 25/07/2019 | Direito

O LEGADO DE São Tomás de Aquino PARA O DIREITO

Raphael Abs Musa de Lemos

Mestre e Doutorando em Direito Civil - PUCSP

Ruy Veridiano Patu Rebello Pinho

Mestre e Doutorando em Direito Civil - PUCSP

Resumo

São Tomás de Aquino foi um ícone de seu tempo, exemplo de rigor e honestidade acadêmica, que, embora se preocupe com as questões atinentes à teologia e à filosofia, teve lançadas em suas obras ideias que definiram para sempre a atividade de juristas, principalmente pela extinção do chamado clericalismo jurídico, consistente em antigo hábito de se socorrer a fontes eclesiásticas para a resolução de problemas jurídicos estritamente seculares.

Introdução

              Este trabalho se propõe a apresentar biografia e obra de  São Tomás de Aquino na perspectiva do interesse em seu legado acadêmico-metodológico para a Ciência do Direito, aludindo-se a seus trabalhos como ícone do pensamento universitário medieval do século XIII, prestando-se atenção aos desdobramentos mais relevantes para a dogmática jurídica.

 

  1. SÃO TOMÁS DE AQUINO

 

  1. BIOGRAFIA[1]

              São Tomás de Aquino nasce em 1225, no Castelo de Roccasecca, localizado na região do Lácio, próximo a Aquino, na península itálica.

              Antes, entretanto, de aprofundar-se na vida do Aquinatense, convém trazer a lume alguns elementos históricos que a precederam.

              Dessa forma, fundamental recordar que, no Século XII, a Igreja Católica atinge seu apogeu, com ampla extensão territorial no velho continente, exercendo influência significativa nos diversos reinos fragmentados no curso da Idade Média.

              Ademais, outra importante constatação diz respeito às escolas fundadas por Carlos Magno no século IX, que progressivamente alargaram a grade curricular, de modo a introduzir os clássicos autores da Antiguidade em seus programas de ensino, evidentemente se despindo dos preconceitos dos estudiosos cristãos sobre autores pagãos.

              Nos séculos XI e XII, desenvolvem-se disciplinas como filosofia, teologia e lógica. Esta última, aliás, foi crucial para se imergir no estudo do conteúdo da revelação mediante o uso da razão.

              Ainda que as fontes doutrinárias eclesiásticas fossem as preponderantes naquele momento (textos sagrados da Bíblia e obras de padres da Igreja), aumentou-se a reflexão em âmbito acadêmico pelos métodos da “glossa”, do comentário e da sentença, a qual evoluiu para a “quaestio”[2]. As indagações levantadas com base nos textos glosados envolviam as discussões, divergências e dúvidas relativas aos textos estudados, o que redundou na aplicação da escolástica, metodologia rigorosamente adotada no pensamento tomista, merecendo ulteriormente tópico específico para explicá-la.

              Até então, os polos do conhecimento eram os mosteiros e as abadias, os quais, no entanto, cedem espaço para as escolas que se formavam nos centros urbanos junto às grandes catedrais, tais como Chartres, Paris e Reims. O aspecto distintivo, na realidade, diz respeito à abertura destas se confrontadas com os primeiros, porquanto os professores tinham maior liberdade na docência.

              Além disso, os referidos centros propiciavam ambiência com novos e profundos estudos doutrinários, a qual só foi alcançada graças à intensificação das relações comerciais e à mobilidade de estudantes e peregrinos pela parte ocidental da Europa.

              Chega-se, assim, a momento importante para esta pesquisa, pois, aproximadamente na segunda metade do século XI, a confluência entre professores e estudantes espontaneamente resultou na constituição de grêmios e corporações unidas pela defesa dos interesses comuns. Este, portanto, o ponto histórico apontado como nascimento das primeiras universidades medievais, as quais serviram de paradigma para as modernas que lhes seguiram séculos adiante[3].

              Outra menção a ser feita se relaciona com a entrada do pensamento árabe por meio da invasão moura na península ibérica, fator que influenciou decisivamente na elevação do pensamento nas novas universidades ali fundadas[4].

              Essa, enfim, a situação intelectual do continente europeu, máxime na parte cristã ocidental, quando do nascimento de São Tomás. Dessa maneira, os episódios narrados acima permitem o ingresso detido na vida do Aquinatense, decerto facilitando a compreensão dos rumos tomados por ele em sua trajetória acadêmica.

              Posto isso, São Tomás de Aquino nasce, como afirmado nas primeiras linhas, em 1225, no Castelo de Roccaseeca, sendo descendente de família nobre que guardava vínculos de parentesco com Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e também com Luís IX, Rei da França.

              A família do Aquinatense o visualizava, quando adulto, ocupante de um cargo poderoso e prestigioso, possivelmente de abade do mosteiro de Monte Cassino, função esta que gozava de altíssima renda e de enorme poder político. Por esta razão, logo aos cinco anos de idade, os pais o enviam ao indigitado mosteiro como oblato, com o intuito de dar início à sua formação intelectual.

              Nesse aspecto, importa frisar que os pesquisadores da vida de São Tomás julgam que a passagem por Monte Cassino foi decisiva para influenciá-lo em sua orientação às orações e aos estudos teológico-filosóficos[5].

              Entretanto, no contexto geopolítico, Frederico II e o Papa Gregório IX estavam em guerra acirrada, já que o primeiro denunciava o segundo de pretender a extensão da hegemonia da Igreja Católica sobre todos os reinos da Europa ocidental. Em 1239, Frederico II toma a colina de Monte Cassino, expulsando os monges e a transformando em fortaleza militar.

              Conseguintemente, a tomada da região obriga a ida de São Tomás à Universidade de Nápoles para que pudesse prosseguir nos estudos. Na academia, o Aquinatense principia seu fascínio pela obra de Aristóteles graças ao magistério de Pedro de Irlanda, importante sábio conhecedor da filosofia advinda da Antiguidade.

              Também em Nápoles São Tomás conhece a ordem dos dominicanos, responsável por ensinar a teologia e atrair estudantes à vida religiosa dentro de suas próprias igrejas. A ideia de ter uma vida contemplativa combinada com a atividade intelectual despertou o interesse no jovem Tomás de tornar-se um dominicano, objetivo este totalmente incompatível com os desejos dos pais e dos irmãos.

              Com o falecimento do pai, São Tomás, nessa fase com dezoito anos de idade, entra definitivamente para o noviciado da Ordem dos Dominicanos, claramente sem a anuência familiar. Ao saber da notícia, a mãe de Tomás, Teodora, parte para Nápoles na tentativa de dissuadi-lo, porém as autoridades eclesiásticas, precavidas dessa possível resistência, mandam-no para o convento de Santa Sabina, em Roma, local em que estava João, o Teutônico, superior geral da mencionada Ordem. De lá, João e Tomás foram juntos para Bolonha com o escopo de permitir ao segundo a conclusão do noviciado e então encaminhá-lo para Paris, onde continuaria seus estudos.

              No entanto, a mãe não se resignou, determinando aos seus outros filhos que capturassem Tomás e o trouxessem de volta para casa. Os irmãos foram bem sucedidos e conseguiram levá-lo a Roccasecca, lá permanecendo mais um ano com dedicação única e exclusiva ao estudo da Bíblia e do Livro das sentenças de Pedro Lombardo, sem titubear, todavia, quanto aos seus objetivos pessoais.

              Nesse ínterim, a guerra entre o papado e Frederico II se exasperou e, em razão do parentesco com este último e da localização estratégica de Roccasecca, a família de São Tomás estava totalmente vinculada à tensão política, a ponto de os irmãos do Aquinatense terem de lutar em defesa do Império.

              Gregório IX não conseguiu derrotar Frederico II, porém seu sucessor, Inocêncio IV, decretou a deposição do imperador no Concílio de Lyon, em 1245, de modo que a força da ordem originada do papa obrigou os cavaleiros de Aquino a mudarem de lado.

              Diante dessa guinada, a família dos Aquino precisava estabelecer uma relação mais harmoniosa com o papado e, por esse motivo, passaram a entender que a formação de São Tomás como frade dominicano seria medida perspicaz do ponto de vista político.

              No verão de 1245, com a derrota de Frederico II já prenunciada, São Tomás deixa o castelo de Roccasecca e retorna à Ordem de São Domingos. Anos depois foi enviado a Paris, lá remanescendo até 1248, quando, junto ao diretor Santo Alberto Magno, dirige-se a Colônia, na Alemanha, para continuar a sua orientação.

              Em 1252, ao atingir 27 anos, Tomás retorna a Paris para iniciar a atividade de ensino como bacharel bíblico. Em 1256, recebe o grau de mestre em teologia, sendo então agraciado com a cátedra regida pelos dominicanos na mesma universidade. A assunção, contudo, não foi nada fácil, já que a universidade passava por período de dissidência entre os mestres pertencentes à ordem dos religiosos e os professores não alinhados aos eclesiásticos, pois se entendia que os primeiros eram prejudiciais ao interesse de abertura do conhecimento pregado pela corporação de professores e alunos.

              Ao final, com a intervenção papal, São Tomás e São Boaventura, colega franciscano do primeiro, conseguem assumir suas cátedras.

              O jogo político favoreceu o ganho de autonomia administrativa da Universidade de Paris, que, ao socorrer-se ao Papa, distancia-se das autoridades locais e consolida o controle do pontificado sobre ela, conferindo mais influência aos membros das ordens mendicantes em âmbito acadêmico, as quais foram por ele incumbidas de dirigir o ensino em combate aos hereges[6].

              São Tomás fica em Paris até 1259, ano em que retorna à Itália para lecionar na Corte Pontifícia. Nesse período conhece Guilherme de Moerbeke, helenista e capitão do papa, tradutor das obras diretamente do grego a pedido do Aquinatense, possibilitando-lhe, enfim, estudos sobre os trabalhos filosóficos de Aristótelespor meio de traduções mais fidedignas.

              Ao término de 1268, São Tomás regressa a Paris, reassumindo a cátedra de teologia, porém desta vez fica por pouco tempo, já que lhe é determinado o retorno à Universidade de Nápoles.

              Já muito debilitado, São Tomás não assume novas atividades e, em 1274, ao atender a convocação pessoal do papa, dirige-se ao Concílio de Lyon para participar como teólogo pontifício, adoecendo, porém, durante o percurso. Não resistindo ao revés, falece em sete de março de 1274, com apenas 49 anos, no Mosteiro Cisterciense de Fossanova, próximo a Terracina, sul de Roma.

 

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