O LANCAMENTO POR ARBITRAMENTO: EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO...

Por Geraldo Lopes dos Santos Junior | 02/09/2016 | Direito

O LANCAMENTO POR ARBITRAMENTO: EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO OU ARBITRARIEDADE DA FAZENDA PÚBLICA

Mestre Célio Armando Janczeski

Resumo: Busca-se conhecer o liame entre o exercício regular de direito e a arbitrariedade da fazenda pública quando da constituição de seus créditos tributários. A pesquisa inicia-se com considerações acerca da relação jurídica tributária abordando o conceito de tributo, distinguindo obrigação e crédito tributário, forma de constituição do crédito tributário, com a analise da divergência doutrinaria no tocante ao lançamento tributário quanto a sua (im)prescindibilidade, (in)dispensabilidade, (des)necessidade. Em seguida foram tratadas as espécies ou modalidades de lançamento, com foco especial ao lançamento por arbitramento e suas limitações, com abordagem ao conceito desta técnica especial de lançamento e matérias afetas ao tema como ônus da prova, permuta de informações, provas obtidas ilicitamente, presunções e indícios, e por fim foram tratadas as limitações concernentes ao lançamento por arbitramento. Foram analisadas doutrinas internacional e nacional, com escopo de ter uma visão mais ampliada de como os estudiosos do direito tributário se portam ante a matéria. Verificou-se que indícios e presunções surgem como justificativa a esta técnica de declaração e constituição do crédito fiscal, observada sua distinção quase imperceptível.

 

1.1. CONCEITO DE TRIBUTO

Imperioso se faz conhecer o conceito de tributo, uma vez que este será o elo entre o contribuinte e o fisco na obrigação tributária. O conceito de tributo está estampado no artigo 3º do CTN[1], o qual dispõe que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Analisando com minúcia o supracitado artigo, percebe-se que é:

Prestação pecuniária: pois é representada por dinheiro, para prover o Estado dos recursos que necessite.

Compulsória: nenhum tributo é pago voluntariamente, mas em face de norma jurídica.

Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: o tributo deve ser pago em moeda corrente, não havendo lugar para o pagamento de tributo em troca da prestação de serviços (tributo in labore) ou pela entrega de bens diversos de dinheiro (tributo in natura).

O doutrinador Janceski aponta que a penhora não extingue o crédito (MACHADO apud JANCESKI, 2011, p. 28).

“Havendo arrematação, a Fazenda recebera dinheiro. Mesmo na hipótese de adjudicação, não há direito de o executado se liberar da dívida, já que depende exclusivamente da vontade do credor, que pode preferir continuar com crédito e assim não pedir a adjudicação do bem. A previsão da lei “moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” serve apenas para colocar em harmonia com a possibilidade excepcional de lei específica e de exceção à regra admitir o pagamento mediante dação em pagamento (art. 156, XI, CTN).”

Que não constitua sanção de ato ilícito: o tributo tem como fato gerador sempre algo lícito. Entretanto o rendimento auferido em atividade ilícita está sujeito ao tributo.

Instituída em lei: a previsão constitucional do art. 150, inciso I, só admite que lei possa instituir o tributo. A mesma previsão vem ratificada pelo artigo 97 do CTN. A jurisprudência em situações admite a possibilidade da instituição e majoração de tributos, exceto se se fizer necessária lei complementar, quando sua utilização se encontra constitucionalmente vedada (inciso III do parágrafo primeiro do art. 102 da Constituição Federal).

Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada: o ato vinculado é contraposto ao ato discricionário. Para Maria Syvia Zanella Di Pietro[2] o ato será vinculado quando em norma que não deixa margem para opções. Em outras palavras, o ato do lançamento é obrigatório, devendo ser praticado pela autoridade administrativa.

Depreende-se que não há como afastar o princípio da legalidade, requisito do ato administrativo, da atividade administrativa vinculada.

1.2. OBRIGAÇÃO E CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O civilista Orlando Gomes em sua obra acerca de obrigações leciona que o instituto da obrigação, lato sensu, define-se como espécie maior do dever jurídico, referindo-se as obrigações de natureza pessoal, cujo elemento essencial é a prestação. Afirma o autor que:

“Para constituir uma relação obrigacional, uma das partes tem de se comprometer a dare, facere ou prestare, [...], isto é, a transferir a propriedade de um bem ou outro direito real, a praticar ou abster-se de qualquer ato ou a entregar alguma coisa sem constituir direito real. (GOMES, 2004, p.16)”

Se esta prestação, objeto do vinculo obrigacional, for negativa, avaliada economicamente, correspondera a uma divida, todavia se positiva, a um crédito.

Na concepção de Alexandre Rossato da Silva Ávila

“A obrigação nada mais é do que uma relação jurídica que une credor e devedor, cabendo a este o dever de satisfazer uma prestação em favor daquele. No pólo ativo deste vínculo que une os dois ou mais sujeitos está o credor, que tem o direito de exigir a prestação; no pólo passivo reside o devedor, a quem a lei impõe o dever de cumprir a prestação. (ÁVILA, 2006, p. 199)”

Unidas as partes ativa e passiva, pelo fato jurídico, estabelece-se a relação jurídica. Sobre o tema o doutrinador Dino Jarach leciona que:

“La relación jurídica tributaria, en cuanto nace de la ley, exige como requisito fundamental para su nacimiento que se verifique en la realidad fáctica el hecho o los hechos definidos abstractamente por la ley como supuesto de la obligació[...]Concebida la relación jurídica tributaria como relación personal, se considera que el primer elemento de la obligación consiste en los sujetos activos y passivos; el segundo elemento es el objeto o la materia imponible, identificándose en este concepto los hechos objetivos que dan origen a la obligación[3]. (JARACH, 1999, p. 378 -379)”

Analisando a obrigação, com enfoque na seara tributária, nota-se que esta independe da vontade do contribuinte para configurar no polo passivo da relação. Como bem observa Gilberto de Ulhôa Canto a obrigação tributária possui natureza “ex lege, e só o legislador pode declarar quando e como determinado indivíduo se torna sujeito passivo da relação jurídico-tributária”(ULHÔA CANTO, 1963, p. 88).

O princípio da legalidade estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art.5º, I). O princípio da legalidade tributária, por sua vez, dispõe que nenhum tributo pode ser exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça (CF, art. 150, I). A mesma regra é esposada pelo artigo 97 do CTN.

Para Hugo de Brito Machado:

“A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo ainda não é determinado e o seu sujeito passivo ainda não está formalmente identificado. Por isto mesmo a prestação respectiva ainda não é exigível. Já o crédito tributário é um segundo momento na relação de tributação. No dizer do CTN, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (art. 139), porém surge com o lançamento, que confere à relação tributária liquidez e certeza” (MACHADO, 2004, p. 123)”.

Os doutrinadores tributaristas defendem que obrigação e crédito guardam distinção e independência entre si, pois a obrigação surge com a ocorrência de um fato gerador, com seu crédito correspondente, todavia este nasce com eficácia reduzida, sendo imprescindível o lançamento para sua concretização.

1.3. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Uma obrigação para ser exigível deve possuir três atributos: “Certeza” (an debeatur) da existência da obrigação, decorrente do próprio titulo; “Liquidez” (quantum debeatur), ou seja, identificação do objeto e da quantidade (valor) prescindindo de elementos extrínsecos; e por derradeiro, mas não menos importante, a “Exigibilidade” que se traduz no dever atual de cumprir uma obrigação[4].(DIDIER, 2007, p. 448)

No Direito tributário, a existência de previsão normativa e abstrata não basta por si só para produzir qualquer repercussão no mundo jurídico. Do mesmo modo, a mera ocorrência do “evento” não trará nenhuma consequência jurídica. Os eventos e as relações efetivas somente ingressarão no campo jurídico quando revestidos, traduzidos em linguagem própria, o que ocorre com a produção da norma individual e concreta. (CARVALHO, 2000, p. 30-34).

Discorrendo acerca do lançamento, Gilberto de Ulhôa Canto disserta que:

“A obrigação principal cria encargos impessoais, que dependem, para se corporificar (estabelecendo o crédito), de uma ou diversas operações destinadas a apurar se aquela circunstância definida pelo legislador é hábil a gerar um ônus tributário, se está materializada em certo sujeito passivo, em que medida, e correspondendo a que gravame objetivo. (ULHÔA CANTO, 1963, p. 171)”.

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