O JUIZ INQUISIDOR NA FASE PROBATÓRIA

Por Nilton Cesar da Silva | 07/06/2017 | Direito

1.    INTRODUÇÃO

O juiz inquisidor vem sendo estabelecido desde as épocas mais remotas das civilizações, apresentando uma significativa relevância no chamado império Romano, onde o magistrado possuía todas as funções necessárias ao livre exercício do poder deste, inclusive exercendo as funções acusatórias, de defesa e de julgamento.

No modelo atual de como se encontram organizadas as sociedades, tem-se que essa modalidade de sistema processual penal inquisitorial é estruturada como sendo totalmente inviável diante da perspectiva atual, tendo em vista que, vai ferir diretamente os princípios constitucionalmente disciplinados. Assim, de acordo com isso, vai ser demonstrada a figura do juiz inquisidor dentro do ordenamento jurídico brasileiro, evidenciando algumas criticas em relação à adoção desse posicionamento em alguns artigos do Código de Processo Penal.

2.    OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Os sistemas processuais penais foram subdivididos em três modalidades, como é o caso do sistema inquisitorial, do sistema acusatório e do misto. Assim, ao tratar inicialmente a respeito do sistema inquisitorial, poderia estabelecer que ele fosse devidamente adotado pelo Direito Canônico, a partir de meados do século XIII, quando esse sistema veio a ser amplamente difundido em toda a Europa.

De acordo com isso, a principal característica apresentada por essa modalidade de sistema processual penal é justamente o fato do acumulo de funções estabelecidas em razão de uma única pessoa, sendo está conhecida como o juiz inquisidor, pois concentra as funções de acusar, defender e julgar, tudo isso em um mesmo processo.

Com base nessa perspectiva, é possível estabelecer os ensinamentos trazidos por Lima (2013, p. 3) ao abordar sobre essa concentração de funções em razão do juiz competente, ao dispor que:

Essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua imparcialidade. De fato, há uma nítida incompatibilidade entre as funções de acusar e julgar. Afinal, o juiz que atua como acusador fica ligado psicologicamente ao resultado da demanda, perdendo a objetividade e a imparcialidade no julgamento. Em virtude dessa concentração de poderes nas mãos do juiz, não há falar em contraditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acusação e defesa. Ademais, geralmente o acusado permanecia encarcerado preventivamente, sendo mantido incomunicável.

Nesses termos, pode-se salientar que o sistema processual penal inquisitorial não garante alguns aspectos nos quais são fundamentais no processo, como é o caso da ampla defesa e do contraditório, e ainda a própria imparcialidade do magistrado no julgamento do feito. Assim, o juiz pode perfeitamente disciplinar pelo colhimento de provas de ofício, em qualquer fase do procedimento, mesmo que nenhuma das partes do processo tenha realizado o requerimento nesse sentido, na medida em que o magistrado busca a descoberta da própria verdade absoluta dos fatos, possuindo para isso, uma enorme atividade probatória.

O sistema inquisitorial possibilita ao acusado que o mesmo venha a ser disciplinado como sendo um mero objeto no qual faz parte do processo, não sendo visto como um sujeito de direitos. Dessa maneira, essa afirmação poderia ser perfeitamente comprovada em razão de ser admitido até a tortura do acusado, no sentido de descobrir sobre a verdade material. Portanto, o sistema inquisitorial era estabelecido preferencialmente de maneira escrita e sigiloso, entretanto, nada impedia a realização de forma oral e pública.

Com isso, pode-se concluir que o sistema processual penal classificado como sendo inquisitorial é estabelecido por ser altamente rigoroso, secreto, além de violar claramente os direitos do acusado, no sentido de realizar o esclarecimento dos fatos apresentados, não apresentando contraditório, tendo em vista que as funções acusatórias, de defesa e julgamento estão concentradas na pessoa do magistrado, bem como também não ocorre à imparcialidade.

O próximo sistema processual penal a ser evidenciado é justamente o denominado de acusatório, sendo o mesmo caracterizado em razão da distinção realizada entre as partes do processo, onde uma tem a função de acusar e a outra de se defender, possuindo uma igualdade de direitos no desempenho dessa função, estando acima deles o magistrado, que se encontra distante dessas partes, apenas observando, para garantir a sua imparcialidade.

Nesses termos, fica claro e evidente que, neste sistema processual penal, as funções de acusar, defender e julgar se encontram devidamente separadas, sendo atribuídas as pessoas distintas. Assim, em relação à questão da designação trazida a esse sistema e o estabelecimento da distinção entre as funções, bem dispõe Avena (2017, p. 39) ao salientar que:

Próprio dos regimes democráticos, o sistema acusatório caracteriza-se pela distinção absoluta entre as funções de acusar, defender e julgar, que deverão ficar a cargo de pessoas distintas. Chama-se “acusatório” porque, à luz deste sistema ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja narrado com todas as suas circunstâncias. Asseguram-se ao acusado o contraditório e a ampla defesa. Como decorrência destes postulados, garante-se à defesa o direito de manifestar-se apenas depois da acusação, exceto quando quiser e puder abrir mão desse direito.

A respeito da produção de provas, tem-se que a iniciativa era estabelecida em razão das próprias partes, onde as mesmas deveriam fornecer todos os elementos probatórios suficientes a solução do caso concreto. De acordo com isso, o juiz ficava consubstanciado em uma posição mais passiva no que toca a reconstrução dos fatos, na medida em que, se buscava a todo custo garantir a total imparcialidade do magistrado. Ainda sobre o aspecto das provas, pode-se disciplinar que a gestão dos elementos probatórios era realizada pelas próprias partes.

O sistema acusatório garante ainda com que as partes tenham uma verdadeira isonomia processual, tendo em vista que, tanto a acusação, como também a defesa estão em posição de equilíbrio, sendo garantida uma igualdade nas intervenções judiciais. Com isso, esse sistema processual penal vem a estabelecer uma verdadeira variedade de garantias constitucionais para o acusado, respondendo o processo, na grande maioria das vezes, em liberdade.

O sistema processual penal considerado como sendo misto ou francês foi devidamente disseminado na Europa em meados do século XIII, fazendo com que o sistema inquisitorial viesse a sofrer significativas alterações, passando a estabelecer uma verdadeira junção entre o sistema inquisitorial e o acusatório, surgindo na França.

Esse sistema vem a ser considerado como sendo misto em razão do processo penal ser subdividido em duas modalidades distintas, na medida em que, a primeira fase passa a disciplinar um sistema eminentemente inquisitorial, pois a instrução processual é realizada de maneira secreta, onde não ocorre nenhuma acusação, fato este que acaba por estabelecer a não existência do devido contraditório.

Nessa primeira fase do processo judicial penal, caracterizado pela instrução, se pretende apurar algumas provas a respeito da própria materialidade e autoria da conduta criminosa imputada.

Assim, logo em seguida começa a ser realizada a segunda fase do processo, que possui mais características como o sistema acusatório, na medida em que, passa a estabelecer a acusação e o réu, consequentemente, ganha o direito de se defender, cabendo ao magistrado analisar e julgar o processo, garantindo a sua devida publicidade.

Diante dessa perspectiva, podem-se estabelecer os preciosos ensinamentos de Lima (2013, p. 5) ao tratar sobre o Código de Processo Penal brasileiro, evidenciando qual seria dos três sistemas processuais penais que teria sido adotado por o mesmo, ao salientar que:

Quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da persecução penal, caracterizada pelo inquérito policial, era inquisitorial. Porém, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Todavia, com o advento da Constituição Federal, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar, estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório.

O sistema misto apresenta as características marcantes dos dois sistemas processuais anteriores, tendo em vista que, ao mesmo momento no qual permite a garantia dos direitos constitucionais do acusado, como é o caso da ampla defesa, contraditório e presunção de inocência, também estabelece a possibilidade de produção de prova de ofício pelo magistrado, na busca da verdade material dos fatos ocorridos.

[...]

Artigo completo: