"O Judiciário Tem Que Ser Repensado Antes Que Seja Tarde" (Entrevista do Ministro Jorge Mussi) (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 14/09/2017 | Política

Em tempos de "Lava Jato" que pretende passar a limpo o Brasil, considerando também as denúncias contra a alta cúpula do Poder Judiciário (Ministros do STF) notícidas pela mídia nacional, vale a pena revisitar a entrevista do Ministro Jorge Mussi (STJ), oriundo do Estado de Santa Catarina: "O Judiciário tem que ser repensado antes que seja tarde": 

Reconhecido nacionalmente como um dos grandes criminalistas do País, o catarinense Jorge Mussi, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), comenta nesta entrevista para o site da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) as principais mudanças no novo Código Penal, bem como externa a sua preocupação com relação à morosidade da Justiça. Confira:

AMC - Ministro, o senhor assumiu recentemente a Comissão da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para tratar da elaboração do Novo Código Penal. Quais as principais mudanças?

Ministro Jorge Mussi - O Novo Código Penal é um estatuto moderno, que abrange matéria jurídica no tocante ao Direito Ambiental, da pessoa jurídica, do Direito Comercial, enfim. Mas eu tenho a convicção de que não deve haver pressa nisso. Acredito que tudo deve ser discutido com a sociedade, porque depois que o Código entrar em vigor fica difícil retroagir. Tenho preocupações em matéria de delito de trânsito, das penas para pessoas jurídicas e na parte dos crimes contra o patrimônio, especialmente o assalto, que hoje assusta muito a sociedade brasileira. Tive oportunidade de falar no Instituto dos Advogados de São Paulo na semana passada e acho que nós não devemos aprová-lo com muita pressa. Tem que haver um processo de maturação.

AMC - A tendência é de endurecimento das penas?

Ministro Jorge Mussi - Nos crimes contra o funcionalismo público e contra a administração pública, que no Código Penal Francês eles chamam de “delitos intoleráveis”, há uma tendência de aumentar as penas. Acho que é mais do que razoável. Até pela nova interpretação que o Supremo Tribunal Federal está dando, com o julgamento do “mensalão”. E a sociedade brasileira também espera que o parlamento brasileiro apresente um novo código que venha ao encontro de seus anseios. E espera também que crimes contra a administração pública e outros como o latrocínio, o estupro, enfim, que esses crimes intoleráveis sejam passíveis de penas bem dosadas. Tive a oportunidade de conhecer um professor da Universidade de Rotterdam, na Holanda, que escreveu um livro chamado “Penas perdidas”, no qual ele fala que o Estado não deve ter que se preocupar com esses delitos de menor potencial ofensivo. Sempre digo isso, porque esses delitos os Juizados Especiais resolvem. Nós temos que nos preocupar com crimes mais graves, de internet, com esses crimes que o atual código não contempla porque é antigo, de 1940. Mas agora, com essa nova roupagem, o código poderá dar uma resposta sobre esses novos delitos.

AMC - Qual o prazo para a aprovação?

Ministro Jorge Mussi - O prazo de emenda é até o final de novembro, me parece. Mas considero esse prazo muito curto. Veja bem, o novo Código de Processo Penal foi aprovado no Senado, agora está na Câmara. Ele traz algumas novidades sobre as quais eu tenho dúvidas. Por exemplo, o juiz das garantias. Trata-se de um juiz cuja finalidade é despachar os requerimentos da polícia, como quebra de sigilo eletrônico, sigilo bancário, mandados de busca e apreensão... Agora, em um País no qual 50% das comarcas possuem apenas um juiz, será que comporta, será que é possível termos um juiz das garantias? Em Santa Catarina, por exemplo, hoje, há 120 vagas para juiz... Então, é uma ideia muito boa, mas tenho receio de que, no momento da sua implementação, possa haver uma decepção por parte da sociedade e que não alcance a resposta que se espera.

AMC - O senhor disse em certa ocasião que o Judiciário precisa ser repensado. O que precisa ser feito?

Ministro Jorge Mussi - Tenho dito assim, que com o Código de Defesa do Consumidor, com o Estatuto do Idoso, com o Dano Moral, as pessoas cada vez mais têm procurado a Justiça. E isso é muito bom porque é um exercício de cidadania. Segundo dados atuais do CNJ, tramitam no Brasil, hoje, 86 milhões de processos. Para cada 2,5 brasileiros há um processo. Mas o Judiciário não está preparado para dar essa resposta porque nós somos 15 ou 16 mil juízes no País inteiro. O Judiciário tem que ser repensado antes que seja tarde porque a Constituição Brasileira estimula a pluralidade de grau de jurisdição. Então, hoje em dia, uma sentença de um juiz é apenas um carimbo. É um “juízo de passagem”. Há uns 10 dias, o STF decidiu que não caberá mais o habeas corpus substitutivo. Só o habeas corpus nos termos da Constituição Federal. No Superior Tribunal de justiça, para cada ministro são distribuídos por mês 400 habeas corpus. Como não abre no sábado e domingo, para cada ministro são 20 por dia e os 20 com pedido de liminar. Então todos nós temos habeas corpus com mais de um ano e meio dois anos para julgar. Fora todos os outros processos que temos sob nossa responsabilidade. Imagina quem tem um irmão, um parente esperando uma decisão de habeas corpus de um ano e meio ou dois anos para ser analisado? Então não pode chegar nas cortes superiores crimes de um frasco de perfume, de uma caixa de cerveja. Isso tem que ser resolvido nos juizados especiais e terminar nos tribunais estaduais. E a sociedade não pode esperar. Isso passa pela redução no número de recursos, mais recursos humanos, especialização. Para se ter uma idéia, a Suprema Corte dos EUA julga por ano 70 processos. A Suprema Corte do Canadá julgou no ano passado 60 processos. Nós, no STJ, somos obrigados a julgar 1,2 mil por mês. Essa pluralidade de grau de jurisdição e de recursos faz com que a sociedade não tenha uma resposta em tempo razoável. É essa a proposta de debate que eu faço.

AMC – E também temos essa combinação de “cultura do litígio” e a própria negligência por parte do Estado, que acabam estimulando esse aumento de demanda...

Ministro Jorge Mussi - Essa questão da “cultura do litígio” passa pelas faculdades de Direito, que ensina aos seus alunos o “jus postulandi”, de querer resolver tudo na Justiça. Na Espanha, o juiz está proibido de despachar uma petição inicial se antes não tiver um carimbo atestando que aquele caso passou primeiro por uma tentativa de conciliação. Um empresário que tenha uma causa de R$ 4 milhões, R$ 5 milhões, se ele tiver que esperar 10 anos por uma decisão, ele quebra. Então as pessoas estão procurando alternativas porque a prestação jurisdicional está muito demorada. E isso é preocupante, quando o Brasil, que já se tornou uma potência emergente, se firma cada vez mais, precisa dar não só a pessoa física, mas de igual modo à pessoa jurídica, também segurança jurídica.

AMC – E também tem o uso predatório da Justiça, ou seja, pessoas que se valem do Judiciário para protelar o cumprimento de uma decisão, de uma obrigação...

Exatamente, uma pessoa que está disposta a inadimplir prefere litigar porque o tempo, neste caso, conspira a seu favor.  

Por Fabrício Severino

(disponível em http://www.amc.org.br/portal/?opcao=ver_noticia_imprensa&id_not=1678)