O JOGO MISTERIOSO
Por ana monteiro | 30/04/2010 | FamíliaO jogo misterioso
(resumo)
"Nunca se preocupe em explicar as emoções. Viva tudo intensamente, e guarde o que sentiu como uma dádiva de Deus."
Existe uma lenda que afirma que quando algumas pessoas nascem, suas almas são divididas em duas outras partes e conseqüentemente separadas, uma parte masculina e outra feminina, fazendo com que determinadas pessoas tenham a obrigação de encontrar sua outra parte.
Foi assim que aconteceu há muitos anos, quando um determinado rapaz veio ao mundo, sua alma dividiu-se, mas por uma zombaria do destino que fora julgado inapto em decidir a vida das pessoas, resolveu brincar de Deus, não permitiu que essa outra parte se separasse de seu dono original, ficando assim um ser humano no mundo com duas partes e outro sem nenhuma.
Assim inicia-se a estória que vou contar-lhes, a estória de um casal, que fora escolhido para tal brincadeira.
Certa noite de verão, noite quente e seca, uma gentil senhora deu a luz a um menino, e o chamou de Ábig, assim como não faria diferença se Pedro Álvares Cabral se chamasse Auro Santos Silva, teria descoberto o Brasil da mesma forma, não importa dizer qual o nome dessa senhora.
A criança não tinha nada de especial que o diferenciasse de seus outros irmãos mais velhos, ao menos por fora, mas por dentro, ele era um ser humano diferente, sua alma ao se dividir, não se separou como deveria, e assim ele passou seus anos sentindo um vazio, pois se nossa alma está completa, não sentimos a necessidade da busca, daí o vazio, não há o que se procurar, pois não há o que se encontrar, mas ele sabia que precisava de algo, só não sabia o quê.
Passado alguns anos após seu nascimento, outra criança nascera também, e com ela aconteceu diferente, ela nasceu sem alma, daí o grande vazio que sentira, não havia nada para ser preenchido, e quando nos falta algo para preencher nos sentimos vazios, ocos, sem memória e sem esperanças.
Anos após anos eles viveram assim, sem dar conta da existência um do outro, sem saberem que haviam sido vítimas do algo maior que eles, algo que tinha o poder de desequilibrar a ordem das coisas, seus destinos foram modificados para o bem e para o mal.
Um grupo de amigos sempre será algo curioso, se observássemos direito, veríamos que eles são levados a pensarem como iguais, até nas diferenças, se espera tudo, não se deve nada, amigos se aceitam, mesmo que discordem, mesmo que tenham sexos opostos, sonhos similares, métodos diferentes.
Aconteceu algo que não fora planejado, ou sim, um grupo de amigos como o citado acima se formou, e por coincidência ou não, os dois jovens de nossa pequena estória faziam parte dele, não importa agora como o grupo se formou, ninguém presta muita atenção nesses detalhes, um grupo será sempre um grupo, mesmo que um dia ele deixe de existir.
O sexo oposto atrai pensamentos opostos também, valores opostos, determinações próximas, "eu tenho a razão", é isso, e como qualquer casal de pensamentos opostos, brigas, brigas e mais brigas. Ah! Doces brigas. Mas os acontecimentos foram revelando o que não se podia esconder mais por tanto tempo, eles eram almas incompletas e separadas. As brigas cessaram então, passaram a se conhecer melhor, aceitaram tiques, cheiros, toques e sonhos, passaram a se amar. O amor nunca deve ser desperdiçado, não é algo que se encontra ao virar a esquina, eles seguiram as regras, não desperdiçaram nada, viveram tudo, mas a brincadeira tinha data para iniciar e terminar.
É uma obrigação do universo, as almas gêmeas precisavam se encontrar e precisavam acertar tudo.
Qual a única coisa que destrói o amor? O ciúme? Não, a insegurança, a vilã das estórias de amor, traído como Otelo, Ábig se deixou levar por sua seta maldita, coitados! Deixaram-se levar por conselhos de amigos que não eram amigos de verdade, é uma realidade dura, mas nesse mundo, poucos são o que oferecem amizade em troca de amizade, alguns oferecem em troca de posição social, em troca de vantagens escolares ou profissionais, e outros espreitam você, querendo sua própria felicidade para si, desses... tenham medo!
O tempo passa para todos, para eles não seria exceção, após uma leva de brigas sem sentido, se distanciaram, o término fora a condenação de Ábig e de sua amada, tanto desespero, o abismo era um lugar até aceitável perto da dor que sentia, os pulsos saltavam pedindo seção, imploravam aguardando o fim para o descanso eterno, que falta faz nossa alma dividida!
Uma proposta fora imaginada e aceita pelo dono do destino.
Certa noite, no céu, a lua e as estrelas tomaram para si a causa do jovem casal, tudo está sempre determinado, não há como fugir. Após ambos adormecerem, cada qual em seu íntimo e único sofrimento, o dono do destino ordenou a prática de seu plano, a alma de Ábig finalmente fora libertada e passou a viver no corpo de seu verdadeiro dono, a amada, precisaria se acostumar com a nova moradia para poder dar continuidade aos planos já arquitetados pelo universo, quando se é inocente, o universo conspira a seu favor, por que Deus protege os inocentes.
Passaram-se anos em profundo martírio, até que ele recomeçou a viver, o conformismo chega a todos, mas poucos são os que sabem lhe dar com isso. Ele soube, sua vida foi tornando-se uma vida de lutas e vitórias, viveu um dia de cada vez, deliciando-se com cada fato inédito e conquistado por si mesmo, até que um dia fora presenteado com um novo amor, corações são difíceis de entender, mas é preciso às vezes correr riscos, sempre se perde algo, quando se tem medo de perder, mas você deve prestar muita atenção nos detalhes, nos sinais, devemos sempre estar de olhos abertos. Ábig fora recompensado, o Criador se sensibilizou com sua saudade, sua dor, e lhe deu uma esposa, que não se comparava em nada com sua antiga amada. Mulher virtuosa, quem a achará?
Alguém que sempre teve uma alma é mais propenso ao sofrimento aberto, é mais facilmente levado pelas circunstâncias, o rio que há em si anseia por descoberta.
Sua amada não tivera a mesma sorte, como passara muitos anos sem uma alma, tornara-se seca, levada pelas correntezas de suas decisões, acabou deixando-se aprisionar, não fora nunca inocente, por vontade própria conheceu a malícia, a maldade, a ira, a covardia e finalmente voltou-se para dentro de si, a sua vida era sem vida, o vazio nunca fora preenchido. Então no desespero por amar, amou, uma, duas, outras e foi infeliz, não havia sido aquele que seu coração escolhera. Entregou-se nos braços da obstinação, precisava se libertar da desilusão, dos fracassos, não desistiria de buscar.
Procurou por seu antigo amado, esperou, mas ele não apareceu, para tudo há uma resposta, qualquer pergunta que pode ser concebida tem por obrigação uma resposta.Por outra vez o procurou, dessa vez ele apareceu, mas acompanhado pelo irmão, é preciso ficar atento aos sinais, como uma pessoa fraca que era, desistiu, apenas perguntas aqui ou acolá, para saber como estava seu amado, era preciso continuar a vida sem vida. Esqueceu... na verdade deixou que outros pensassem que esquecera, não podiam fazer nada, nada lhe acrescentariam se soubessem do que vai ao íntimo, dias após dias, sol nasce, sol se põe, a vida vai tomando seu curso natural. Mas a maldade sempre aflora no íntimo daquele que viveram por tanto tempo sem alma, cuidado com essas pessoas, fazem parte do grupo já antes mencionado.
Certo dia, em algum lugar, tanto faz, Maria de Nazaré e tão Maria quanto Maria da Conceição, quem se importa? Ela o descobre. É saudade? Amor? Inveja? Raiva? Não saberia precisar, sou mera contadora de estórias. Ela não se conformou em descobri-lo, queria também ser descoberta, a paz de uma família nunca deve ser maculada, há regras e há conseqüências para aqueles que as quebram.
O desejo é uma maldição.
As coisas não mudam, mudamos nós, já dizia alguém calejado, chega a ser inacreditável tudo já mencionado, mas a pura verdade está entre as palavras, não há exagero, pois este degenera os sentimentos, desvirtua os fatos e desfigura a verdade.
Eles foram felizes, mesmo não tendo ficado juntos, o tempo não corre para trás, descobriram muito tarde o real sentimento de ambos, pesaram na balança da vida o passado, presente e futuro, analisaram seus erros, mas que fazer? Não há como voltar no tempo, Deus não deixou essa possibilidade, a solução encontrada foi amor encontrado, guardado e perdido, amor ausente, não há saída melhor que essa, a dignidade de um pai seria colocada em xeque, se este não estivesse presente na criação de seu filho, na promessa diante de um homem religioso, "até que a morte os separe", existem juras que nunca lhe libertará, cuidado meus amigos com o que prometem, pessoas sabem ser cruéis.
Ela também foi feliz, dormiu e acordou ao lado do mesmo homem que prometeu respeitar e amar, se conformou com os dias, meses e anos, estava em paz de novo.
Mas devem-se perguntar, e as almas? Ah! Essas foram felizes, fugiram certa madrugada. Correram pelo espaço, rindo-se, pois estariam sempre lado a lado. E vocês poderão vê-los abraçados, basta olhar com bastante atenção, para o céu em noites estreladas, o firmamento lhes concedeu essa graça.
Há certas bençãos de Deus, que entram estilhaçando as vidraças.
Fim