O Interrogatório, o Juramento e a Tortura em Beccaria na Obra: 'Dos delitos e das penas' - Repercussão no Código Penal
Por Kayo Dantas | 31/01/2009 | DireitoResumo: Este estudo se propõe a analisar os fatores que caracterizam obra de Beccaria, fazendo um levantamento de fatos históricos e sociais bem como suas contribuições e representações que fundamentam a tese de que influenciou a reformulação da legislação vigente da época partindo do pressuposto de que as leis precisam estar adequadas ao seu contexto histórico, pois, critica veementemente as condições desumanas às quais as pessoas eram submetidas e as penas que eram aplicadas época. . Ressalta-se para tanto, o caráter de denúncia social em prol dos direitos humanos e da razão, em oposição aos preceitos jurídicos pré-estabelecidos e à legislação penal vigente de seu tempo. Dentro deste enfoque aborda ainda o sustentáculo da tese que, a igualdade perante a lei deve ser mantida nos casos em que criminosos cometem os mesmos tipos de delitos. Remetamo-nos a ele quando diz: "Lei sábia e de efeitos sempre felizes é aquela que prescreve que cada qual seja julgado por seus iguais" (BECCARIA, 2006). O questionamento principal situa-se em torno de três aspectos importantes: o interrogatório, o juramento e a tortura. Conclui-se este estudo mostrando que o homem na sua eterna luta pela Justiça e liberdade deve trilhar seu caminho com a finalidade de produzir leis cada vez mais justas e fazê-las cumprir. Palavras-chave: o interrogatório, o juramento e a tortura. The interrogation, the oath and the torture in Beccaria in the workmanship: "Of the delicts and the penalties" - Repercussion in the criminal Code Summary: This study if it considers to analyze the factors that characterize workmanship of Beccaria, making a historical and social fact fiding as well as its contributions and representations that base the thesis of that it influenced the reformularization of the current law of the time leaving of the estimated one of that laws needs to be adequate to its historical context, therefore, it vehemently criticizes the not humans conditions which the people were submitted and the penalties that were applied time. It is standed out for in such a way, character of social denunciation in favor of the human rights and of the reason, in opposition to the preset legal rules and the effective criminal legislation of its time. Inside of this approach it approaches still based on the thesis that, the equal protection of law must be kept in the cases where criminal commits the same types of delicts. Observing him when he says: "Wise Law and of always happy effect is that one that prescribes that each one is judged by its equal ones" (BECCARIA, 2006). The main questioning is placed around three important aspects: the interrogation, the oath and the torture. This study is concluded showing that the man in its perpetual fight for Justice and freedom must tread its way with the purpose to produce laws each time more jousts and to make to fulfill them. Key-words: the interrogation, the oath and the torture.
Introdução
Esta é indubitavelmente uma obra com caráter de denúncia social em prol dos direitos humanos e da razão, em oposição aos preceitos jurídicos pré-estabelecidos e à legislação penal vigente de seu tempo.
Beccaria denuncia os julgamentos secretos, as torturas como forma de obtenção de provas ou confissões de crimes, a apreensão de bens do condenado. Basicamente sustenta a tese de que, a igualdade perante a lei deve ser mantida nos casos em que criminosos cometem os mesmos tipos de delitos. Remetamo-nos a ele quando diz: "Lei sábia e de efeitos sempre felizes é aquela que prescreve que cada qual seja julgado por seus iguais" (BECCARIA, 2006).
Por essas e muitas outras razões suas idéias têm sido propagadas e homenageadas por toda a civilização.
Essa obra influenciou a reformulação da legislação vigente da época.
Em virtude do tipo de trabalho, não realizaremos uma análise minuciosa por capítulos, para não se tornar enfadonho e até redundante. Ressaltaremos apenas questões extremamente relevantes para o conhecimento da obra como um todo significativo.
Ressalta-se ainda que, fica o convite a um maior aprofundamento a todos aqueles que eventualmente se predispuserem a estudar Beccaria e sua contribuição para o Direito penal.
Objetivo:
O objetivo primordial deste trabalho é realizar um estudo sobre a obra: "Dos delitos e das penas" de Cesare Beccaria ressaltando os principais pontos que a permeiam. A princípio, trataremos da obra no geral, seguidamente, traçaremos o perfil bibliográfico do autor, elencaremos alguns pontos chave da obra por meio de um breve resumo para, finalmente proceder a hermenêutica da obra em si.
Metodologia: Este artigo científico é uma produção original baseada na análise, discussão e interpretação da obra: "Dos delitos e das penas" de Cesare Beccaria, apresentando uma abordagem sobre suas principais temáticas como: o interrogatório, o juramento e a tortura.
1. "DOS DELITOS E DAS PENAS": considerações preliminares
Esta é uma obra que se insere no movimento filosófico e humanitário da segunda metade do século XVIII, ao qual pertencem os trabalhos dos Enciclopedistas, como Voltaire, Rousseau, Montesquieu e tantosoutros...
Nesse contexto histórico surge a teoria de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva; essa concepção havia induzido à aplicação de punições de conseqüências muito superiores e mais terríveis que os males produzidos pelos delitos. Desenvolveram-se a prática de torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, acusações secretas, enfim uma série de atrocidades humanas, inconcebíveis para a nossa contemporaneidade.
A partir daí, surge Beccaria que se manifesta contra toda essa situação e, por meio de sua obra, escrita especialmente com o intuito de atingir, não apenas as classes cultas, mas, sobretudo a população no geral, como os leigos, para que pudessem entender e interpretar de acordo com seu conhecimento de mundo tudo o que se passava. Em função disso e de muitos outros fatores que citaremos posteriormente, sua obra foi elogiada por intelectuais, religiosos e nobres (inclusive Catarina da Rússia). As críticas foram poucas, geralmente resultantes de interesses egoístas de autoridades e clérigos. A humanidade encontrava novos caminhos para garantir a igualdade e a justiça, pois tinham em Beccaria um defensor e difusor de idéias extremamente importantes que contribuiriam, consideravelmente, para o bem estar da sociedade..
Versando principalmente sobre a temática da prática de torturas e da pena de morte, "Dos delitos e das penas" torna-se, sem dúvida alguma, uma obra de caráter de denúncia social. E, por atingir veementemente os poderes políticos, econômicos e religiosos, não deixa de ser alvo daqueles que, bem ou mal, se beneficiam (aram) de práticas como as anteriormente mencionadas. A pena de morte, que vai sendo abolida em países mais avançados, aqui tem sido proposta por inúmeros políticos raivosos que deveriam se preocupar, primordialmente em assegurar as condições humanas de vida essenciais para que todos, indistintamente exerçam a sua cidadania sem precisar recorrer a projetos sociais que tiram toda e qualquer dignidade daqueles que são excluídos e marginalizados por uma minoria detentora do poder. Crianças ficam encarceradas sob condições cruéis, sub-humanas e, às vezes bárbaras, suscetíveis a todos os tipos de abusos, desde o sexual atéao trabalho escravo. Juizes corruptos que vivem no conforto de suas mansões, com salários exorbitantes, enquanto muitos passam fome. Criminosos, assassinos frios, por serem influentes no crime, desfrutam de todas as mordomias possíveis. E, o pior de tudo, cientes de que mediante o famoso "jeitinho brasileiro" apenas os pobres seriam condenados, enquanto que os ricos teriam suas regalias e privilégios assegurados pela sua condição social.
Diante do exposto até o momento, percebe-se a relevância desse estudo ou de qualquer outro, que tenha como meta uma análise, uma apreciação de tudo o que foi escrito por Cesare, haja vista o fato de que, a contribuição que sua obra deu ao Direito é extremamente relevante para todos aqueles que têm na vida um bem maior, que jamais pode ser precipitado mediante "irresponsabilidade" de outrem.
Dando seguimento ao nosso texto, faremos uma abordagem biográfica sucinta do autor do livro em análise e de sua trajetória na propagação de sua filosofia.
2. Aspectos biobibliográficos do autor
CESARE BONESANA, marquês de Beccaria, nasceu em Milão no ano de 1738. Educado em Paris pelos jesuítas, entregou-se com entusiasmo ao estudo da literatura e das matemáticas. Muita influência exerceu na formação do seu espírito a leitura das Lettres Persanes de Mostesquieu e de L'Esprit de Helvétius. Desde então, todas as suas preocupações se voltaram para o estudo da filosofia. Foi ele um dos fundadores da sociedade literária que se formou em Milão e que, inspirando-se no exemplo da de Helvétius, divulgou os novos princípios da filosofia francesa. Além disso, a fim de divulgar na Itália as idéias novas, Beccaria fez parte da redação do jornal II Caffè, que apareceu de 1764a1765.
Nessa época que, insurgindo-se contra as injustiças dos processos criminais em voga, Beccaria principiou a agitar com os seus amigos, entre os quais se destacavam os irmãos Pietro e Alessandro Verri, os complexos problemas relacionados com a matéria. Assim teve origem o seu livro Deu Delitti e delle Pene (Título original em Latim). Receoso de perseguições, o autor mandou imprimir sua obra secretamente, em Livorno, e ainda assim velando muitos pensamentos com expressões vagas e indecisas.
O tratado "Dos Delitos e das Penas" é a filosofia francesa aplicada à legislação penal: contra a tradição jurídica, invoca a razão e o sentimento; faz-se porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios tão difundidos e concretizados; estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condena o direito de vingança e toma por base do direito de punir a utilidade social; declara a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a separação do poder judiciário e do poder legislativo. Em todos os tempos, nenhum livro fora tão oportuno e o seu sucesso foi verdadeiramente extraordinário, sobretudo entre os filósofos franceses. O abade Morellet traduziu-o, Diderot anotou-o, Voltaire comentou-o. d'Alembert, Buffon, Hume, Helvétius, o barão d'Holbach, em suma, todos os grandes homens da França manifestaram desde logo a sua admiração e seu entusiasmo, o que comprova a eloqüência dos pensamentos e sentimentos de Beccaria em relação à pena de morte, torturas, enfim. Em 1766, indo a Paris, Beccaria foi alvo das mais vivas demonstrações de simpatia. No entanto, tendo regressado a Milão, cidade que ele não mais abandonou, teve de sofrer uma campanha infamante por parte dos seus adversários, que ainda se apegavam aos preconceitos e à rotina para acusá-lo de heresia. A denúncia não teve conseqüências, mas Beccaria ressentiu-se de tal forma que o receio de novas perseguições levou-o a renunciar às dissertações filosóficas.
Fato curioso em ralação às condições nas quais produziu sua obra diz respeito ao fato de que, em função de rivalidades familiares, seus pais não consentiram o seu casamento com a jovem que ansiava por desposar. Mas mesmo assim, contra tudo e contra todos, não abriu mão de seu amor. Por essa razão, ficou praticamente durante onze meses preso em uma masmorra.
Esse fato se assemelha na ficção à obra de William Shakespeare (dramaturgo Inglês), intitulada "Romeu e Julieta", que retrata a estória de dois jovens membros de famílias inimigas que se apaixonaram, casaram, enfim: Os Monthechio e os Capuleto. A obra tem como desfecho a tragédia, pois em função desse amor proibido, ambos morrem.
Em 1768, o governo austríaco, sabedor de que ele recusara as ofertas de Catarina II, que procurara atraí-lo para São Petersburgo, criou em seu favor uma cátedra de economia política.
Beccaria morreu em Milão, em 1794.
3. Problemática da obra
Discorrendo agora um pouco sobre a obra em si, "Dos Delitos e das Penas", foi inspirada, sem sombra de dúvidas, nas condições desumanas às quais as pessoas eram submetidas e nas penas que eram aplicadas época. Constitui-se, indubitavelmente em uma das grandes obras primas que a humanidade possui. Beccaria não se intimidou com o sistema repressivo e tirânico de seu tempo e denunciou em seu tratado a forma cruel que imperava nos tribunais, além de apresentar possibilidades da atenuação desta crueldade sem limites, mediante uma reflexão sobre as reais necessidades de aplicação de determinadas formas de punição.
Considerada por grandes autores penalistas, inclusive na contemporaneidade, como uma obra que caracteriza e define um capítulo à parte na evolução do direito penal, especialmente no que diz respeito à aplicação da pena, bem como sua pretensa viabilidade. questão que iremos tratar detalhadamente mais adiante.
Lançado em 1764, "Dos delitos e das penas" se comprovou como o verdadeiro sentido e razão da punição, através da humanização das penas. Com o decorrer dos anos e sendo esta obra traduzida para as mais diversas nações, esse pensamento humanitário começou então a ser implantado nas legislações de todo mundo civilizado, evidenciando o papel da justiça no obscuro e cruel pensamento dominante da época.
Salienta-se que este presente estudo não tem por finalidade esgotar o tema, mas simplesmente nos conduzir ou, que sabe reconduzir a uma reflexão sobre as formas de como eram tratados as "Durações do Processo", bem como, "As Prescrições", além de abordarmos "Os Crimes começados; os Cúmplices; a Impunidade", e um dos temas mais importantes tratado por Beccaria: "A Moderação das Penas", estabelecendo um paralelo com o que se vê atualmente em termos de Direito Penal.
Contextualizando-se o leitor no ambiente do século XVIII que se caracterizou por transformações acentuadas e cientes de que o avanço e o progresso em qualquer situação surgem e baseiam-se somente quando resultam de um grande salto histórico-social e, também, do fato de que os pontos de inflexão, característicos de mudança de Idades Históricas, não duram apenas um dia e uma noite. Mesmo porque sabemos que, subjetivamente, fatos são somente ocorrências isoladas quando não estão enlaçados a um contexto histórico social, e tudo o que está subjacente aos mesmos contribuem para sua compreensão de forma mais sistematizada e coerente.
Em um segundo momento, trabalha-se efetivamente com o texto buscando-se um entendimento par e passo com a realidade atual. Nunca se esquecendo de que a verdade é algo que gira em torno do fato social.
E, como conclusão, reforça-se a idéia de que ao longo dos tempos, o delito, como fator de desequilíbrio social, ou seja, como indicador da existência de alguma anomalia social que mereça a intervenção do Estado, recebeu variados enfoques e seus agentes, os criminosos, tratamentos diferenciados.
"Dos Delitos e das Penas" é uma leitura sempre atual e que nos remete, com freqüência, a questões típicas do nosso dia-a-dia no que tange ao limite das penas e sua desejada eficácia.
As leis têm como função equacionar conflitos e, para isto, precisam estar adequadas à sua época. O instrumento da sanção é o elemento inibidor do delito, tornando a norma respeitada.
Os suplícios, rituais sangrentos e humilhantes não mais poderiam se perpetuar com a psedo ilusão de que existia ali algum poder de coibir a ação criminosa, pois muitas vezes tinham um efeito reverso e, na pior das hipóteses, ao invés de viabilizar a efetivação da justiça beneficiavam àqueles réus que, com coragem e dor suportavam as torturas em detrimento daqueles que muitas vezes até inocentes eram, mas frágeis, não suportavam os infortúnios e acabavam por confessar os crimes que cometeram e até o que não cometeram.
Hoje, sabemos que somos privilegiados a partir da evolução da Sociologia Jurídica, da Filosofia Jurídica e do próprio Direito positivado à medida que os elementos da eficácia, do valor e da validade da norma jurídica caminham em concordância para produzir a lei. O poder soberano do Estado (ius imperium) não mais deveria validar a pena de morte, no caso específico do Brasil, exceto em casos de guerra.
As penas tiveram sua origem, à época, no poder soberano e necessitavam de um Direito e argumentação suficientes para justificá-las. E, nesse momento histórico, o sentimento humano criou o fundamento para explicar tal necessidade. É como se um pacto social conferisse o poder de punir a alguém e as leis, por conseguinte, não pudessem se afastar deste pacto, sob pena de perderem a sua legitimidade. Atualmente, podemos constatar que a sociedade pode, em determinado momento, criar leis para o seu próprio controle e ajudá-las na normatização de determinado fato social.
Aforça do brocardo"nullun crimen, nulla poena, sine lege" (não há crime e não há pena sem lei) sustenta aquilo que poderíamos denominar de um direito natural, refletido num determinado limite de punir. O significado da palavra limite, aqui, assume importância que alcança todo um processo de elaboração das leis, bem como da sua aplicação e conseqüências sociais, ou seja, seriam imposições a serem desenvolvidas com autonomia e responsabilidade, respeitando, primordialmente os direitos humanos.
A natureza do contrato social, criado a partir da visão de J. J. Rousseau, que mostra sua força no momento em que a pena tende a ser cruel, contrariando, assim, a almejada Justiça. Apesar de utópica, a Justiça é um direito para todos, igualmente distribuído.
Ora, a idéia de modelo ideal é algo que persegue a vaidade de todo aquele que cria. A lei, perfeita e ideal para o legislador, é presenteada à sociedade como obrigação e natural consciência de ser respeitada e obedecida, pois foi desenvolvida horizontalmente, respeitando às necessidades e viabilidades. Sua credibilidade, apesar da legitimidade que lhe é inerente, fica totalmente condicionada à sua aceitação pela sociedade, desde o momento em que passa a integrar o ordenamento jurídico, até que venha a ser, ou não, posteriormente revogada.
Ao se dar vida ao que fora expresso, à lei in casu, ela assume características próprias em determinado tempo e lugar.
A norma escrita é necessária para dar uniformidade às condutas dos indivíduos, não significando uma condição sine qua non, uma vez que, através de uma linguagem acessível e da divulgação ampla de seu conteúdo, permitirá sua maior penetração na consciência coletiva.
A expectativa de sucesso da lei, quanto ao objetivo, é algo que compõe um processo lento, demorado, pois só a partir da sua aplicação é que verificar-se-á a medida de sua real eficácia e aceitabilidade por parte dos cidadãos.
O cumprimento e a aplicação da lei envolvem uma responsável análise por todos os elementos que dão suporte à estrutura normativa como, por exemplo, os operadores do Direito e demais elementos da sociedade que possam inibir ações delituosas.
O julgador, sem dúvida alguma, concentra em si a enorme responsabilidade de "dizer" o Direito a ser aplicado, distribuindo a almejada Justiça. Entretanto, como ser humano, sofre as influências de toda uma bagagem de conhecimentos e experiências adquiridas ao longo da vida e que, conscientemente, irão interferir no seu julgamento, nessas. Circunstâncias, além do conhecimento e habilidade para o ato de "julgar" é necessário muito discernimento. Nesse sentido, muito valioso é o que acentua o Ex.mo Sr. Tourinho Neto : "o Juiz deve ter opinião porque não há Justiça neutra".
Além disso, a sanção, possuindo o duplo aspecto de inibir e corrigir (no sentido de readaptar o indivíduo à sociedade) merece como comentário, o fato de ter valor relevante para a sociedade e precisa se desenvolver com a eficácia real para que as penas sejam aplicadas não terão utilidade nenhuma se não promoverem uma reincersão social daqueles que cometeram algum tipo de delido. Infelizmente, no Brasil, as penitenciárias não estão cumprindo seu papel mediante uma série de dificuldades que não vale à pena ressaltar no momento, e acabam por contribuir para que ocorra exatamente o contrário. Na verdade, tornam-se verdadeiras escolas de criminalidade.
Ao aplicar uma sanção, o julgador deve ter em mente o alcance de sua medida, pois esta implicará mera demonstração de força e prepotência se não visa realizar Justiça. Um julgamento justo depende não somente do conhecimento da lei, mas, também, de clareza e previsão no sentido de projetar suas conseqüências.
A necessidade de se abordar determinada evidência surge de forma natural, pois a amplitude do Direito envolve todo o ambiente onde questões de ordem social seguem um ritmo próprio determinado por um padrão de procedimentos.
4. Os delitos e as penas segundo Beccaria
Beccaria, em sua obra, destaca três aspectos importantes: o interrogatório, o juramento e a tortura.
4.1 O interrogatório
É uma ferramenta onde se busca uma relação do delito com fatos circunstanciais que podem se refletir em provas. Esta abordagem deve seguir método próprio e ser executada marginalmente, ou seja, uma abordagem direta desprezaria o gênero preocupando-se somente com a espécie, pois todo fato é relevante em um interrogatório.
4.2 O juramento
É tão somente uma conduta criada pelos homens a fim de valorizar a palavra daquele que depõe. Mas, até que ponto um celerado honraria sua palavra, pois se até mesmo os considerados de boa índole também sofrem a fraqueza de não serem transparentes em juízo.
Estas questões acompanham a humanidade como se fossem o combustível que alimenta a dialética em torno do Direito Natural e o Direito positivado. Serão questões sempre atuais e oscilarão de acordo com a evolução das sociedades, mostrando, claramente, a força das leis divina e humana.
4.3 A tortura
Por último a tortura, totalmente reprovável nas sociedades mais evoluídas, tem sua importância exatamente no limite que deve existir nas relações intersubjetivas, implicando, com isto, na própria razão de ser deste estudo, isto é, o trato com o ser humano e o fato da tortura ser uma punição, mesmo para aquele que é inocente e um alívio da pena para o verdadeiramente culpado, pois um inocente torturado pode confessar culpa no lugar de outrem para pôr fim ao seu sofrimento, como já foi colocado anteriormente, enquanto, com relação ao verdadeiro culpado, se este for forte o suficiente para absorver a dor e a humilhação da tortura com seu silêncio, será premiado com o alívio da pena.E, de fato, o perfil de um criminoso é menos sensível às coisas ditas civilizadas. De acordo com essa concepção, sempre quem estará na vantagem será o criminoso, pois só tem a ganhar.
Se pensarmos bem e sob a ótica do bom senso, torturar é punir previamente alguém que pode ser inocente!
Tudo o que se comentou até agora parece bastante adequado ao nosso contexto, mas, se projetarmos para a época, entender-se-á o grande valor da obra de Beccaria, principalmente no que se refere à sua argumentação, com relação à sua posição frente à pena de morte. Contudo ressalta-se que, ainda hoje práticas como a pena de morte, tortura, enfim existem em alguns países.
Com relação à questão do limite das penas o autor a enfocou, sobretudo no aspecto temporal. Fez uso, ainda, de grande sentimento científico aplicado à sociedade para localizar onde residia a eficácia das leis, ou seja, se estava concentrado na relação Estado-infrator ou nos efeitos da pena causados à sociedade.
Percebeu que os suplícios eram mais espetáculos para o povo da época do que um instrumento, realmente, modificador de uma atitude, ou de um não fazer. Atualmente tal proposição é inconcebível
Ressaltou, com isto, que o efeito na alma humana far-se-ia sentir de forma mais intensa caso a dor não fosse tão sangrenta, conseguindo ser suficientemente suportável para durar o tempo necessário a fim de ressaltar outro bem de grande valor jurídico, qual seja: a liberdade.
Os suplícios não eram a única forma de punição. Entretanto, ao valorizar a liberdade, Beccaria ressaltou-a como objeto norteador das ações praticadas por indivíduos em sociedade.
O limite das penas, então, seria algo que devido a sua flexibilidade, representaria um mecanismo de maior desestimulação, inclusive com relação à pena de morte. E a eficácia, objetivo da norma, seria atingida socialmente.
Assim, todo o caminho de apuração e julgamento de um fato deveria ser revisto.Atos processuais passariam a existir normatizando os procedimentos.
Ainda com relação ao limite das penas, uma pena considerada "máxima" num determinado sistema judiciário sempre causará algum impacto. Resta, entretanto, dimensionar este impacto de acordo com as diversas sociedades, pois, as penas podem enfocar a vida e a liberdade com valores diferentes, ou seja, a sociedade, que estabelece a morte como pena "máxima", considera o valor da vida maior que o da liberdade.
Cabe externar que a consciência de um criminoso poderá ser cada vez mais influenciada à medida que o meio o estimule, ou não, a agir de forma delituosa.
Assim, a proporção entre os delitos e as penas seria algo ao qual se poderia tentar graduar causa e efeito, cominando-se penas cada vez mais brandas diante dos menores estímulos ao crime.
Indubitavelmente que a punição aplicada tem sempre o objetivo de atingir um bem jurídico de grande valor. A obra de Beccaria faz referência ao banimento, confiscos, desonra e asilos.
De fato, a perda da identidade política, a retenção dos bens, o desprezo da sociedade e do Estado em relação ao infrator e o seu afastamento do próprio país são atos punitivos e, até mesmo, severos ao criminoso com reflexos na sua família. No entanto, estes tipos de pena são tão ensejadoras de debates e discussões quanto a própria pena de morte, com a diferença que, na pena de morte, por razões óbvias, não cabe questionamento quanto aos efeitos posteriores causados ao réu. Resta, então, refletir a respeito das conseqüências sociais quanto ao aspecto de sua eficácia, ou seja, já que a sociedade percebe claramente as possíveis implicações de determinados efeitos punitivos.
Bem verdade, uma lei pode modificar a sociedade, no que diz respeito à uniformidade de procedimentos, durante o tempo em que seus efeitos são sentidos.
Com o passar do tempo, a norma pode tornar-se, simplesmente, letra morta se não tiver sido criada com a abstração suficiente para prever o dinamismo da sociedade, poderoso fator modificador da própria importância da lei na época de sua vigência.
Beccaria cita várias categorias de delitos, demonstrando uma gradação entre eles, e, conseqüentemente, enfoques de diferentes aspectos sociais, dando importantes noções com relação ao setor público e privado da época, como, por exemplo, nos delitos de lesa-majestade, nos delitos contra a segurança da pessoa, nas violências, nas injúrias, nos furtos, no contrabando, no ócio político (relacionado com a administração pública), na questão de família, no fisco e na tranqüilidade pública, traduzido como tumultos e desordens.
Discorreu, também, sobre questões como o adultério, o infanticídio e o homossexualismo (abordado com o nome de amor grego).
Com o passar do tempo, esses assuntos sofreram tratamento diferenciado por diversas sociedades que tiveram necessidade de tratar de alguns desses temas.
Ponto interessante é a observação do autor sobre os duelos e os suicídios. Os duelos foram vistos como sendo a "anarquia das leis" e o suicídio como um ato impossível de ser punido pelos homens, mas tão somente pela Justiça divina.Assim, percebe-se a nítida presença de Deus influenciando a vida jurídica dos homens.
5. Considerações finais
Conclui-se este estudo mostrando que o homem na sua eterna luta pela Justiça e liberdade deve trilhar seu caminho com a finalidade de produzir leis cada vez mais justas e fazê-las cumprir.
Porém, as leis por si só não bastam. É necessário que o indivíduo atue respeitando as regras de convívio social e o seu poder (ente que surge do acordo tácito entre os homens, onde cada um renuncia de certa parcela de sua liberdade em função da liberdade do grupo) seja o estritamente necessário àquele ser humano.
A paz, ainda que poeticamente ou hipoteticamente falando, é mais um ideal do que uma realidade. Ela também é a finalidade do Direito, e deve ser perseguida continuamente.
Beccaria não foi somente mais um homem de seu tempo. Sua obra conquistou grande espaço no campo do Direito e os temas abordados envolvem várias ciências interdependentes como, por exemplo, a sociologia e a filosofia jurídica no tocante à questões de eficácia e de valor das normas, respectivamente.
Ainda que tenha ido mais longe do que o compreensível para a sua época, o objetivo de sua obra foi atingido por meio do próprio questionamento de suas idéias que têm se difundido substancialmente até hoje.
Resta compreender, pelo menos para a nossa época, que a medida da pena é tão importante quanto a prevenção do delito. Isto é, as leis têm que ter não apenas um caráter punitivo ou intimidativo, mas, sobretudo, preventivo.
Só o crescimento e progresso social permitirão ao homem a maturidade e a compreensão suficientes para seguir o seu curso, independentemente da quantidade e da qualidade das normas a serem cumpridas, bem como da gravidade de suas respectivas sanções.
6.Referências
BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e Das Penas. Rio de Janeiro: São Paulo, 2002.
LAKATOS, Eva Maria e Marconi, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
PRESTES, Maria Luci de Mesquita. A pesquisa e a construção do conhecimento científico: do planejamento aos textos, da escola à academia. 3. ed. São Paulo: Respel, 2005.
Revista Jurídica: Verba Volant, Scripta Manet.Patos: FADIP – Faculdade de Direito de Patos, 2006.