O Instrutor e o Aprendiz
Por Nagib Anderáos Neto | 26/06/2009 | Filosofia"Deus está em você;não é necessário pagar para alguém lhe dizer isso. Eu digo porque sei que é verdade", escreveu certa vez Henry Miller. E ainda, "cuidado com quem traz sempre Deus nos lábios, pois é o que dele mais está distante".
As reflexões estavam inseridas num artigo sobre o espiritualismo que, para Miller, invadira a América como um tóxico com seus gurus que nada davam de graça, tudo cobravam.
Não pudemos deixar de recordar de uma palestra proferida em Edimburgo por Annie Bésant no início do século passado quando a escritora vaticinava a chegada de um grande instrutor naquele século; alguém que viesse a ensinar aos homens o caminho do aperfeiçoamento. Segundo consta, ela o teria equivocadamente, reconhecido em Krishnamurte que é, curiosamente, mencionado por Henry Miller como tendo dito ou escrito: "não ponha sua fé em ninguém; você tem tudo dentro de si e está sempre a procurar pelos mestres. Por que não procura por você mesmo? Esqueça os mestres".
É possível que o instrutor que se busque esteja no interior do próprio ser humano; não uma outra pessoa, um pretenso intermediário entre ele e seu Criador, mas um elo pessoal, superior e divino. E como realizar essa união interior? Alguém deveria ensinar o caminho; um instrutor de instrutores que, ao invés de pretender dar a Verdade em pertinência a quem não tivesse feito nenhum esforço neste sentido, mostrasse o caminho para que cada um pudesse percorrê-lo com sua inteligência. Um mestre de sabedoria não poderia pedir que acreditassem em suas palavras, pois deveria ensinar a pensar; sua pedagogia seria incompatível com a aceitação passiva e cega dos que pretendessem respostas prontas às indagações humanas; mais do que um enunciador de verdades, deveria ensinar a forma como cada um as elucidasse por própria conta, como um pai que tendo acumulado uma grande experiência na vida apontasse o caminho e aconselhasse o filho deixando que ele andasse com as próprias pernas e descobrisse por si só as belezas do caminho e fosse o artífice dos próprios conhecimentos e experiências, sem cobrar nada em troca do filho, como aqueles mestres criticados por Henry Miller.
A analogia é esclarecedora. Para uma criança, Deus confunde-se com os pais. Aqueles que a geraram recebem-na à vida com um amor entranhável; protegem-na contra os perigos do mundo nos primeiros anos, orientam-na na adolescência e juventude e prosseguem como um respaldo moral e espiritual na idade adulta.
Deus está ali, na palavra do pai e da mãe que ensina, aconselha, reconforta. A família constitui para o filho o templo verdadeiro em cujo altar se confundem seus pais terrenais dos quais herda o amor, a fisionomia e os conhecimentos. Deverá, no entanto, seguir o seu próprio caminho. E numa grande transição,a criança feita adulta ver-se-á privada do convívio com seus pais. Deus parece segredar-lhe que se mostra a seus súditos de muitas maneiras, especialmente no amor impregnado na família cuja essência é divina.
Ao assumir a postura de pai terrenal, a criança feita homem deverá prosseguir o seu caminho evolutivo preparando e construindo o seu próprio destino, carregando dentro de si o exemplo, a recordação e a gratidão por seus pais e colaborando para a construção de um mundo melhor para as gerações futuras. Deverá vivernesta vida uma sucessão de vidas, aperfeiçoando-se, transformando-se continuamente, vivendo várias vidas numa só. Descobre que além de pai e educador de seus filhos, deverá sê-lo também de si mesmo; compreende que o Pai Ancestral se confunde com a criança que vive em seu coração e que pode viver e sobreviver pelos pensamentos e obras que possa produzir e pelo grau de consciência que alcançar; que o mistério do pai é o mistério do filho e que somente ele próprio poderá desvendá-lo.
Nagib Anderáos neto
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