O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA: CRÍTICAS EM UM CONTEXTO FALIMENTAR

Por Lucas Oliveira Rodrigues | 13/03/2017 | Direito

O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA: CRÍTICAS EM UM CONTEXTO FALIMENTAR

 

Airon Caleu Santiago Silva

Lucas Oliveira Rodrigues

 

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA; 2.1 A aplicação inversa da desconsideração da personalidade jurídica; 3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE MODO INVERSO NO CONTEXTO DE FALÊNCIA; 3.1 Críticas e efeitos da aplicação de tal instituto no contexto falimentar; 4 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

 

RESUMO

 

Intentando-se analisar toda uma complexa questão referente à aplicação inversa da desconsideração da personalidade jurídica em um contexto falimentar, passou-se pela discussão, de forma resumida, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, bem como se daria a sua aplicação inversa. Logo em seguida, perpassou-se a temática referente a aplicação de tal instituto em um contexto falimentar, para o fim de estabelecer questionamentos e críticas à aplicação de tal instituto neste contexto. Buscou-se situar a aplicação dessa teoria em um contexto falimentar para o fim de, ao menos, classificar em que consistiria os créditos que surgiriam, bem como de que modo seria mais adequado o pagamento dos credores do sócio devedor.

 

 

Palavras-chave: Personalidade jurídica; Desconsideração de modo inverso; Contexto falimentar.

 

ABSTRACT

 

Attempting to analyze an entire complex issue related to the reverse application of piercing the corporate veil in a bankruptcy context, passed by the argument, in a nutshell, the theory of piercing the corporate veil and would take its inverse application. Soon after, the theme is pervaded-related application of such an institute in a bankruptcy context, to establish claims and criticisms of the application of such institute in this context. It attempted to place the application of this theory in a bankruptcy context for the purpose of, at least, that would classify the credits that arise and how it would be appropriate to pay the creditors of the debtor partner.

 

 

Keywords: Legal personality; Conversely disregard; Bankruptcy context.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Tendo em vista que a legislação referente ao processo falimentar (Lei n. 11.101/2005) não traz expressamente a possibilidade da personalidade jurídica ser desconsiderada de modo inverso e que ainda não há jurisprudência consolidada sobre tais questões no contexto falimentar, questiona-se como a teoria da despersonalização da pessoa jurídica aplicada de modo inverso poderia ser levada a efeito no contexto falimentar.

A aplicabilidade da descaracterização da personalidade jurídica de modo inverso tem se mostrado frutífera através dos diversos julgados na jurisprudência nacional.

Por outro lado, fato é que em grande parte dos referidos julgados, a aplicação dessa teoria se dá no âmbito do direito de família, do direito do consumidor ou até mesmo no âmbito mais geral do direito civil (em que se presume as partes estarem em um patamar semelhante, diferente do âmbito consumerista).

Dessa forma, tendo em vista o silêncio da legislação e a ausência de jurisprudência consolidada, convém analisar a forma e a possibilidade da aplicação inversa da descaracterização da personalidade jurídica, como já dito, no contexto falimentar.

Dessa forma, através da pesquisa bibliográfica, bem como da utilização de artigos científicos e julgados que tratem do instituto aqui estudado, pretende-se esclarecer as características da desconsideração da personalidade jurídica (ou despersonalização) assim como da sua aplicação de modo inverso. Pretende-se também referir como se daria a aplicação de tal instituto em um contexto falimentar, bem como quais seriam as críticas cabíveis a tal instituto.

 

2 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

Em um primeiro momento, a legislação pátria optou por fazer uma separação patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa física que a administra, estabelecendo-se deste modo um véu para que os danos gerados ao patrimônio da pessoa física não atinja a pessoa jurídica, e vice-versa. No entanto, essa regra geral comporta exceções, a saber: a desconsideração da personalidade jurídica (objeto de estudo abordado nesta etapa). Isso se justifica, pois,

 

A concessão de personalidade jurídica, tendo em vista seus efeitos, leva, muitas vezes, a determinados abusos por parte por parte do titular da empresa individual de responsabilidade limitada e dos sócios das sociedades, atingindo direitos de credores e de terceiros. Nesse caso vem-se admitindo o superamento da personalidade jurídica com o fim exclusivo de atingir o patrimônio do titular da empresa individual de responsabilidade limitada ou dos sócios da sociedade empresária envolvidos na administração dos negócios. Por esta razão a teoria do superamento da personalidade jurídica – disregard of legal entity – é também conhecida como teoria da penetração. (NEGRÃO, 2014, p. 273).

 

Em suma, “a desconsideração é utilizada como instrumento para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade” (COELHO, 2010, p. 47). Tal instituto se justifica, pois visa evitar que a ficção jurídica referente à personalidade da empresa sirva de instrumento para a prática de abusos, para que esta forma de tratar a empresa não sirva de meio para se praticar lesões à lei ou às obrigações contratuais (COELHO, 2010).

O referido instituto[1] foi trazido pela primeira vez por um macrossistema com o Código Civil de 2002, em seu art. 50[2], que prevê a possibilidade de certos efeitos e determinadas relações alcançarem os bens do particular administrador ou sócio, quando houver por parte desses o abuso da personalidade jurídica, que se dá por meio do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial. O referido dispositivo da legislação pátria alude que

 

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (BRASIL, 2002).

 

Pois bem, tendo em vista tal possibilidade trazida pelo ordenamento jurídico brasileiro, observa-se que são trazidos como requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica o abuso da mesma por conta do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Por outro lado, Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Franciso N. da Fonseca (2013), citando alguns julgados de tribunais superiores ou federais referem que sendo a desconsideração da personalidade jurídica medida excepcional, deve ser aplicada com muito cuidando e de forma atenta ao crivo do devido processo legal, com especial atenção ao contraditório e à ampla defesa, haja vista que não parece razoável estender os efeitos de uma decisão a alguém que pode nem ao menos tenha participado do processo, ou seja, o abuso de direito da personalidade jurídica em desfavor de terceiro, fraude, confusão de patrimônio e afins, deve ser demonstrado observando-se o devido processo legal, sob pena de nulidade da decisão judicial que, desconsiderando a personalidade jurídica, intentar atingir os bens dos sócios da empresa insolvente.

Com tudo isso, embora a teoria da desconsideração seja alvo de várias críticas[3], fato é que ela surgiu com a finalidade de se coibir o uso da personalidade jurídica e sua consequente autonomia patrimonial com a finalidade de evitar que fraudes, desvio de bens e afins fossem realizadas (COELHO, 2010). Por este motivo é que também se permite que se dê o inverso, ou seja, permite-se a possibilidade de “desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio” (Batisd-David-Luchaire apud COELHO, 2010, p. 47).

 

  • A aplicação inversa da desconsideração da personalidade jurídica

 

Nesta etapa busca-se conceituar e minudenciar o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica, que diferente do tópico anterior, não possui previsão normativa expressa, o que não impede de haver a consolidação do referido instituto por meio de louvadas preleções na doutrina e honorabilíssimas decisões na jurisprudência, estas, geralmente, referentes ao direito de família.

Havendo o esvaziamento do patrimônio do sócio controlador ou administrador, transferindo bens para a pessoa jurídica, com o fim de escusar-se de cumprir obrigações patrimoniais para um interessado naqueles bens, há que se determinar a desconsideração da personalidade jurídica de modo inverso. O STJ já reconheceu a aplicabilidade inversa da desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, em votos da Ministra Nancy Andrighi[4], em que se rompe o véu da separação patrimonial com o fim de sanar a fraude de execução ou contra credores, conforme o caso, atingindo assim os bens da pessoa física que foram alocados de modo ilegal/ilegítimo ao corpo patrimonial da pessoa jurídica.

Neste sentido, a doutrina tem elencado alguns requisitos para que a personalidade jurídica seja desconsiderada de modo inverso, a saber, “o desvio de bens, a fraude contra credores ou terceiros e/ou abuso de direito praticados pelos sócios que utilizam a pessoa jurídica como véu para encobrir seus bens, valendo-se assim da má-fé.” (FILGUEIRAS, 2007, p. 2).

Quanto à legitimidade para alega-la, convém evidenciar que,

 

[...] segundo a relatora, detendo a recorrida uma parcela muito pequena das cotas sociais, seria extremamente difícil – quando não impossível – investigar os bens da empresa, para que fosse respeitada sua meação. “Não seria possível, ainda, garantir que os bens da empresa não seriam indevidamente dissipados, antes da conclusão da partilha”, analisou a ministra. “Assim, se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa”, concluiu. A ministra esclareceu que, no caso, a legitimidade decorre não da condição de sócia, mas em razão da sua condição de companheira. (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ aplica desconsideração inversa de personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha. 2013. Disponível em: <http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112336> Acesso em: maio de 2015. Grifo nosso).

 

Assim é que a aplicação inversa da teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa coibir práticas abusivas e fraudulentas geralmente levadas a efeito pelo sócio controlador da pessoa jurídica que se visa afetar com a aplicação de tal instituto. Em outras palavras, quando o sócio controlador de uma empresa transferir para ela os seus bens, ou mesmo “adquiri-los” em nome dela e, uma vez que a controla, continue usufruindo deles como dono (afinal, materialmente falando, ele o é, mas está se valendo de uma ficção jurídica para fraudar credores), caberia a aplicação inversa do instituto aqui estudado.

Convém agora analisar como se daria esta possibilidade em um contexto falimentar, ou seja, argui-se se os credores do sócio devedor entrarão na “fila” de credores da falência ou se terão algum regime próprio. Embora se questione sobre isto, não se pretende aqui esgotar tal tema, mas sim levantar questões e críticas relevantes, afinal nem ao mesmo se encontra com frequência nos julgados dos tribunais casos suficientemente análogos, sendo tal problemática realmente nova em sede doutrinária.

 

  1. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA NO CONTEXTO DE FALÊNCIA

 

Vencidas as discussões sobre a temática do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, atualmente é possível que a aplicação desse instituto se dê de modo inverso. Ou seja, enquanto aquela está relacionada com o rompimento do véu da pessoa jurídica para que o patrimônio do sócio seja alcançado em virtude de dívidas da própria P.J, nesta rompe-se o véu com o intuito de alcançar o patrimônio da pessoa jurídica em decorrência de obrigações inadimplidas pelo sócio controlador e figuras equiparadas na administração da empresa.

É nesse sentido que Fábio Ulhoa Coelho conceitua a desconsideração da personalidade jurídica inversa no contexto empresarial como sendo “o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para a responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio” (COELHO, 2010, p.47). Desse modo, entende-se que há uma supressão da autonomia patrimonial, com o fim de que haja um equilíbrio patrimonial em decorrência de fraudes aplicadas pelo sócio controlador. Ainda no que tange ao aspecto conceitual, Isaura Meira Cartaxo Filgueiras concorda com o conceito acima apresentado e acrescenta a quebra da autonomia patrimonial como elemento essencial à concretização da aplicabilidade da desconsideração inversa. (FILGUEIRAS, 2007, p.1)

Apesar de se ter vislumbrado a parte formal da desconsideração inversa, é ainda um tanto quanto distante que se observe em que situações no caso concreto (de forma material) tal instituto será aplicado. Para parte da doutrina, essa desconsideração inversa poderá ser constata a partir de elementos como o desvio de bens, a fraude contra credores ou terceiros e/ou abuso de direitos, todos estes praticados pela pessoa física que controla a sociedade e se utilizam do véu para encobrir seus bens, valendo-se deste modo, de má-fé.

Honorabilíssima doutrina representada pelo professor Fabio Ulhoa Coelho, dá conta de que há uma sistemática anterior a aplicação da desconsideração inversa, destarte, relata:

 

A fraude que a desconsideração inversa coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio,  não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É certo que, em se tratando de pessoa jurídica de uma sociedade, ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou ações representativas de parcelas do capital social. Essas são em regra penhoráveis para a garantia do cumprimento das obrigações do seu titular. (COELHO, 2010, p. 47)

 

Em síntese, o que se apresenta de fato é que o devedor possuidor do poder de controle de determinada sociedade busca um meio de esquivar-se de seus credores. Para tanto encontra na pessoa jurídica um depositário de seus bens, onde esse mesmo devedor depois de transferir seu patrimônio para a sociedade continua a gozar dele pelo fato de ser controlador, mas sem que essa patrimônio seja alcançado pelos credores, tendo em vista que a relação obrigacional que estes possuem é com a pessoa física, e não com a pessoa jurídica agora detentora do patrimônio. Dito isto, não há duvidas que a efetivação de tal prática se caracterize em desvio de bens para a realização da fraude.

Faz-se necessário ainda que não se proponha confusão entre a desconsideração inversa da personalidade jurídica e a desconsideração da pessoa jurídica, pois são conceitos completamente diferentes. Destarte, ainda que se fale em fraude e má-fé dos sócios, é importante frisar que o referido instituto não tem por finalidade extinguir a pessoa jurídica, mas tão somente analisar os aspectos ilegais em que seus sócios a envolveram e aplicar as medidas legítimas para o desfazimento dos efeitos oriundos da fraude. Nesse sentido expressa Isaura Meira Cartaxo Filgueiras “A aplicação da desconsideração inversa, da mesma forma que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não visa a anulação da personalidade jurídica, mas apenas a declaração da ineficácia para determinado ato” (FILGUEIRAS, 2007, p. 3). A referida autora ainda alude que a autonomia da vontade ou princípio da separação da personalidade jurídica da sociedade e dos sócios não será prejudicado no contexto da desconsideração inversa, tendo em vista que o instituto objetiva atingir somente o episódico, deixando sem máculas a validade do ato constitutivo da sociedade.

Não há que se negar, portanto, que a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica se dê com mais frequência no âmbito do direito de família, no qual já se pode observar diversos entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria apresentada.[5]

É defeso, contudo, que não é impossível a aplicação do aludida teoria no contexto falimentar, tendo em vista que a o STJ, ainda que de modo mediato, já se manifestou no sentido de reconhecer a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica em casos falimentares.

Assim, é possível encontrar  na jurisprudência casos em que se constatou a ação fraudulenta dos sócios ou sociedade controladas e assim aplicou-se a desconsideração inversa. Nessa esteira entendeu o STJ em sede de REsp: “Segundo asseverou o juízo da falência, a personalidade jurídica da Sociedade Anônima, ora falida, foi desconsiderada, a fim de se responsabilizar patrimonialmente sociedades controladas, sócios, diretores e ex-diretores que atuaram no período denominado termo legal da falência” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 370.068Relatora: Min. Nancy Andrighi, 2005, p. 8). Assim, observa-se que no STJ tende-se a consolidar a ideia de que é plenamente possível alcançar ainda depois da falência os sócios ou controladores das sociedades por meio da desconsideração inversa da pessoa jurídica em face do processo falimentar.

Por este viés, com base no julgado do Recurso Especial acima, subentende-se que, embora seja dificultosa a visualização da aludida teoria em um contexto falimentar, a jurisprudência e a doutrina vislumbram casos excepcionais em que a despersonalização da pessoa jurídica pode se dá mesmo depois de instaurado o processo falimentar, estabelecendo-se como meta alcançar a responsabilização de pessoas físicas que agiram de má-fé.

 

3.1 Críticas e efeitos da aplicação de tal instituto

 

Em face do contexto fraudulento em que se expõe a pessoa jurídica, diversos efeitos surgem em consequência dessa causa ilícita. Em decorrência lógica, destacam-se como efeitos da pratica imoral: a quebra do princípio da autonomia patrimonial e o alcance de bens patrimoniais da sociedade. (FILGUEIRAS, 2007, p.4)

Diante da constatação da fraude cabe ao juiz,  optar pela desconsideração ou não, como nos ensina Rubens Requião citado por Isaura Filgueras:

 

Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos. (REQUIÃO apud FILGUEIRAS, 2007, p.4)

 

Logo, conclui-se que a decretação da desconsideração da personalidade jurídica é ato unilateral praticado por magistrado legalmente constituído, que em sua decisão deverá fundamentar os motivos pelos quais decidiu pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, se este for o caso.

Desse modo, verifica-se uma espécie de outorga ao magistrado para a decretação da despersonalização inversa sempre que houverem praticados atos de má-fé cujo intuito seja ludibriar terceiros além de infringir a lei e a moral da pessoa jurídica. Assim, o juiz está autorizado a rasgar o véu que divide o patrimônio da pessoa jurídica e do sócio, com o objetivo de resgatar patrimônio para o adimplemento de dívidas em que o controlador é insolvente. No entanto, a mera insolvência não se constitui como fundamento para a quebra da autonomia patrimonial, é importante e necessário que esteja constatada a fraude ou qualquer outro meio ilícito utilizado pelo sócio controlador com o fim de esquivar-se de seus credores.

Apesar das diversas formas em que o poder judiciário se debruça sobre o instituito da desconsideração inversa, há que se falar que não existem ainda disposições legislativas sobre o tema, desse modo, não há uma forma de regulamentação nem de que modo será procedido esse processo de quebra da autonomia patrimonial. Ao observar essa realidade, Isaura Filgueiras disserta:

 

(...) convém ressaltar que a jurisprudência pátria, em harmônico entendimento com a doutrina, acolheu a Desconsideração da Personalidade Jurídica em sua forma inversa.

É importante destacar que não há, em nosso ordenamento jurídico, legislação específica que aborde a Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, mas apenas decisões jurisprudenciais que entendem a sua aplicação. No entanto, merece registro o fato de que a Desconsideração Inversa encontra-se, atualmente, em grande estágio de amadurecimento. (FILGUEIRAS, 2007, p.9-10)

 

A falta de regulação por parte do poder legislativo sobre a temática faz com que o judiciário decida pela desconsideração inversa de forma análoga à desconsideração da personalidade jurídica comum.

Há, portanto, entendimento contrário ao que se convencionou intitular como desconsideração inversa. A crítica apresentada em questão dá conta que não há que se falar em desconsideração inversa da personalidade jurídica, pois o que ocorre de fato é uma transferência feita de forma fraudulenta pelo devedor a um terceiro (P.J), sendo assim constatada a fraude ou simulação in casu o que geraria diferentes efeitos. A fraude contra credores, por exemplo, gera a anulação do negócio jurídico, por outro lado, a fraude de execução e a simulação possuem como efeito a nulidade de pleno direito. Com base nessas constatações há que se considerar se os efeitos gerados pela aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica não funcionariam como um atalho legítimo para uma ação de cobrança de dívida sem a necessidade de um processo anterior, maculando assim o contraditório e o devido processo. (FERRIANI, 2013, p[?])

 

4 CONCLUSÃO

 

A preocupação do legislador em tutelar a desconsideração da personalidade jurídica relaciona-se com a salvaguarda patrimonial da pessoa jurídica, além de preservar pelo cumprimento dos negócios jurídicos.

Há uma clara proteção no que se refere ao afastamento da fraude e de toda sorte de má-fé. A garantia de direitos patrimoniais é objetivo almejado quando ocorre a quebra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, afetando assim, diretamente em sua personalidade.

No que tange a desconsideração inversa da personalidade jurídica, apesar de ainda ser um instituto novo e carente de regulamentação legislativa, faz-se completamente necessário que sua aplicação se dê forma mais enérgica e mais ampla, tendo em vista que sua aplicação tem se dado quase que exclusivamente ao direito de família.

A ampliação do instituto da desconsideração inversa para a falência certamente evitaria fraudes e crimes falimentares recorrentes no processo falimentar. Desse modo, seria ideal incluir os credores do sócio controlador junto aos credores da empresa que enfrenta o processo falimentar. Assim, haveria a possibilidade desses credores poderem se habilitar para participar também da massa falida.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ aplica desconsideração inversa de personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha. 2013. Disponível em: <http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112336> Acesso em: maio de 2015.

 

______. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 . Institui o Código Civil. DOU de 11.01.2002.

 

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 370.068 – GO (2001/0148303-5). Relatora: Min. Nancy Andrighi. Publicado no DJ de 14/03/2005 p. 318. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Civel_Geral/ms_falencias/ms_fal_furisprudencia/STJ%20rec.%20descons.%20pessoa%20jur%C3%ADdica%20processo%20falimentar.pdf> Acesso em: 17 mar 2015

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. vol. 2. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

FERRIANI, Adriano. A desconsideração inversa da personalidade jurídica. Migalhas. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI178414,21048-A+desconsideracao+inversa+da+personalidade+jurídica>. Acesso em: 15 de maio 2015.

FILGUEIRAS. Isaura Meira Cartaxo. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. 2007. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28632-28650-1-PB.pdf> Acesso em: 16 mar. 2015.

 

Negrão, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A.; FONSECA, João Francisco N. da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 45. ed. atual. e reform. — São Paulo : Saraiva, 2013.

 

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

[1] Refere a doutrina de Fabio Ulhoa Coelho (2010) que, em relação à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, Rolf Serick foi o primeiro a abordar o tema de forma mais clara, inclusive estabelecendo quatro princípios que se passa a abordar: “o primeiro afirma que ‘o juiz diante de abuso de forma da pessoa jurídica, pode, para impedir a realização do ilícito, desconsiderar o princípio da separação entre sócio e pessoa jurídica’. Entende Serick por abuso da forma qualquer ato que, por meio do instrumento da pessoa jurídica, vise frustrar a aplicação da lei ou o cumprimento de obrigação contratual, ou, ainda, prejudicar terceiros de modo fraudulento (1955:276). Ressalta, também, que não se admite a desconsideração sem a presença desse abuso, mesmo que para a proteção da boa-fé. O segundo princípio da teoria da desconsideração circunscreve, com mais precisão, as hipóteses em que a autonomia deve ser preservada. Afirma que ‘não é possível desconsiderar a autonomia subjetiva da pessoa jurídica apenas porque o objetivo da norma ou a causa de um negócio não foram atendidos’. Em outros termos, não basta a simples prova da insatisfação de direito de credor da sociedade para justificar a desconsideração. De acordo com o terceiro princípio, ‘aplicam-se à pessoa jurídica as normas sobre a capacidade ou valor humano, se não houver contradição entre os objetivos destas e a função daquela. Em tal hipótese, para atendimento dos pressupostos da norma, levam-se em contas pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica’. É este o critério recomendado para resolver questões como a nacionalidade ou raça de sociedades empresárias. O derradeiro princípio sustenta que, ‘se as partes de um negócio jurídico não podem ser consideradas um único sujeito apenas em razão da forma da pessoa jurídica, cabe desconsiderá-la para aplicação de norma cujo pressuposto seja diferenciação real entre aquelas partes’. Quer dizer, se a lei prevê determinada disciplina para os negócios entre dois sujeitos distintos, cabe desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica que o realiza com um de seus membros para afastar essa disciplina (1955:275/295). (COELHO, 2010, p. 38-9).

[2] Disposição semelhante é encontrada, por exemplo, na Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor (CDC) – no seu art. 28, caput. Inclusive, em tal disposição, faz-se alusão à possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em um contexto falimentar.

[3] No maior das vezes, tais críticas consistem na má aplicação do instituto. Este, quando aplicado apressada e erroneamente, pode resultar na aplicação do instituto em questão mesmo sem haver fraude, abuso da personalidade ou confusão patrimonial, mediante a simples verificação de que a sociedade não tem patrimônio mas há sócio solvente, por exemplo. Sendo que tal acontecimento resultaria em uma desvalorização e inutilização gigantesca da própria personalidade jurídica e autonomia patrimonial da empresa em relação aos seus sócios, significando, assim, em verdade, um retrocesso para o ordenamento jurídico brasileiro. (COELHO, 2010).

[4] Recurso Especial nº 370.068 – GO (2001/0148303-5). Min. Rel. Nancy Andrighi. Publicado no DJ de 14/03/2005.

[5] VIDE: BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 370.068 – GO (2001/0148303-5). Relatora: Min. Nancy Andrighi. Publicado no DJ de 14/03/2005 p. 318. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Civel_Geral/ms_falencias/ms_fal_furisprudencia/STJ%20rec.%20descons.%20pessoa%20jur%C3%ADdica%20processo%20falimentar.pdf>

VIDE: BRASIL.Tribunal de Justiça de São Paulo. 3º Câmara de Direito Privado. Agravode Instrumento nº 319.880-4/0. Relator Carlos Roberto Gonçalves. Julgado em 02/12/2003