O Imposto Extraordinário

Por Alexandre Dias de Andrade Furtado | 20/05/2017 | Direito

Alexandre Dias de Andrade Furtado 

Advogado especialista em Direito Tributário pela PUC/SP, mestrando em Direitos Humanos pela PUC/SP e membro do Conselho Superior de Direito e do Conselho de Assuntos Tributários da FECOMÉRCIO/SP

Resumo:


O presente artigo aborda a evolução do impostos extraordinários nas constituições brasileiras, bem como no Código Tributário Nacional, sempre pensando na instituição da tributação em momentos de guerra declarada ou na iminência de conflito bélico.

Abstract:

This article discusses the evolution of extraordinary taxes in Brazilian constitutions, as well as in the National Tax Code.

Palavras-Chave:


Direito Tributário. Guerra. Impostos Extraordinário. 


Sumário:


1- Intodução, 2 - O Imposto Extraordinário e sua evolução histórica no mundo, 3- O Imposto Extraordinário e sua evolução no Brasil, 4 - A Constituição de 1988 e o artigo 76 do Código Tributário Nacional, 5 -Conclusão, Referências Bibliográficas.

 

1. Introdução

 

A instituição do imposto extraordinário, em função de guerra declarada ou na iminência de conflito bélico, é de suma importância para a União como fonte de receita em momento especialíssimo. A tributação em momento de guerra não é criação brasileira e tem sido muito útil aos países no curso dos conflitos armados, principalmente na Europa. O imposto, após a sua instituição, deverá ser extinto de forma gradativa, após o término do conflito armado.

 

2. O Imposto Extraordinário e sua evolução histórica no mundo

 

A Inglaterra, quando se viu cercada pelos exércitos de Napoleão Bonaparte, instituiu o imposto de renda para financiar suas forças armadas e repelir os franceses. O imposto deixou de ser cobrado ao final do conflito. 

O Parlamento Inglês, quando da apresentação de novo projeto de lei sobre a taxação da renda, em 1918, de autoria de Lord Finllay[1] (Lord Chancellor), expôs a necessidade da retomada desse tipo de imposto para a reconstrução de seu país após o término da Primeira Grande Guerra: “The Income Tax is a great weapon for war as well as for peace. It won the Napoleonic War for us, and it will win the still greater struggle in which we are now engaged; and I think that all of us must recognise that, whatever aspirations have been entertained in the past with regard to the Income Tax being only of a temporary nature, it must now be regarded as a permanent part of our fiscal system. The tax was introduced as a war tax in 1799 by Mr. Pitt”. 

Em 1º de julho de 1916, a França instituiu a contribuição extraordinária de guerra[2], que teria como motivação “os benefícios excepcionais e suplementares realizados durante a guerra”. Trata-se de imposto criado para tributar as empresas, que durante o curso da guerra, tiveram ganhos expressivos com a venda de armamentos e suprimentos ao exército francês. 

A Confederação Suíça, igualmente aos demais citados países, chegou a discutir a criação de um imposto extraordinário para cobrir as despesas militares durante as duas guerras mundiais. Foi instituído o “impôt de guerre" (1916-1917), "nouvel impôt de guerre extraordinaire" (1921-1932), "taxe de crise" (1934-1940) e o "impôt de défense nationale” a partir de 1941[3]

O imposto extraordinário, portanto, é exação sempre presente em períodos de conflito bélico, sendo importante fonte de recursos para o Estado em momentos de grande urgência. 

 

3. O Imposto Extraordinário e sua evolução no Brasil 

 

O Legislador repetiu no Código Tributário Nacional tradição iniciada pela Constituição Federal de 1946. 

O Constituinte de 1946[4], claramente impressionado com as consequências trágicas - sejam elas humanas ou materiais - ocorridas durante e depois da Segunda Guerra Mundial, instituiu tributação, de competência da União, com a finalidade de obter recursos para fazer frente aos gastos despendidos no curso do conflito bélico. 

De acordo com o artigo 15º, §6º, da Constituição Federal de 1946[5][6], a União somente teria autorização para instituir o imposto extraordinário em duas situações bem delineadas pelo conteúdo da norma: na iminência de guerra ou na situação de declarada beligerância entre o Brasil e outro país qualquer. 

Já no que tange ao aspecto temporal, também previsto na norma constitucional, o Legislador Originário determinou, passados cinco anos contados da data da assinatura da paz, a cessação da cobrança do imposto extraordinário. 

O Código Tributário Nacional, reproduzindo em parte o artigo da Constituição de 1946, em seu artigo 76, também faculta à União a instituição da exação em comento: 

“Art. 76. Na iminência ou no caso de guerra externa, a União pode instituir, temporariamente, impostos extraordinários compreendidos ou não entre os referidos nesta Lei, suprimidos, gradativamente, no prazo máximo de cinco anos, contados da celebração da paz”.

 A Constituição Federal de 1967, em seu artigo 23, de igual maneira que a Carta de 1946, previu a possibilidade de instituição do imposto extraordinário. Contudo, deixou de lado a necessidade de se aguardar cinco anos após a assinatura da paz para cessar a cobrança da exação, bastando, somente, que as causas de sua criação deixassem de existir.

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 1/69[7], que alterou sensivelmente a Constituição Federal de 1967, os impostos extraordinários foram mantidos no ordenamento constitucional. 

O imposto extraordinário, conforme alguns doutrinadores, como Ricardo Lobo Torres[8], nem chegaria a fazer parte do sistema constitucional tributário, tendo em vista sua temporalidade e sua situação especialíssima. 

Contrapondo a ideia acima, Antônio Roque Carrazza afirma que os impostos extraordinários não são tributos sui generis, pois inexistentes no mundo jurídico, sendo, apenas, impostos[9].   

Outros, como Paulo Lucena de Menezes[10], classificam os impostos como sendo ordinários e extraordinários. Os ordinários seriam aqueles onde se verifica o ingresso de receitas de forma periódica ao Estado, já os impostos que não detêm características de habitualidade, somente admitidos de forma emergencial, seriam os impostos extraordinários. 

 

4. A Constituição de 1988 e o artigo 76 do Código Tributário Nacional 

 

A Constituição Federal de 1988, no artigo 154, inciso II[11], mantendo a tradição inaugurada na Constituição Federal de 1967, deixou de lado a necessidade de se observar o interregno de cinco anos após a assinatura de paz para deixar de cobrar o imposto extraordinário. Assim, o artigo 76 do Código Tributário Nacional foi derrogado pela Constituição quanto a esse requisito. 

Contudo, por mais que não seja mais necessário esperar a assinatura de paz, a Carta Suprema, como se vê no artigo 154, inciso II, determina a supressão do imposto de forma gradativa, ou seja, não foi estipulado um prazo para a extinção da cobrança[12] ficando, assim, ao talante do Presidente da República e do Congresso Nacional estipular o momento que isso virá a ocorrer.   

Importante destacar que tanto a Constituição Federal de 1988, quanto o Código Tributário Nacional, não estipularam qual seria o fato gerador dos impostos extraordinários, sendo necessário, como único requisito para a sua instituição, por lei ordinária, a existência de guerra externa ou a sua iminência[13]

Como alerta Antônio Roque Carrazza[14], o imposto extraordinário não poderá ser instituído em caso de guerra intestina ou para rearmamento das Forças Armadas, com exceção se essa última se fizer necessária por motivo de conflito armado externo ou sua iminência[15]

Aqui, tendo em vista acontecimentos recentes, em especial o terrorismo, cabe a ressalva quanto ao novo tipo de conflito inaugurado pela “Guerra ao Terror”[16], onde os Estados não são mais os contendores. O terrorismo não encontra paralelo com as guerras convencionais, assim, não haveria como interpretar extensivamente[17] a autorização constante do artigo 154, inciso II, da Constituição Federal, para a instituição do imposto extraordinário em casos semelhantes aos ataques desferidos às diferentes nações por grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.   

Com relação à declaração formal de guerra, cabe ao Presidente da República, conforme a redação do artigo 84, inciso XIX, da Constituição Federal, declarar guerra desde que com autorização do Congresso Nacional ou referendado por ele, mesmo esse estando em recesso[18], conforme os artigos 49, inciso II, e 21, inciso II, da Constituição Federal. Já com relação à iminência de guerra, conforme Paulo de Lucena de Menezes, “(...) identifica o período que antecede uma guerra previsível, aguardada, mas ainda não declarada formalmente ou iniciada no plano concreto” [19]

A medida de urgência enfrentada pelo Estado resulta no alargamento da competência tributária da União[20], ficando autorizado, pela regra ínsita no artigo 154, inciso II, da Carta Magna, a última, a instituir quaisquer impostos, mesmo aqueles originalmente reservados aos demais entes políticos. Contudo, nada impede que tais tributos sejam cobrados cumulativamente, ocorrendo a bitributação[21][22]

Os princípios constitucionais tributários, com exceção do princípio da anterioridade e do princípio das competências originárias, devem ser observados pela União quando da criação dos impostos extraordinários[23]

Em caso de conflito armado, a Constituição Federal, em seu artigo 148, inciso I[24], e o Código Tributário Nacional, artigo 15, inciso I[25], autorizam, além dos impostos extraordinários, a instituição, por lei complementar, de empréstimo compulsório com o fim de fazer frente aos gastos decorrentes de guerra externa.

 

5. Conclusão  

 

Conclui-se, assim, que os impostos extraordinários são de suma importância ao Estado em caso de beligerância externa, sendo fonte de receita para o rearmamento de suas Forças Armadas e reconstrução do país após o fim das hostilidades. 

[1] http://hansard.millbanksystems.com/lords/1918/feb/28/income-tax-bill-hl#s5lv0029p0_19180228_hol_7. Acesso em 03/04/2017. 

[2] http://www.economie.gouv.fr/caef/guerre-1914-1918-financement-guerre-par-limpot. Acesso em 03 de abril de 2017.

[3] http://www.hls-dhs-dss.ch/textes/f/F13768.php. Acesso em 05 de abril de 2017.

[4] Aliomar Baleeiro destaca que: “A Constituinte de 1946, convocada quando mal se haviam silenciado os canhões do conflito mundial de 1939-1945, dispôs sobre o financiamento da guerra, matéria que escapara às Constituições anteriores, mas que, pela evidência dos fatos recentes, não poderia ser efetivada com fiel observância dos rígidos princípios do sistema tributário nacional”. (Direito Tributário Brasileiro, |Rio de Janeiro, Editora Forense, 2005, p. 536).

[5] Art. 15 - Compete à União decretar impostos sobre:

  •  6º - Na iminência, ou no caso de guerra externa, é facultado à União decretar impostos extraordinários, que não serão partilhados na forma do art. 21 e que deverão suprimir-se gradualmente, dentro em cinco anos, contados da data da assinatura da paz.

[6] O art. 15 da Constituição de 1946 foi alterado pelas Emendas Constitucionais 5/61 e 18/65, que tiveram o condão de renumerá-lo mantendo seu conteúdo.

[7] Art. 22. Compete à União, na iminência ou no caso de guerra externa, instituir, temporariamente, impostos extraordinários compreendidos, ou não, em sua competência tributária, os quais serão suprimidos gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

[8]TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Tributário Brasileiro – 2, Tomo II, Sistemas Constitucionais Tributários. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 338.

[9] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.  19ª. ed.  São Paulo:  Malheiros, 2004.  p. 517.

[10]LUCENA DE MENEZES, Paulo. In:  GANDRA DA SILVA MARTINS, Ives (Org.).  Comentários ao Código Tributário Nacional.  3ª. ed.  São Paulo:  Saraiva, 2002.  p. 577-581.  v. 1.

[11] Art. 154. A União poderá instituir:

II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

[12] Aliomar Baleeiro destaca: “Não há qualquer sanção para compelir o Congresso a suprimir esse tributo temporário por definição. O texto, quase pleonástico, deixou o assunto ao discricionarismo do Presidente da República e do Congresso. O legislador provavelmente acreditou que a própria necessidade de reconversão das indústrias absorvidas pelo esforço bélico forçara a extinção dos impostos extraordinários, para liberação de recursos utilizáveis pelo setor privado, evitando, assim, a depressão econômica. Todavia, a experiência secular mostra que os governos raramente abandonam um imposto decretado como exceção numa emergência”. (Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2005. p. 537). 

[13] LUCENA DE MENEZES, Paulo. In:  GANDRA DA SILVA MARTINS, Ives (Org.).  Comentários ao Código Tributário Nacional.  3ª. ed.  São Paulo:  Saraiva, 2002.  p. 579.  v. 1.

[14] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.  19ª. ed.  São Paulo:  Malheiros, 2004.  p. 516.

[15] No entender de Amílcar Falcão, “A exceção considera um interesse superior do Estado, ou da sua própria sobrevivência, e representa uma das referências especiais do direito público ao estado de necessidade”.  (Introdução ao Direito Tributário, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999. p. 48).

[16] Também conhecido como “Doutrina Bush”. Teve início após os ataques as Torres Gêmeas no World Trade Center em Nova Iorque no dia 11 de setembro de 2001.

[17] Alberto Xavier salienta que: “(...) a tipologia tributária é inegavelmente taxativa. A regra nullum tributum sine lege alude, deste modo, não só à origem normativa dos tributos, como também ao princípio do numerus clausus em matéria de imposto. (...) Da harmonia com o princípio da taxatividade, os direitos tributários constituem um numerus clausus, da tal modo que o catálogo criado pelo princípio da seleção delimita com rigor o campo livre do tributo: e por isso tal princípio é uma verdadeira Magna Charta do contribuinte. (...). Para que um fato desencadeie efeitos tributários é, pois, indispensável a sua correspondência a um dos tipos ou modelos de tributos criados pelo legislador. Assim, o que caracteriza a tipicidade no Direito Tributário não é tanto a necessidade da conformação do fato à norma para que o efeito se produza – idéia subjacente à opinião de Von Wallis – posto tal conformação ser comum a todos os ramos do Direito: antes é o fato de os efeitos tributários se não produzirem sem que essa conformação se reporte a norma expressamente formulada com a força e sob a forma da lei. (...) O fato tributário é necessariamente um fato típico: e para que revista esta natureza é indispensável que ele se ajuste, em todos os seus elementos, ao tipo abstrato descrito na lei. (...) A tipicidade do fato tributário pressupõe, por conseguinte, uma descrição rigorosa dos seus elementos constitutivos, cuja integral verificação é indispensável para a produção dos efeitos. Basta a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. O fato tributário, como ser fato típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta óptica, se convertem em elementos ou aspectos do próprio fato”.  (Os Princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1978. p. 86/89) 

[18] Alguns doutrinadores, como Sacha Calmon Navarro Coêlho, defendem a possibilidade de ser editada medida provisória instituindo os impostos extraordinários no caso de recesso do Congresso Nacional.

[19] LUCENA DE MENEZES, Paulo. In:  GANDRA DA SILVA MARTINS, Ives (Org.).  Comentários ao Código Tributário Nacional.  3ª. ed.  São Paulo:  Saraiva, 2002.  p. 579.  v. 1.

[20] Roque Antônio Carrazza afirma que: “Assim, em função do que estatui o precitado art. 154, II, da Lei Magna, o princípio da reserva das competências impositivas cede passo ao interesse maior da defesa da soberania nacional, ameaçada pelo estado de beligerância”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.  19ª. ed.  São Paulo:  Malheiros, 2004.  p. 517).

[21] Paulo de Barros Carvalho assevera que: “Satisfeito o pressuposto, o legislador federal poderá editar normas jurídicas que venham a instituir impostos, fora ou dentro de seu âmbito de competência, isto é, poderá servir-se daquelas exações que foram concedidas, inicialmente, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o que caracterizaria hipótese de bitributação constitucionalmente autorizada, como também de sua própria competência, resultando na constitucionalidade de especificas situações de bis in idem. (Curso de Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 2010. p. 281).   

[22] Já Aliomar Baleeiro afirma que: “Mas a CF de 1969, na cláusula ‘compreendidos ou não na sua competência tributária’, visa a permitir que a União decrete, como tributo extraordinário de guerra, qualquer dos impostos estaduais ou municipais. (Direito Tributário Brasileiro, |Rio de Janeiro, Editora Forense, 2005, p. 537).

[23] Amílcar Falcão entende que: “Isto significa que a ressalva só diz respeito ao requisito da anualidade, e não, como pode entender-se dessa expressão, ao da legalidade ”.  (Introdução ao Direito Tributário, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999. p. 48).

[24] Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

[25] Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios:

I - guerra externa, ou sua iminência;