O IMPACTO DA TERCEIRIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA...

Por MARCIA REGINA CARVALHO SOUSA | 14/03/2017 | Direito

O impacto da terceirização e o princípio da eficiência na prestação de serviços públicos [1]

 

Marcia Regina Carvalho Sousa. Nydia Lycia Soares Guimarães [2]

Hélio Bittencourt[3]

 

SUMÁRIO: Introdução. 1 Considerações Gerais sobre a terceirização. 2 Efeitos jurídicos da Terceirização para o serviço púbico. 3 A terceirização no setor de saneamento e saúde pública. Considerações Finais. Referências.

 

 RESUMO

 

O presente paper relata diversos conceitos, características e demais elementos relativos à terceirização. A abordagem retratada fundamenta-se no desdobramento da caracterização e efeitos jurídicos legais da matéria, ou seja, da relação de que a terceirização mantida entre o tomador dos serviços e o terceiro, procurando explicar as diferenças das atividades-fim e atividades-meio segundo a essencialidade ou não dos serviços da empresa tomadora dos serviços terceirizados. A terceirização é uma tendência bastante atual, que buscar alcançar maior produtividade, elevar o nível de qualidade e reduzir custos, para assim sobreviver em ambientes de alta competitividade, desse modo aborda-se também o impacto gerado na prestação de serviços públicos, especificamente nas empresas de saneamento e saúde pública.

 

Palavras-chave: terceirização, eficiência, serviços públicos, saneamento, saúde. 

 

INTRODUÇÃO

A regulamentação dos contratos de terceirização no mercado de trabalho brasileiro tem sido alvo de discussões nos últimos anos, principalmente porque recentemente foi aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal o Projeto de Lei nº 4.330/2004 que regulamenta a matéria.

Assim, no Capítulo 1 apresenta-se um estudo acerca da caracterização e requisitos da terceirização, fundamentado na legislação trabalhista, na regulamentação do TST, na doutrina e leis específicas, já que ela consiste na possibilidade de contratação de terceiros para realização de atividade-meio da empresa, ou seja, aquelas atividades que não constituam seu objetivo principal, sua atividade essencial.  Esse conceito e outros relacionados ao tema devem nortear a interpretação dos seus aspectos, seus efeitos, avanços e pontos polêmicos.

Ainda nesse Capítulo, são identificadas as principais formas de aplicação da técnica de terceirização, sendo cada uma delas específica de determinado ramo da economia ou ainda sendo estas incipientes, fazendo também uma breve contextualização histórica sobre a terceirização, já que esta passou a ser adotada pelo Estado brasileiro na condução de sua máquina administrativa, na medida em que os instrumentos legais e institucionais foram sendo construídos para a execução dos objetivos de gestão e solução de crises financeiras, tanto nas empresas públicas como na própria administração direta.

É importante observar que apesar da terceirização estar disseminada em todos os setores da economia com características e consequências em comum, a forma como ela se desenvolve e como os seus impactos ocorrem em cada setor, tem suas particularidades, assim no Capítulo 2 serão abordados os impactos da terceirização na prestação serviços públicos.

Esses impactos serão especificamente sobre a terceirização na administração pública direta e indireta, evocando a Constituição de 1988 para tratar dos efeitos jurídicos e dos problemas jurisprudenciais que cercam esta questão, principalmente em relação a Súmula 331 e as interpretações que dela emanam

No Capítulo 3 trataremos ainda do reconhecimento do vínculo especificamente no setor público, identificando as principais formas de aplicação da técnica de terceirização, e apesar da terceirização estar disseminada em praticamente todos os setores da economia, abordaremos os impactos da terceirização na prestação serviços públicos de saneamento e saúde.

Resta-nos então, analisarmos os paradigmas existentes, por se tratar de um estudo teórico e exploratório, apoiado nas abordagens da Lei, da doutrina e da jurisprudência. No entanto ressalta-se que não se tem a pretensão de esgotar, neste estudo, o assunto em debate, diante de sua amplitude e complexidade.

 

1 Considerações Gerais SOBRE a terceirização

O estudo acerca da caracterização e requisitos da terceirização nos propõe inicialmente a análise sobre os conceitos teóricos bem como o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho - TST na Súmula 331, desse modo a leitura de MARTINS (2003, p.) a terceirização consiste na possibilidade de contratação de terceiros para realização de atividade-meio da empresa, ou seja, aquelas atividades que não constituam seu objetivo principal, sua atividade essencial. 

Nessa linha de estudo, faz-se uma breve contextualização histórica sobre a terceirização, que teve suas raízes na época da Revolução Industrial no século XVIII, onde  surgiram às primeiras leis trabalhistas e os sindicatos, estes procuravam compatibilizar os embates entre os empregados e os empregadores com fins para atingir uma maior qualidade na prestação de emprego. Porém, alguns princípios do direito não eram empregados dentro do sistema de produção capitalista, a exemplo do princípio da dignidade da pessoa humana. (MACIEL, 2014, p.3)

No Estado brasileiro passou a ser adotada na condução de sua máquina administrativa, a partir da década de 90, na medida em que os instrumentos legais e institucionais foram sendo construídos para a execução dos objetivos de gestão e solução de crises financeiras, tanto nas empresas públicas como na própria administração direta, tal como disposto em Dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos apresentado pela Central Única dos Trabalhadores (2014).

Nas palavras de MACIEL (2014, p.3), a explicação mais detalhada mostra que a terceirização surgiu em meados do século XX com o advento da indústria automobilística. Essa, por sua vez, realizava toda a produção de peças e segmentos no mercado externo e vinham para o Brasil somente para fins de montagem do produto final. Nessa base teórica, encontraram um mercado interno totalmente favorável a sua exploração, em face da falta de regulamentação da atividade da terceirização no direito brasileiro, já que nem na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e nem no Código Civil tínhamos alguma referência sobre esse fenômeno jurídico.

De forma teórica, o objetivo da terceirização consiste na diminuição dos custos e melhorar a qualidade do produto ou do serviço, onde alguns especialistas denominam esse processo de “especialização flexível”, ou seja, aparecem empresas, com acentuado grau de especialização em determinado tipo de produção, mas com capacidade para atender a mudanças de pedidos de seus clientes. (BARROS, 2013, p. 357)

Além de um rico caminho histórico das referências legais deste instituto no direito brasileiro, DELGADO (2014, p. 452) caracteriza este instituto traçando uma linha entre a terceirização lícita e ilícita. E a diferencia do trabalho temporário. O mencionado autor traz também especificidades da terceirização na administração pública, evocando o dever legal de fiscalização pelo tomador de serviços.

Para o autor, terceirização é “o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação jus trabalhista que lhe seria correspondente.” Por meio dela o trabalhador se relaciona com o tomador de serviços sem que este se envolva com as questões trabalhistas, que são reservadas à empresa terceirizante. Esta por sua vez, recebe a prestação de serviço sem ocupar a posição de empregador.

Delgado (2014, p. 452) destaca que a terceirização deva ser uma modalidade excepcional de contratação de força de trabalho, pois acaba desajustando alguns objetivos tutelados pelo direito do trabalho.

No fim da década de 60 e início dos anos 70 este fenômeno toma corpo na administração estatal direta e indireta, por meio do Decreto Lei nº 200/67 e da Lei nº 5.645/70 que embasaram a chamada “descentralização administrativa”. Posteriormente estendeu-se à iniciativa privada, em meados de 70, com a Lei nº  6.019/74 em caráter temporário. Quase dez anos depois a Lei nº 7.102/83 autorizou a terceirização permanente da vigilância dos bancos.

O que ocorre é que desde então, o setor público vem incorporando cada vez mais a prática da terceirização, como nos serviços de limpeza e conservação, saneamento e saúde. E hoje, vem causando transformações tanto no mercado de trabalho quanto na ordem jurídica trabalhista brasileira.

O que se percebe é que esse fenômeno vem se alastrando informalmente, sem a devida regulação que requer. Apesar da presença de limites claros na nossa Constituição, não há até hoje, regulação específica para tanto.

Em 1980 o TST elaborou a Súmula 256 que restringia a terceirização aos casos previstos em lei. Já em 1993, após inúmeras polêmicas acerca do assunto, editou a 331, que revisava a 256. Em 2010 fez novos ajustes na Súmula 331, especificamente sobre as entidades estatais.                                 

2 EFEITOS JURÍDICOS da terceirização para o serviço público

É importante observar que apesar da terceirização estar disseminada em todos os setores da economia com características e consequências em comum, a forma como ela se desenvolve e, consequentemente, como os seus impactos ocorrem em cada setor, tem suas particularidades. Desse modo, abordaremos neste capítulo os impactos da terceirização na prestação serviços públicos.

Especificamente sobre a terceirização na administração pública direta e indireta, DELGADO (2014, p. 473) evoca a Constituição de 1988 para tratar dos efeitos jurídicos e dos problemas jurisprudenciais que cercam esta questão, principalmente em relação a Sumula 331 e as interpretações que dela emanam. Com base na Lei de Licitações e na jurisprudência predominante, DELGADO (2013, p. 469) traz a eficácia e responsabilização de entidades estatais nos contratos de terceirização.

Esclarece ainda o autor que, hoje em dia, a terceirização lícita prevista na Súmula 331 do TST engloba quatro grupos de atividades: trabalho temporário, vigilância, limpeza e conservação e serviços ligados à atividade-meio do tomador.

Especificamente na administração pública, a Constituição Brasileira de 1988 prevê o concurso público como requisito para investir em cargo ou emprego público, inibindo, desta maneira, o reconhecimento de vínculo empregatício com ente público, mesmo que configurada terceirização ilícita. Da mesma forma dispõe a Súmula 331, vedando a geração de vínculo empregatício com órgãos da administração pública.

No entanto, na jurisprudência, este posicionamento não é pacífico. Há aqueles que defendem que já que a terceirização não gera vínculo, também não pode manter isonomia em benefício do trabalhador terceirizado. A outra posição, de forma extremada, reconhece o vínculo,  sustentando que o contrário beneficiaria a entidade estatal tomadora do serviço, que manteve a terceirização ilícita. E por último, adotando um meio termo, há a corrente que nega o vínculo, com base no disposto constitucional, mas admite a isonomia entre terceirizados e aqueles diretamente admitidos por concurso público. Isto significa assegurar ao trabalhador terceirizado que exerça a mesma atividade, as mesmas verbas e normas aplicadas ao empregado estatal.

Diante dessa polêmica, em 2011, o TST deu nova redação à Súmula 331: separou a regra da terceirização em geral da regra que deve ser aplicada aos órgãos públicos, responsabilizando subsidiariamente estes órgãos pela fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte das empresas terceirizantes. (DELGADO, 2014, p. 477)            

 Rogério Geraldo da Silva (2011, p.1) traz no seu bojo o estudo da terceirização no que se refere às atividades do setor privado no Brasil e a Súmula 331 do TST, de forma a contextualizá-lo com as atividades do setor público. Para ele, é necessário que as empresas verifiquem e criem alternativas que sejam capazes de amenizar as dificuldades de manutenção dos negócios, criando e sustentando vantagens competitivas, a fim de reduzir os custos da produção para alcançar o lucro e se manter no mercado.

É no contexto da utilização dos esforços focados na realização da atividade principal da empresa, onde se faz necessário que toda a capacidade produtiva seja redirecionada para acumular valores à produção é que surge a terceirização, cujo propósito principal é reduzir custos e acelerar a economia, defendida como um meio de desverticalização, fixação de esforços gerenciais no produto principal, busca de melhoria contínua da qualidade, produtividade e competitividade, que, é claro, considerada a redução de custos. (SILVA, 2011, p.3).

Segundo Alice Monteiro de Barros (2007, p.442), a terceirização requer cautela do ponto de vista econômico, já que implica no planejamento da produtividade, qualidade e custos, isso porque também os cuidados devem ser redobrados do ponto de vista jurídico, já que a adoção de mão-de-obra terceirizada poderá implicar reconhecimento direto do vínculo empregatício com a tomadora dos serviços, na hipótese de fraude, ou responsabilidade subsidiária dessa última quando inadimplente a prestadora de serviços.

Como forma de complementação desse estudo, cabe apresentar também, as principais formas de aplicação da técnica de terceirização, proposta por Mariangela Leal Cherchglia (2002, on line) que serão específicas a depender do ramo da economia, tendo por base os seguintes pontos:

  1. Desverticalização: consiste em repassar funções a um fornecedor especializado, que atua em suas próprias instalações, fabrica partes e componentes solicitadas pelo tomador de serviços;
  2. Prestação de serviços: a mais utilizada das formas, ocorre quando um terceiro pratica atividade-meio do tomador, executando-a nas instalações deste ou em local determinado;
  3. Franquia: ocorre quando determinada empresa concede a terceiro o uso de sua marca ou comercializa seus produtos em condições preestabelecidas;
  4. Compra de serviços: acontece quando uma empresa de capacidade saturada necessita aumentar suas atividades e buscam parceiros para que estes complementem a capacidade produtiva;
  5. Nomeação de representantes: incide quando uma empresa contrata outras para a representação nas vendas em geral;
  6. Concessão: ocorre quando uma empresa atua em nome de outra, que condiciona o uso da sua marca e comercialização dos seus produtos;
  7. Permissão: utilizada tipicamente na terceirização de serviços públicos, a permissão ocorre quando a exploração de um serviço público é repassada a uma permissionária para que esta, exclusivamente, explore o serviço;
  8. Alocação de mão-de-obra: compra ou aluguel de horas de trabalho, podendo se desenvolver como o trabalho temporário ou o sindicalizado;

Nessa linha de pensamento, a autora relata também que a empresa tomadora pode voltar seu foco apenas na produção do objeto principal, aumentando a qualidade e a produtividade, aliada à redução dos custos de produção, isto é,  na terceirização a relação é trilateral, onde o empregado presta serviços ao tomador, embora não seja seu empregado efetivo sendo que a relação de emprego é estabelecida com outro sujeito, a empresa interveniente ou fornecedora.

 

3 A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR DE SANEAMENTO E SAÚDE pÚBLICA

Na leitura de RESENDE (2014, p. 298), a terceirização desloca o foco da tradicional relação bilateral entre empregador e empregado, criando verdadeira relação trilateral, abrangendo em um dos vértices do triângulo o trabalhador, que mantém vínculo de emprego com o prestador de serviços (terceiro ou empregador aparente), mas disponibiliza o resultado de sua energia de trabalho a um tomador de serviços (empregador real) diverso do seu empregador. Desse modo, entre o prestador de serviços e o tomador de serviços há uma relação de direito civil (contrato de prestação de serviços), ou ainda uma relação administrativa (contrato administrativo), se o tomador for a Administração Pública.

Na relação com a Administração Pública, especificamente nas empresas de saneamento, há observância de princípios específicos para a prestação dos serviços, como imposição legal de eficiência, continuidade e modalidade tarifária, já que na maioria delas (sociedade de economia mista) é aplicado o princípio constitucional da eficiência ponderando-se com os demais insculpidos no art. 37 da CF/88. (CASOTTI, 2015, p. 22).

Mauricio Godinho Delgado reserva um item para tratar da terceirização especificamente na administração pública. O autor cita o artigo 37, II e §2º da CF/88 que considera nulo ato de admissão no serviço público sem a aprovação em concurso, como um obstáculo expresso ao reconhecimento de vínculo, mesmo que comprovada ilícita a terceirização. (DELGADO, 2014 p. 473)

O item II da Súmula 331 exclui a possibilidade de vínculo entre o trabalhador terceirizado e os órgãos da administração pública direta e indireta. Continuando, a redação do item III limita a terceirização aos serviços de vigilância, conservação e limpeza ou serviços especializados de atividade-meio. Acrescenta os itens IV e V que a responsabilidade, mesmo dos entes da administração pública, é subsidiária no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da terceirizada, desde que participe da relação processual e conste no título executivo judicial.

A questão da terceirização com ênfase no saneamento e na definição de atividades acessórias e suscetíveis de execução indireta foram itens relacionados e tomados por base pela Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – AESBE para a promoção de estudos sobre a matéria, além de sugerir parâmetros gerais para defesa de práticas que possam garantir a eficiência e sustentabilidade das Companhias Estaduais de Saneamento de acordo com a realidade individual e/ou regional. (CASOTTI, 2015, p. 25-26).

Isso porque algumas empresas de saneamento tem sido alvo de ações na Justiça do Trabalho em virtude de fraude e terceirização ilícita de mão-de-obra para funções consideradas essenciais da empresa. Como exemplo noticiado pelo portal G1, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp foi condenada por efetuar contratação direta, sem concurso público, gerando inclusive ação civil pública.  No inquérito promovido pelo Ministério Público do Trabalho estão contidas denúncias sobre irregularidades na terceirização de funcionários da companhia para desempenharem atividades-fim, ou seja, serviços essenciais, como leitura de hidrômetros, apuração de consumo, emissão de contas e atendimento ao cliente e atividades administrativas.[4]

Vale destacar aqui, estudo de caso intitulado de Terceirização e Parceirização de Serviços em Saneamento em Minas Gerais: Um Estudo Teórico-Empírico[5],  que investigou as diferenças qualitativas dos serviços operacionais terceirizados e não terceirizados voltados ao saneamento com atuação em Minas Gerais, a partir de uma empresa de economia mista que tinha como acionista majoritário o Governo do Estado.

Essa empresa iniciou o processo de  terceirização dos serviços operacionais no início da década de 90,  em decorrência de uma necessidade premente de pessoal e não como uma formulação estratégica de longo prazo.

Além disso, não havia critérios definidos para terceirização de serviços, onde a empresa começou o processo com as manutenções em redes de água e, posteriormente, com manutenções em redes de esgoto, entretanto com o passar do tempo adotou algumas regras para suportar os serviços terceirizados, voltadas para a contratação de serviços e obras de engenharia, fiscalização e gerenciamento de contratos. Em 2003, efetuou contração de empresa de consultoria para reestruturação organizacional, na qual foram inseridas somente recomendações metodológicas para auxiliar no processo de decisão da terceirização, sendo então adotadas pela Diretoria da empresa.

Durante o processo de apresentação, discussão e análise dos dados foram abordados também diversos pontos relevantes, onde os instrumentos utilizados para fiscalização dos serviços terceirizados eram os mesmos, diferindo-se somente em algumas atitudes gerenciais de uma unidade para a outra, relativas ao grau de fiscalização dos serviços terceirizados.

Percebeu-se que a Empresa dispunha de bons instrumentos para acompanhamento e avaliação dos serviços terceirizados, condição que distinguia a Empresa de saneamento de outras empresas, onde segundo Coopers&Lybrand apud Pagnoncelli (1993), o estabelecimento de sistemas e controles internos seria uma das dificuldades práticas para se transformar terceiro em parceiro. Observou-se também, certa fragilidade na atividade de fiscalização de campo, decorrente do número insuficiente de engenheiros fiscais, o que acarretaria vulnerabilidade em relação à qualidade dos serviços prestados.

No que concerne a área de saúde, as discussões giram em torno da participação complementar de entidades paraestatais sem fins lucrativos, tais como as Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), nos serviços de saúde pública, conforme permissivo disposto no art. 199 da CF/88, residindo na inconstitucionalidade e ilegalidade da transferência integral da saúde pública para essas entidades privadas, na medida em que CF/88 e a Lei Orgânica da Saúde de n° 8.080/1990 autorizam apenas a sua transferência complementar. (PIANETTI, 2014, p. 1).

Na leitura de PIANETTI (2014, p. 2), a Lei n° 8.080/1990 trata expressamente da complementariedade da atuação da iniciativa privada nos serviços públicos de saúde, nas hipóteses em que a estrutura pública for insuficiente para atender a população de determinada região, vedando, por consequência, sua atuação de forma substitutiva.

No entendimento de MARQUES (2003, p.4) a norma em sinaliza que para a contratação de serviço de saúde, a fim de suplementar o existente e assim conferir um melhor atendimento a população, finalidade precípua da administração pública, poderá ser adotado através da assinatura de convênio com entidade filantrópica ou sem fins lucrativos que realizará o atendimento à população. Porém,  este procedimento deverá ser iniciado a partir da realização de um certame licitatório, visando, assim, assegurar a publicidade deste ato e garantir, assim, a oferta de inúmeras propostas ao poder público e, ser escolhida a mais vantajosa.

Desta feita, o entendimento sobre a participação complementar seria para a execução de atividades classificadas como atividade-atividade da administração pública, e não daquelas classificadas como atividades-fim, onde o Estado poderia delegar, por exemplo, a prestação de serviços técnicos especializados, tais como mamografias, radiografias e exames clínicos, mas não poderia transferir a gestão completa de um hospital ou unidade de atendimento a uma entidade privada, fato que não vem ocorrendo neste ramo.

Como prova do relato acima, PIANETTI (2014, p. 2) apresenta decisão procedente e declaração de ilegalidade do ato administrativo que anulou licitação, através de Mandado de Segurança de n° 2000.001.048041-8, impetrado pelo Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro em face do Secretário Municipal de Saúde.

Na Exordial, foi alegado que a Secretaria Municipal de Saúde publicou edital de licitação para contratar entidades privadas para executarem atividades-fim do Município nas Unidades Auxiliares de Cuidados Privados (UACPC), contratação essa que afrontaria ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal da República em razão do ingresso de profissionais em cargo público sem a realização prévia de concurso.

Após recorrer da sentença, foi mantida decisão pelo Tribunal de Justiça, com afirmação de que o serviço de saúde pública é essencial e não pode ser terceirizado, sendo ainda negado em instâncias superiores que destacou a respeito da contratação por meio de concurso público e impossibilidade da prestação de serviços públicos por profissionais não concursados, tal como trecho dos acórdãos proferidos:

O serviço público de saúde não pode, e não deve ser terceirizado, admitindo o art. 197 da Constituição Federal, em caráter complementar, permitir a execução dos serviços através de terceiros. O caráter complementar não pode significar a transferência do serviço à pessoa jurídica de direito privado.” (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 445.167 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO 28/08/2012 DJe 19/09/2012)”.

 “A administração pública direta e indireta, ao prover seus cargos e empregos públicos, deve obediência à regra do concurso público. Admitem-se somente duas exceções, previstas constitucionalmente, quais sejam, as nomeações para cargo em comissão e a contratação destinada ao atendimento de necessidade temporária e excepcional.” (RE 445167 RJ RELATOR CARLOS AYRES BRITO JULGAMENTO 18/12/2009 PUBILCADO DJe 026 DIVULG 10/02/2010 PUBLIC 11/02/2010).

“[...] os cargos inerentes aos serviços de saúde, prestados dentro de órgãos públicos, por ter a característica de permanência e ser de natureza previsível, devem ser atribuídos a servidores admitidos por concurso público, pena de desvirtuamento dos comandos constitucionais referidos.
[...] é certo que o texto constitucional faculta, ao Estado, a possibilidade de recorrer aos serviços privados para dar cobertura assistencial à população, observando-se, as normas de direito público e o caráter complementar a eles inerentes. Todavia, não é essa a discussão aqui travada, mas sim, a forma como a Municipalidade concretizou o ato administrativo, emprestando-lhe característica de contratação temporária, desvirtuada do fim pretendido pelo artigo 197 da CF/88. Na hipótese, os serviços contratados não podem ser prestados em órgãos públicos, onde necessariamente, deveriam trabalhar profissionais da área de saúde, aprovados em concurso público, a teor do artigo 37, II, da CF/88 (fls. 422/423).” (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 445.167 RIO DE JANEIRO, RELATOR MIN. CEZAR PELUSO, 28/08/2012 DJe 19/09/2012)

 

Ponto também destacado, é relatado pelo Conselho Federal de Medicina CFM, sobre a terceirização do trabalho médico,  configurando um desafio ao exercício da profissão no país. Especialmente no setor público, a aprovação do Projeto de Lei PLC 30/2015 se impõe como uma ameaça e fonte de preocupação em relação ao atendimento realizado por médicos terceirizados.

Na rede pública o trabalho médico já é terceirizado de diversas formas: contratos de pessoa jurídica, cooperativas ou até sem nenhum vínculo contratual. Os vínculos de trabalho  regulados por concurso público no Sistema Único de Saúde SUS ou até mesmo pela Consolidação Leis Trabalhistas - CLT na iniciativa privada estão cada vez mais raros, segundo o CFM. A exemplo do “Programa Mais Médicos” do Governo Federal, onde o atendimento é realizado por intercambistas que trabalham sem direito a 13º salário e FGTS.

O posicionamento do CFM é contrário à prática da terceirização na prestação de serviços de saúde no setor público, que leva e continuará levando à precarização das condições de trabalho e do atendimento à população sem garantia de um serviço médico qualificado e contínuo.

No XII Encontro Nacional de Entidades Médicas realizado em 2010, a classe médica já debatia e criticava a terceirização da atividade-fim. Em evento continuado em 2013 (XIII Encontro Nacional de Entidades Médicas), a recomendação foi combater a prestação de serviço médico por meio de cooperativas, pessoas jurídicas e do programa governamental Mais Médicos, que para o vice-presidente do Conselho Regional do Rio Grande do Sul Fernando Weber, representa o “contrato de terceirização” mais expressivo do país, nessa área.

Em entrevista ao Jornal Medicina em julho de 2015, a ex ministra do STJ Eliana Calmon também faz críticas à terceirização na saúde pública. Para ela a alta rotatividade prejudica a relação médico-paciente. Segundo a ministra, o médico faz parte de um quadro, de uma equipe. Terceirizar este serviço pode ser extremamente prejudicial ao paciente. Desta forma o Estado estaria se eximindo da sua obrigação constitucional. Compromissos sociais do Estado como saúde, educação, segurança pública e justiça não podem ser terceirizados, diz Calmon.

O conselheiro do CFM da Bahia Jecé Brandão se preocupa com a aprovação do PLC 30/2015, pois acredita que a terceirização enfraquece a relação entre médico e paciente, já que propicia uma alta rotatividade entre os médicos prestadores de serviço. Para ele, “a terceirização pode ser boa para os governantes e gestores, mas é ruim para o paciente que perde acesso a um atendimento qualificado”.

As entidades médicas também acreditam que ao contrário da terceirização, a institucionalização e solidificação de carreira no setor público de saúde propiciarão um atendimento de melhor qualidade à população.   

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme examinado, apesar de condenada pela súmula 331 do TST, a terceirização de atividades-fim é recorrente na prestação de serviços de saneamento e de saúde pública. No entanto, há a possibilidade de que esta prática torne-se lícita, caso o Projeto de Lei nº 30/2015 seja aprovado.

Passados quarenta anos do início do processo de práticas de terceirização no país, percebe-se que novas reflexões sobre o tema são necessárias. Não tão somente quanto às hipóteses cabíveis, sobre vínculo empregatício no setor público, isonomia ou responsabilidade; mas também outros aspectos que sanem tantas distorções de ordem econômica, social e jurídica presentes nesta prática.

É importante destacar que na realização desse trabalho foi possível observar uma parcela de contribuição quanto à identificação de problemas e de soluções na gestão das empresas de saneamento de forma que estas possam ser aplicadas no alcance de melhorias contínuas dos serviços operacionais terceirizados, de elevarem os resultados dos indicadores de desempenho institucional, bem como  proporcionar maior satisfação aos clientes.

Vale destacar também, que o surgimento da terceirização veio para possibilitar qualidade e redução de custos, sendo necessária uma regulamentação para que as empresas possam tomar por base e criar técnicas que sejam capazes de otimizar a prestação de seus serviços, bem como obediência aos princípios constitucionais e trabalhistas, beneficiando assim todos os envolvidos.

 

 REFERÊNCIAS

 

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SILVA, Rogerio Geraldo da. A terceirização no Brasil e a Súmula 331 do TST. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 92, set 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10278>. Acesso em ago 2015.

Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha:/dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos/Secretaria Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2014.

 

[1] Paper apresentado à disciplina Direito do Trabalho da  Unidade de Ensino Superior Dom Bosco da UNDB.

[2] Alunas do 7° Período noturno do Curso de Direito da UNDB.

[3] Professor, Mestre da disciplina Direito do Trabalho de Direito UNDB.

 

[4]Fonte: G1: Portal saneamentobasico.com.br: Sabesp é condenada por fraude na terceirização de funcionário em SP. notícia veiculada em 26/08/2015.

[5]Fonte: Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 2008.