O Homem Grávido
Por Henrique Araújo | 08/06/2009 | LiteraturaO HOMEM GRÁVIDO
Trabalhei em um hospício por alguns anos como zelador de loucos. Muitos casos interessantes aconteceram comigo. No começo não gostei muito da profissão: cuidar de gente normal já é difícil, imagine cuidar de imbecis. Com o tempo fui pegando jeito e achei muito interessante o trabalho. Havia muitos loucos que eram mais inteligentes que muitos normais. É claro, existiam muitos loucos bem loucos.
Entre os diversos casos interessantes, um difere de todos os outros. Era um senhor alto, forte, moreno escuro, um pouco gordo e com a barriga um pouco acentuada.
Uma vez entrei no quarto dele para fazer uma vistoria e ele estava deitado, aliás ficava quase sempre deitado. Foi só eu entrar e ele começou uma conversa louca de louco.
- Doutor, foi bom o senhor entrar aqui. Eu estou com um problema. Tenho sentido tonturas, umas náuseas de vez em quando, uns desejos de comer coisas diferentes. Olha, doutor, pra dizer a verdade, acho que estou grávido.
- É nada, Jerônimo. Impressão sua. Você é homem e não me consta na história que algum homem já ficou grávido. É apenas indisposição passageira, logo você estará bom.
- É verdade, doutor. Não vê a minha barriga como ela está crescendo? Era tão pequenininha quando eu nasci, olha só o tamanho dela.
- É claro que sua barriga está grande, pois você está grande também, ou você queria crescer e continuar com a barriga do tempo em que nasceu?
- Mas é que sinto mexer na barriga, por dentro...
- Deve ser lombriga. Se você estiver tão ruim, vou buscar o médico.
- Só quando chegar a hora, doutor, ainda é cedo.
O homem pôs na cabeça que estava grávido e não havia meio de eu conseguir tirar aquilo. Pensei muito em ir buscar o médico, mas tentei solucionar aquele problema com calma.
- Sabe, doutor, eu fico pensando o dia inteiro se vai ser menino ou menina. O que o senhor acha que é? Eu gostaria que fosse menina. Pelo menos viria me visitar aqui de vez em quando, também nunca tive uma mulherzinha ainda.
- O senhor não tem filho algum.
- O senhor é que não sabe. Tenho quatro, todos homens, mas ninguém vem aqui me ver.
- Como é que o senhor teve estes filhos?
- Pari, ora. O senhor, que é um doutor, não sabe como é que nasce um filho?
Não tinha jeito. Eu não encontrava uma solução para o caso. Tinha que chamar o psicanalista mesmo. Só ele entenderia destas coisas, mas resolvi soltar a última cartada.
- Mas se o senhor está grávido, seu filho ou filha vai ter que ter um pai e uma mãe. Com quem o senhor se casou, com um homem ou uma mulher?
- Que pergunta mais louca, parece que o senhor está louco, doutor. É claro que eu me casei com um homem.
Essa agora. Não agüentei e comeceirir quando ele completou a frase:
- Não vê logo que sou uma mulher?
Quase engasguei com a minha própria saliva.Aquele homemes tava louco, completamente louco. Claro, era louco mesmo. Já ia saindo quando ele mudou um pouco a conversa.
- Mas confesso que não gosto muito de ser grávido não, doutor. Fico muito feia. A barriga cresce, fico desajeitada. É por isso que nem saio por aí e fico quase sempre deitada. Quando a gente passa pela rua de barriga, todo mundo olha e dá um risinho de mau gosto. Ainda mais eu que gosto de tomar uns pilequinhos de vez em quando. Já pensou eu grávida, de barriguinha e até o sapato de cachaça? Não pega muito bem, né doutor?
Dei uma bela gargalhada e pensei, graças a Deus, consegui botar o homem ao normal. Dei alguns conselhos a ele, peguei em sua mão, despedi-me, ia saindo tranqüilamente quando ele gritou:
- Quando o bebê nascer, doutor, quero que o senhor venha me visitar. Quero que o senhor seja o padrinho, compadre.
Pronto. Ia voltar a crise novamente. Saí dali correndo a procura do psicanalista, antes que o tal bebê nascesse comigo ali, ainda mais eu que nunca fiz um parto em minha vida e não entendo nada de obstetrícia.