O homem é o lobo do homem, Um relapso em Cisne Negro

Por Everton Luis Bastos | 23/03/2011 | Educação

O mal-estar na cultura (1930) ? Sigmund Freud

O homem é o lobo do homem, Um relapso em Cisne Negro


Como se sabe, a cultura humana ? me refiro a tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de suas condições animais e se distingue da vida dos bichos; e eu me recuso a separar cultura [ Kultur] e civilização [ Zivilisation] ? mostra dois lados ao observador. Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidades humanas e, por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre sí e, em especial, a divisão dos bens acessíveis.


Freud, em sua visão, não defende a divisão entre cultura e civilização e localiza o mal-estar na sociedade muito antes da construção das grandes cidades. Existe, sim, uma distinção entre homem e natureza/ animalidade que se liga à conquista da riqueza. Coloca-se, portanto, entre uma tradição que busca repensar técnicas para atingir a felicidade de uma vida.
Freud retoma, por conseguinte, à questão da religião, em sua origem através da percepção de desamparo da criança, do pressuposto analisado de que na vida psíquica, nada do que uma vez se formou pode perecer.
Um notável exemplo a ser discutido pelo autor, é sobre a reflexão comparativa entre os desígnios de uma cidade como Roma, na Itália. Imagina-se Roma com suas ruínas, esta imagem se mostra limitada, pois precisa-se imaginar uma cidade que mantenha construções de tempos diferentes. A resposta para a limitação de pensamento, precisamente encontra-se em nossa era, na qual existem instrumentos virtuais para este fim. Sendo assim, nossa vida se prolonga por causa do medo interior gerado por forças do destino. Voltando à base da religião e seu posicionamento ilimitado de teorias, é fato relatar seu projeto do sentimento do bebê sob indistinção com o amparo absoluto. Para ele, o mundo inexiste e o sentimento de felicidade originado da satisfação de um impulso selvagem, não domado pelo eu, é incomparavelmente mais intenso do que aquele que resulta da saciação de um impulso domesticado.
A nossa felicidade, segundo Freud, nada mais é do que o fato de termos escapado à infelicidade. Ainda pelo mesmo potencial humano sobre o gozo e desejo de destruição do outro, a trabalhar neste caso com a alteridade. É no sadismo que vive o caráter dúbio do ser, através de Eros e Tânatos. Tânatos remete-se ao erotismo em seu favor, satisfazendo o anseio sexual. Obtém-se, neste âmbito, uma clara observação de relação com Eros.
É relatado, contudo, o anseio e os meios que os animais-humanos desenvolveram para o enfrentamento da vida marcada pelo mal-estar e pelo satisfatório sacrifício da libido e da agressão. Enfim, na era da tecnologia ainda encontra-se uma base social deflagrada e inquieta, sob a qual a base do sentimentalismo recíproco é notabilizada. É necessário domar o nível de base para que a ponta não se corrompa. Através das palavras de Freud é possível analisar uma materialização nua sob um aspecto corrosivo da vivência humana. Há, contudo, uma base desfragmentada e incapaz de criar-se a si própria, porém, resulta como retorno válido aos que necessitam de uma urgente mudança, uma ponte que ligue a consciência moral da imagem social.
O homem destroi a si, como exemplo cito o filme lançado há pouco tempo nos cinemas; Cisne Negro, de Darren Aronofsky (2011). Nina, a bailarina protagonista vive num ambiente que se embasa entre sua psiqué infantil e sua ruptura com este mesmo mundo. É abusada por seu professor de balé, Thomas, o qual se deleita e se satisfaz em seu bel prazer. Nina desconfia de seu mundo, inventa verdade dentro de seu ser, verdades escondidas e desejos sádicos que a absorvem até às entranhas.
Seu ambiente cultural é visto, até certo ponto, como um lugar-esconderijo, ao qual Freud chamaria Behagen (sentir-se protegido). (p. 27). Sua esfera a corrompe e lhe transmite sentimentos catastróficos, dos quais ela não aprende a lidar de modo fácil. A confusão mental em Nina é o tema central do filme, na qual não se sabe ao certo o que é real ou fantasia: Espelhos, ainda sob o pensamento da alteridade, têm papel fundamental à dupla vida do ser. A busca constante pela perfeição é o ingrediente ao trunfo do roteiro da trama do objeto de estudo. O Trágico se mostra em relapso com os contos de fadas, característica explorada no balé. Existe um contraponto entre Nina e Lily, a versão negra de Nina, sua tragicidade e seu âmago.
A indiscrição humana se mostra a partir da protagonista, por um trajeto irrecíproco entre a inocência e a volúpia por um caminho que se chama desespero. Pelas notas sinestésicas românticas de Tchaikovsky, a trama se faz por uma apoteose do cinema, por uma mostra violenta, de um lesbianismo intrínseco e o sexo como direção de cada tomada de ação.
É, portanto, neste destino que Freud busca destacar o desenvolvimento do indivíduo e suas reais necessidades psíquicas. O desejo de felicidade e o desenvolvimento da cultura, ambos paralelos, descrevem que o indivíduo tem, sim, limites e que, ao jogar a felicidade a um segundo plano, condiciona-se automaticamente a uma nova realidade. Freud dá grandes pistas para pensar o gênero literário na obra. Contudo, o conflito entre o indivíduo e o mundo e ainda, o princípio da realidade, se dão como um local utópico da pós-modernidade. Esta utopia em seu modelo tornou-se impossível de se conceber unicamente. Vive de forma constante com o sujeito e o sujeito, este é seu objeto de compromisso.



1 - O mal-estar na cultura (1930) ? Sigmund Freud

2 - 1. Die Zukunft einer Illusion, in: Freud-Studienausgabe, Frankfurt/M.: Fischer Verlag, 1974, vol. IX, p.140.

3 - ultimosegundo.ig.com.br/.../cisne+negro.../n1237982376540.html