O gosto pela Filosofia Parte I

Por Márcio Issler | 06/03/2014 | Filosofia

Para ter tempo para ler um livro bem como para escrever um texto temos que dispor de tempo, e de solidão. Penso que quando não se tem o que fazer e atormentados escrevemos, eu só escrevo particularmente por este motivo. Perguntaram-me uma vez por que estudar filosofia?

Eu prontamente respondi: a filosofia veio por gosto, o gosto pelo que me causa estranheza. Adoro texto que não posso entender facilmente, e que eu possa conviver com este desentendimento, algo que se dá no encontro com o desentendimento. É como escrever, e se escrevo é porque escrever acontece. Escrever é um reescrever, processo pela busca do encontro com o próprio e com aquilo que a palavra sugerir. Isso acontece na intimidade, pois, escrever é ficar ouvindo e transcrevendo, aquilo que os fantasmas nos dizem. Existe algo mais terrível do que perceber, descobrir que em sua solidão não adianta casar, separar, chorar, ter pai, ter mãe, pintar, desenhar, comer, dormir e até mesmo escrever?

Não adianta, não adianta mesmo, tem algo em você, que você não sabe que o outro também não sabe que o outro não é você, e que você não pode trocar barganhar com ninguém, e você pode tagarelar, o dia inteiro, com todos que você encontrar, mas não adianta lá no fundo você se da conta de que só existe a morte, que um dia você vai morrer, naquela hora tenha certeza de que é só você olhando para o seu caleidoscópio. No fundo somos estilhaçados. O eu que dizemos ser romântico, sem o qual não pode ser, é como o eu é para uma mosca dentro do cosmo. É assim que me descubro, a minha mosca é uma tremenda ilusão de que o mundo possa vir a girar ao meu redor, e se você descobre que não é assim, e que você esta para a condição humana como a mosca esta para o cosmo, quanto mais será a falsidade com que você escreve  melhor será.

Imaginemos a velha lenda do sul do Brasil A Salamandra do Jarau, que ao sair da água vemos tornar-se de Salamandra uma bela Princesa moura.  Mas para que isso acontecesse foi necessário um esforço, dominar-se a si mesmo. Abra o livro de sua imaginação, encontre na TV a Cabo, canais que falem sobre história de fósseis, e verás que o fóssil comido pela terra quando encontrado quem sabe em um livro será o animal dentro da palavra e não o que costumamos ver a palavra dizendo o animal. Pulvis est.

Para alguns a palavra vem facilmente. Para mim ela é cavada como um fóssil, e a literatura o recria, recriar o fóssil, é gravar no metal, conexão esta que é a ausência da auto-experiência. Experiência metafísica, transcendental- coletiva não pensada, mas aflorado que sabe de si, mas não sabe. E você caro leitor pode ser um desses que acham que filosofia é escrita com LETRA MAIÚSCULA, que se adere a uma proposta, como estudar história da filosofia, engodo, engano seu, essa filosofia ensinada é banal como auto-ajuda, entre a verdadeira e esta ensinada por aí, existe um leque imenso, é filosofia não é pronta, lida em livros clássicos, mas é conversa, conversada, no meu não saber e no seu não saber, mediante ao descobrimento de que não sabemos e juntos criamos algo inédito, em comum e incomum, que não sabíamos e que ninguém sabia complicado, mas possível.

O que temos é que conversar de verdade enfrentando nossos saberes e não saberes. Assim enchemos o nosso livro de notas de rodapé com ensinamentos de como conversar sobre o que não sabemos. No meu caso tenho uma paixão por notas de rodapé como dizia Walter benjamim notas de rodapé estão aí para os livros como o dinheirinho aquele colocado na meia esta para as putas. Uma primeira nota explicativa seria: conversar requer reconstrução, esforço de texturas do saber. A segunda não é assistindo a novela após o jornal nacional, nem lendo qualquer coisa, que conseguiremos, assim não dá.

Ler é felicidade, a pouco terminei de reler Madame Bovary de Gustave Flaubert, onde se condensa toda a experiência que temos de leituras e escritos a um sujeito com uma vida idiota, besta, abismado com a existência, cada linha, cada palavra, foi pensada e se não foi ao menos caiu como uma luva. No entanto acho que nossa leitura hoje é de um niilismo a flor da pele, de certa forma faz parte da condição de se viver a vida besta que alguns levam fora dos livros, contudo a vida não besta é encontrada dentro dos livros.

Não poderia deixar de falar da democracia que esta aí engendrada na sociedade atual, mais do que nunca em um texto que avança rapidamente pela imprensa, como possibilidade de decifrar o mundo, esforço mediado pela contemplação como possibilidade de decifrar o mundo, no entanto ler ou escrever é que é mágico.

Hoje só se produz quase só se produz e só querem ver coisas ruins. A TV então pode ser tida como democrática transparência da sociedade, em qualquer tipo de programa. Qualquer um pode fazer parte deste mundo televisivo, basta se inscrever para os programas. E cultura onde fica a cultura?

A cultura na atualidade produz muito lixo, guerra, maldade, fúria, muito lixo mesmo. Um dos meus lazeres e se isso pode ser tido como lazer é a vida acadêmica, poder ser tido como animal academicus, e não admiro nenhum pouco alguns colegas que não se dispõe a conversação. E o desafio que se perpetua é justamente colocar ou recolocar a comunicação no seu devido lugar, recolocá-la dentro da própria mídia, com se faz necessário colocar o conhecimento dentro da academia, na atualidade tida como a petrificação deste e não um nascedouro do conhecimento.

O mundão continua nós meros seres mortais passamos a vida é dinamus. A saída é buscar a saída, postura ética, ser e não ser, somos seres humanos, peixes mergulhados na água pouco sabendo dela. Lembremos dos gregos, o ser humano não deus precário aos mitos, humano sempre tido como o não, negação do quer gostaria de ser. Experiente em erros, medíocres, porque não olharmos para o monstro que nos assombra e até colocarmos ele no colo?

Assim como não perdoamos não acolhemos o outro, vivemos então em uma guerra vendo quem ganha. E se avaliarmos o ódio pelo outro como se este ódio fosse nutrido para nós mesmos?

Mais uma vez termino falando sobre o amor uma bela invenção a capacidade de acolher o outro como possibilidade de felicidade, pois, ao acolhermos o outro, nos deparamos com nosso próprio limite, o pessimismo que me assombra, complicado, e cuidadosamente levado a termo em defesa do péssimo que seria esta a definição do mesmo, todavia até mesmo esta palavra é usada para olhar a miséria do humano, feito para morrer. E, diga-se de passagem, pessimismo é: um olhar lúcido do que vivemos. Ahhh!!! Lembro-me neste momento de Nietzsche dissertando a respeito do Amor fati, amor ao destino, passado, futuro que encarna a experiência de vida, uma busca plena de significados.

E se existe uma ordem a ordem é a vertigem.

 

 

Artigo completo: