O fundamento constitucional da coisa julgada e a segurança jurídica

Por Carla Michelle Carneiro | 13/03/2009 | Direito

O fundamento constitucional da coisa julgada e a segurança jurídica.

Carla Michelle Carneiro – Bacharelanda em direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 5o, XXXVI, a seguinte premissa: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Também a Lei de Introdução ao Código Civil, no seu art. 6o, dispõe: "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". Essa trilogia é o alicerce do ordenamento jurídico, cuja finalidade é o de assegurar a estabilidade das relações sociais no âmbito do direito. É o que se chama de segurança jurídica.

É, a coisa julgada, o instituto de maior vinculação à temática da segurança jurídica. Como o Judiciário é a última via para que os cidadãos busquem a solução para os seus conflitos no âmbito do direito, o exercício jurisdicional dota-se do predicado fundamental da definitividade, de forma a por fim às discussões relativas à titularidade ou existência de direitos e obrigações.

As decisões jurisdicionais proferidas através da sentença, a partir de determinado momento, no qual se torne impossível impugná-las, têm os seus efeitos imunizados e projetados para dentro e fora do processo. Tornam-se, pois, indiscutíveis e imutáveis, tanto para os litigantes quanto para toda a coletividade. Está vedada a sua revisão por qualquer outro órgão judiciário.

Referem-se a ato processual que pôe fim às expectativas e incertezas dos cidadãos litigantes. A imutabilidade dos julgados é interesse da ordem pública e do bem comum, cuja finalidade é a consecução da estabilidade, segurança e indeclinabilidade da tutela jurisdicional. É da conveniência social a resposta jurídica que ponha fim à discussão, ainda que a decisão proferida seja considerada injusta para alguns, sob pena de perpetuar-se o estado de angústia.

A coisa julgada é, pois, uma especial qualidade dos efeitos das decisões de mérito proferidas pelo fenômeno do julgamento. Consiste no fenômeno processual da imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, resguardada dos recursos preclusos em definitivo e dos efeitos originados do decisum produzido pelo Judiciário. Em tese, a decisão alça status de definitiva ao impossibilitar a interposição de recursos.

1. O problema das sentenças rebus sic stantibus.

Há casos de tratamento especial da coisa julgada quando as condições para a efetivação da sentença se referem a matéria infracontitucional, cuja natureza requer possibilidade de desfazimento da coisa julgada material. Nesses casos, as sentenças são dadas rebus sic stantibus, ou melhor, conforme as condições da situação no momento em que são proferidas. O desfazimento se perfaz via ação rescisória até o prazo de dois anos, improrrogáveis (art. 485 e ss.).

A coisa julgada material, que é a imutabilidade dos dispositivos da sentença e seus efeitos, torna impossível a rediscussão da lide. São repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou rejeição do pedido. Não importam os motivos que deram origem à decisão, não podem ser aduzidas novas razões para tentar-se repetir a demanda.

Assim, julgada improcedente a ação por falta de provas, transita em julgado a sentença de mérito e novas provas não possibilitarão a renovação do pedido. Gera efeito preclusivo da coisa julgada. Do mesmo modo, as sentenças sujeitas a reexame obrigatório pelo tribunal, avocadas pelo seu Presidente, ou remetidas por recurso voluntário, fazem coisa julgada depois de realizadas todas essas etapas e decorridos todos os prazos a elas pertinentes.

Exsurge a imutabilidade absoluta ou a coisa soberanamente julgada. É a eficácia da sentença assegurada em foro constitucional. De modo que, a coisa julgada não é efeito da sentença, mas uma qualidade que a torna imutável e erga omnres, quando dela não sobrevier mais possibilidade de recurso ou de reexame.

4.2A necessidade humana da segurança e sua institucionalização.

A necessidade de apanhar do ambiente um mínimo de previsibilidade para traçar planos, direcionar o modo de agir e conformar a vida segundo os interesses individuais e os do grupo, a serem sopesados, é essencialmente humana. Essa necessidade de segurança possui origem instintiva e é o elemento de precedência lógica na constituição e organização sociais. O ser humano busca o estável, o perene, algo com que possa confiar e lhe permita ter o mínimo de previsibilidade para aliviar as tensões individuais, intersubjetivas e coletivas.

O percurso da questão da segurança se perfaz com o aperfeiçoamento das instituições sociais e, por conseguinte, com o desenvolvimento do Estado. Nas relações entre os particulares é perceptível a forte imbricação entre o poder político e a segurança. Resulta disso, um fenômeno de desarmonia, na maioria das vezes, entre o processo de superposição do poder institucionalizado na sociedade e a manutenção das liberdades individuais.

Momento de grande instabilidade é hoje denominado pós-modernidade, caracterizado pela velocidade, constante dinamismo das tecnologias e volatilidade das informações. É o momento no qual não se oferecem pretensões que totalizem valores; momento pelo qual são privilegiados a heterogeneidade e o pluralismo, a fragmentação, a efemeridade e a descontinuidade. É momento gerador de forte insegurança para o homem atual que se vê preso a inúmeras incertezas e anseios.

No âmbito internacional, os conflitos ideológicos, políticos e econômicos produzem efeitos os quais se amplificam no viés da globalização. A imposição unilateral dos valores ocidentais acaba por gerar reações de extrema violência, representada pelo terrorismo internacional. Em algumas regiões do país, a violência urbana assume grandes proporções à medida que as políticas públicas, quando realizadas, não surtem os resultados desejados devido ao fator preponderante da exclusão social.

O contexto histórico atual é marcado por forte instabilidade. O resgate das discussões acerca da segurança desperta para a busca do ideal pleno de construção de um Estado Democrático de Direito. Esbarra na dimensão jurídica, pois as necessidades de segurança, não se satisfazem com a mera existência de um direito que garanta coativa e inexoravelmente o cumprimento de uma legalidade.O perfil da segurança está pautado nos direitos fundamentais consagrados na Constituição, garantidas as liberdades públicas.

4.3 As dimensões objetiva e subjetiva do princípio da segurança jurídica.

A segurança jurídica designa uma dualidade, seus aspectos objetivo e subjetivo. Deve haver uma harmonia entre eles, como parâmetro de aferição da legitimidade na incidência do princípio em questão. A iniciativa que se julgue defensora e mantenedora da ordem e da estabilidade sociais deve estar pautada nas garantias dos direitos fundamentais da ordem jurídica que consagra a segurança jurídica.

Quanto ao aspecto objetivo, a segurança jurídica é manifesta como uma exigência de regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico, por meio das normas e das instituições. A regularidade estrutural é garantia de disposição e formulação regular das normas e instituições integrantes do sistema jurídico.

Já a regularidade funcional refere-se ao cumprimento do direito por todos os seus destinatários e à devida atuação dos órgãos encarregados da sua aplicação. Isto é, ao assegurar a realização do direito mediante a sujeição de todos os poderes públicos e de todos os cidadãos ao paradigma da legalidade. Este aspecto está vinculado aos elementos objetivos da ordem jurídica e representa a garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito.

Já em sua faceta subjetiva, a segurança jurídica se apresenta como certeza do direito, ou seja, como projeção da segurança objetiva nas situações pessoais. Para isto, requer-se a possibilidade de conhecimento do direito por seus destinatários. Assegura-se-lhes o direito de saber com clareza e de antemão aquilo que lhes é mandado, permitido ou proibido, de forma que possam organizar suas condutas presentes e programar expectativas para suas atuações jurídicas futuras, sob pautas razoáveis de previsibilidade.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 4o ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA, Bruno Boquimpani. O princípio da segurança jurídica e a coisa julgada inconstitucional. http://www.mundojuridico.adv.br/htm1/artigos/documentos/texto775.htm

SILVA NETO, João Ricardo da. Coisa julgada e a instabilidade das decisões judiciais cíveis.

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto