O Funcionamento da Máquina Humana nos Desenhos de Leonardo da Vinci

Por Bruno Rafael Damasceno de Barros | 02/01/2017 | Arte

 

RESUMO

A cerca dos grandes inventores, artistas, cientistas que receberam destaque por suas produções e foram referências de avanços para a época sobre a forma de se conhecer o mundo, Leonardo Da Vinci pertence a esta lista. Sobretudo no campo da medicina, como apresentado neste trabalho, pela produção de seus desenhos anatômicos que objetivavam demonstrar muito mais do que uma grande obra para os moldes artísticos, mas a descrição detalhista, uma impressão quase real da composição humana que alcançara detalhe quase imperceptível se visualizado por um olhar comum e desinteressado das formas corporais. Este ofício de Da Vinci em que buscava retratar essencialmente os movimentos e suas causas e, associados aos seus conhecimentos da matemática, engenharia, medicina, entre outros, delegou a este polímata o reconhecimento de suas ideias inovadoras sob um novo modo de conhecer a ciência na época Renascentista.

INTRODUÇÃO

Dos séculos XIII a XVII, o homem teve que recorrer ao desenho para retratar sua viagem de descoberta rumo ao interior do corpo humano. Em 1499, os portugueses nem haviam chegado ao Brasil quando Leonardo Da Vinci começou um dos mais impressionantes levantamentos de anatomia para entender o funcionamento de órgãos, do esqueleto, dos músculos e tendões. Além de pintor, escultor, músico, cientista, arquiteto, engenheiro e inventor, ele também atuou na medicina (LAUAR, et al 2010).

Com seus estudos anatômicos, Leonardo da Vinci ultrapassou os conhecimentos dos artistas de sua época tornando-se um das vanguardas daquele tempo, pois, ao observar o interior do corpo humano, viu de perto as características dos seus músculos e dos seus órgãos vitais, e mais ainda, tentou e conseguiu entender e dar explicações lógicas sobre os seus movimentos, sobre as suas ações e sobre as suas funções (LEMOS apud Silva 2012).

Ao longo de 15 anos, Leonardo desenhou órgãos e elementos dos sistemas anatomofuncionais do corpo humano em um estudo que começou pela leitura das obras de autores da medicina pré-renascentista, como Galeno de Pérgamo, Mondino dei Luzzi e Avicena. Participou também de dissecações do corpo humano e de diversos animais. Porém, jamais terminou e publicou a obra que, segundo pesquisadores, poderia ter revolucionado a medicina mais de 20 anos antes que o belga Andreas Vesalius, considerado o “Pai da Anatomia”, publicasse seu livro “De Humani Corporis Fabrica”, em 1543, obra que marca a fase inicial dos estudos modernos sobre anatomia (LAUAR, et al 2010).

O artigo busca apresentar a contribuição de Da Vinci para a ciência moderna, principalmente para a medicina. Valorizar também o contexto histórico de um artista, que enfrentou questões religiosas e culturais que impediam o homem de explorar o próprio corpo e de entender o funcionamento da máquina humana

A ANATOMIA NA IDADE MÉDIA

A curiosidade sobre o corpo humano, seu aspecto e funcionamento sempre despertou interesse ao longo dos tempos e em diversas civilizações. A anatomia como ramo da medicina, porém enfrentou uma estagnação em seu desenvolvimento durante séculos, pois, esteve ligada principalmente às crenças da época sob o olhar de sacralidade associada ao corpo tanto pelo aspecto cultural de civilizações primitivas como os egípcios e assírios que consideravam a ideia da vida eterna e, portanto justificavam o cadáver como sendo intocável (ROMÃO, p.1) quanto ao aspecto religioso ao longo da idade média em que a imposição dos estudos de anatomia limitava o acesso às dissecações, permitidas, quase que unicamente, em animais.

As obras dos desenhos de Da Vinci sobre o aspecto anatômico expuseram um avanço frente aos estudos medicinas, sobretudo em relação ás dissecações ocorridas na Idade Média. Estas eram consideradas práticas pouco usuais por parte dos médicos da época e até mesmo repugnantes, o que limitou esse ramo da ciência avançar consideravelmente.

Ressaltando ainda que o estudo anatômico utilizando esta prática era reduzido a uma análise superficial sem o menor rigor do conhecimento a ser repassado aos alunos quando cada parte do corpo era dissecada pois, as dissecações eram feitas a público e nestas apresentações havia um professor de anatomia que lia um texto em latim além do que falava de trechos de outros livros que lembrava, enquanto que um assistente iletrado mostrava junto do cadáver as estruturas descritas no texto como é comentado no trecho abaixo:

“este deplorável desmembramento introduziu em nossas escolas o detestável procedimento hoje em voga, em que um homem faz a dissecação do corpo humano e outro lê a descrição das partes, este último empoleirado sozinho em um púlpito como uma gralha, e com um evidente ar de desprezo ambos despejam informações sobre fatos que nem eles mesmos conhecem em primeira mão, mas meramente buscam de memória de livros de outros, sendo o primeiro tão ignorante em línguas que é incapaz de explicar suas dissecções aos que o observam e remenda o que deveria exibir em acordo com a descrição do médico, que nunca coloca sua mão sobre a dissecação. Assim tudo é ensinado erroneamente, dias são perdidos em questões absurdas(...).”(Versalius apud  Kickhöfel,2011 p. 330)

Este cenário aparentemente negligente se deve ao fato de que a tradição do conhecimento da época não se preocupava em trazer à investigação sobre a prática da dissecação, mas apenas à instrução. (Siraisi apud Kickhöfel)

A aplicação dos desenhos sob o estudo da anatomia por Da Vinci eram indícios da ciência visual de Leonard da Vinci que seria conhecida, tais desenhos anatômicos procuravam representar os movimentos corporais, muitos deles elaborados das várias dissecações por ele realizadas e que contribuíram com uma nova forma de conhecer e entender o funcionamento da máquina humana revolucionando, de certa forma, os resquícios de retrocesso da ciência medieval que ainda permeavam na época.

ANATOMIA MODERNA

As bases da Anatomia como ciência foram estabelecidas por Vesalius em 1543, quando publicou os desenhos e textos que compõem a obra De humani corporis fabrica que corrigia e reformulava os conceitos e as ilustrações anatômicas da época, na busca de uma “exatidão real”. A obra de Vesalius, ao privilegiar a observação e a pesquisa, é tida como o começo da ciência moderna. Nada parecido fora visto até então. Sua maneira de conceber o corpo era totalmente nova e excepcional, a postura dinâmica das figuras, provavelmente emanadas da oficina do pintor Ticiano, demonstra a maneira como os renascentistas se libertaram das formas convencionais da arte, fazendo-a se aproximar da natureza para então explorar novos campos do saber (KRUSE, 2004).

Vesalius, um professor de anatomia, foi, depois de Modino, o primeiro estudioso da medicina a realizar uma dissecação pública com suas próprias mãos e a basear seu conhecimento anatômico na observação direta (RUPP, 1993).O valor da sua obra está em procurar confirmar aquilo que fora dito por Galeno, que constituía o saber médico greco-romano, e demonstrar suas discrepâncias, tendo por base o método da observação direta dos elementos anatômicos através da dissecação (KRUSE, 2004).

No Brasil, a Anatomia se iniciou em 1808, com a chegada da família real e a posterior fundação da Primeira Escola de Medicina do Brasil, em Salvador, Bahia. Em fevereiro de 1808, o príncipe regente D. João VI criou a primeira Escola de Cirurgia no Hospital Real de Salvador, no Terreiro de Jesus. O ensino médico da Escola de Cirurgia da Bahia foi ruim no início; os professores tinham que pedir “ferros velhos” emprestados para utilizarem como instrumentos cirúrgicos nas aulas de anatomia humana. Com influências portuguesas e francesas, a disciplina se estabeleceu com traços antiquados, porém de forma essencial aos cursos médicos e, posteriormente, a outros cursos na área de saúde (BELÉM, 2008).

Com isso, fica claro que a Anatomia não foi somente ensinada nas universidades - mas também nos hospitais, na forma de tutoria, em cursos particulares, nos teatros de dissecação - ao longo de sua jornada, o que imprimiu uma característica multifacetada a essa disciplina e uma delas é a arte.

LEONARDO DA VINCI E A ANATOMIA

Leonardo nasceu em 1452, na aldeia de Vinci, próxima a Florença, na Itália. Antes dos 18 anos, tornou-se aprendiz do artista florentino Andrea Verrochio, em sua oficina, e não demorou em ser membro da Compagnia di San Luca dos pintores florentinos (LAUAR, et al. 2010).

Na oficina de Verrocchio, Leonardo teve o aprendizado que levaria para toda vida e que fez dele. Aprendeu as técnicas da fundição e seus segredos; a partir de modelos nus e vestes drapeadas, aprendeu a preparar quadros e esculturas; aprendeu a desenhar animais e plantas, bem como, teve uma base sólida no aprendizado na perspectiva e no uso das cores (GOMBRICH, 2013).

Em suas primeiras obras independentes e mesmo nas contribuições realizadas a seu mestre Verrochio, já eram perceptíveis algumas peculiaridades que iam tornar-se características notáveis de suas obras: jogos de luz, organização espacial, perspectiva e tridimensionalidade. Tais características acompanharam Leonardo em suas principais obras, desde os rascunhos até as pinturas e esculturas (LAUAR, et al 2010).

Habituado no Renascimento, época em que o homem era tido como o centro do universo e a ciência constituía-se basicamente em matemática e medicina, Leonardo incorporou ao máximo o “homem universal” (uomo universale). Visionário, curioso e ávido por saber nos mais diversos campos, como o da pintura, arquitetura, escultura, engenharia, natureza (física e humana), anatomia e fisionomia (animal e humana), entre outros (LAUAR, et al 2010).

Até o final da Idade Média, o desenho apresentava figuras que deveriam ser adoradas, a exemplo de outras culturas do passado, mas o Renascimento alterou esse caráter e permitiu que os artistas representassem o mundo (SILVA, 2013).

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