O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Por Israel Araújo de Sousa | 20/03/2017 | Direito

AUTOR: Israel Araújo de Sousa

COAUTOR: Alexandre Leite Oliveira

 

O foro por prerrogativa de função é estabelecido como sendo uma modalidade de direito especial, no qual será devidamente disciplinado para determinados agentes em razão da função desempenhada, em que os mesmos deverão ser julgados por Tribunais específicos, estabelecendo a chamada competência em detrimento da função desempenhada pelo agente.

Segundo o entendimento apresentado por Lima (2015, p. 470) pode-se estabelecer que, essa jurisdição especial na qual é garantida a esses agentes em razão de sua função, se torna necessária para que os mesmos possam vir a desempenhar o seu trabalho na sua plenitude, afirmando nos seguintes termos:

 

Essa jurisdição especial assegurada a certas funções públicas tem como matriz o interesse maior da sociedade de que aqueles ocupam certos cargos possam exercê-los em sua plenitude, com alto grau de autonomia e independência, a partir da convicção de que seus atos, se eventualmente questionados, serão julgados de forma imparcial por um Tribunal. Como se percebe, a competência por prerrogativa de função é estabelecida não em virtude da pessoa que exerce determinada função, mas sim como instrumento que visa resguardar a função exercida pelo agente. Daí o motivo pelo qual preferimos utilizar a expressão ratione funcionae em detrimento de ratione personae.

 

Com isso, o foro por prerrogativa de função seria uma espécie de garantia para esses servidores, no sentido de propiciar uma maior segurança se por acaso vierem a ser julgados por alguma conduta, tendo em vista que, serão apreciados esses questionamentos pelo Tribunal, onde o mesmo apresenta uma presumida independência, tornando mais difícil com que seja influenciado na tomada da decisão.

O princípio da isonomia e do juiz natural que são devidamente evidenciados na própria CF/88, acaba por não serem violados em seu conteúdo material, na medida em que, o foro por prerrogativa de função é estabelecido como sendo uma prerrogativa especial determinada em razão da função desempenhada pelo agente, e não na própria pessoa, por isso, não causaria nenhuma espécie de ofensa a esses preceitos constitucionais.

O foro por prerrogativa de função se encontra diretamente interligado com a questão da competência, apresentando-se como de grande relevância a determinação de alguns aspectos tidos como essências, dentre os quais, se pode salientar que a autoridade policial não possui a competência para realizar a instauração de um indiciamento e/ou inquérito policial, de um agente no qual possua o denominado foro por prerrogativa de função, sendo necessária a ocorrência de uma prévia autorização do próprio Ministro-Relator.

O duplo grau de jurisdição é um direito garantido a todas as pessoas, entretanto, os agentes nos quais possuírem o chamado foro por prerrogativa de função não possuem o direito ao duplo grau de jurisdição. Tal fato ocorre em razão dos mesmos já terem direcionado suas ações para a competência do Tribunal, se tornando inviável o reexame da matéria por instância superior, pois no caso concreto não existiria uma determinada instância superior para o reexame da matéria, na medida em que ela passa a ser estabelecida inicialmente na própria instância superior.

Nesses termos, o duplo grau de jurisdição vem sendo conceituado como uma possibilidade em ser reexaminado de maneira integral uma sentença devidamente estabelecida na primeira instância, sendo encaminhada para um órgão diverso e superior hierarquicamente, quando comparado ao primeiro.

Uma nova possibilidade a respeito da aplicação do foro por prerrogativa de função, poderia ser evidenciada no caso em que o agente vem a cometer determinado delito antes mesmo do desempenho da função. 

Assim, até o momento em que ele são seja devidamente diplomado naquele cargo, responderá ao ilícito como sendo uma pessoa comum, mas a partir do momento em que o mesmo se encontrar diplomado, possuirá o foro por prerrogativa de função.

Nessa perspectiva, pode-se estabelecer os preciosos ensinamentos disciplinados por Lima (2015, p. 471), ao citar um exemplo sobre o procedimento realizado para os agentes com foro por prerrogativa de função, dispondo que:

 

Exemplificando, imagine-se que determinado cidadão pratique um crime de furto, instaurando-se inquérito policial perante a Polícia Civil, com subsequente denúncia oferecida ao Ministério Público Estadual perante uma vara qualquer da Justiça Estadual. Se este indivíduo for diplomado deputado federal (CF, art. 53, §1º), os autos serão automaticamente remetidos ao Supremo Tribunal Federal. Aplica-se, pois, a regra da atualidade, em virtude da qual o agente só faz jus ao foro por prerrogativa de função enquanto estiver exercendo a função. Cessada a função, cessa o direito ao foro por prerrogativa de função.

 

Os atos processuais nos quais foram praticados no momento anterior a diplomação do agente, serão perfeitamente considerados como sendo válidos, tendo em vista a observância do princípio tempus regit actum, determinado no artigo 2[1]º do CPP. Situação diferente é apresentada a partir do momento em que o agente pratica um determinado delito durante o período no qual o mesmo exerce, por exemplo, um mandato eletivo. Nessa situação, o agente causador da infração já se encontra vinculado ao cargo, possuindo o foro por prerrogativa de função, consequentemente sendo processado e julgado por o Tribunal correspondente.

Assim, é importante demonstrar que, nos casos onde o mandato eletivo venha a cessar antes mesmo do próprio julgamento, o foro por prerrogativa de função também será devidamente extinto, sendo os autos do processo remetidos para o juizado de primeiro grau, onde o mesmo será processado e julgado.

Além dessas situações, ainda pode ocorrer os casos no qual o agente vem a praticar determinado delito em momento posterior a cessação do seu mandato eletivo ou do exercício de sua função. Nessa situação, não ocorrerá nenhum foro por prerrogativa de função, tendo em vista que, o delito foi praticado depois do desempenho da atividade funcional, sendo esse o entendimento apresentado pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de sua súm. 451[2].

Por fim, ainda podemos ressalvar um caso peculiar, como acontece em razão do agente ter cometido o crime durante o período do seu exercício funcional, mas que somente veio começar a ser iniciado o inquérito policial depois de cessado o desempenho de sua função.

Nesse caso em especial, o entendimento no qual era apresentado, inclusive por meio da súmula n. 394[3], do STF, era no sentido de que mesmo sendo cessado o exercício da função no tempo de início do inquérito policial ou ação penal, tem-se que o crime foi praticado no exercício da função, por esse fato o agente ainda teria a competência especial de foro por prerrogativa de função.

Entretanto, esse entendimento foi mudado, na medida em que tal súm. foi consubstanciada como sendo inconstitucional. Nesse aspecto, isso ocasionou o fato de que todas as pessoas que antes faziam jus, nesses casos, ao foro por prerrogativa de função, tivessem os seus processos devidamente redistribuídos para os órgãos de primeiro grau.

Até houve uma tentativa de implementação do conteúdo trazido na súmula n. 394, do STF, por meio da Lei nº 10.628/2002, que alterava o teor do art. 84, do CPP, para garantir esse foro por prerrogativa de função, como bem estabeleceu Lopes Júnior (2015, p. 293) quando assevera nos seguintes termos:

 

Contudo, para surpresa da comunidade jurídica nacional, em 24 de dezembro de 2002, entra em vigor a Lei n. 10.629, alterando a redação do art. 84 do CPP, para “ressuscitar” o núcleo da extinta Súmula n. 394, logo, mantendo a prerrogativa de foro em relação aos crimes praticados durante o exercício do mandato, ainda que o inquérito ou processos sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. Mais do que isso, incluiu na prerrogativa os atos de improbidade administrativa, que agora também passavam a ser julgados no respectivo tribunal.

 

Portanto, apesar da tentativa de implementação daquele conteúdo previsto na súmula, tem-se que a mesma foi declarada como sendo inconstitucional, ficando a competência da justiça de primeiro grau, para os crimes cometidos no exercício da função, mas que somente vieram a ser iniciados os trabalhos da ação penal ou do inquérito policial, depois de cessado a atividade, não possuindo mais o agente o denominado foro por prerrogativa de função.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2015.

 

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

 

 

[1]  Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

[2] Súmula n. 451 – A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional.

[3] Súmula n. 394 – Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício.