O Fim Último da Política: Um Convite à Reflexão

Por Hermenegildo Samuel | 24/09/2020 | Filosofia

Resumo

 

No presente artigo, aborda-se a problemática da finalidade última da actividade política, procurando compreender o porquê e o para quê da mesma em si, com o intento de demonstrar que a actividade política na sua essência não é como é geralmente entendida hodiernamente, isto é, como uma actividade exclusiva aos “políticos”, uma actividade perversa, de manipulação, cuja finalidade é a conquista e retenção perpétua do poder, mas sim, é uma actividade natural ao homem que visa a realização do bem comum. No entanto, demonstra-se que não obstante, a perversão, a manipulação e a conquista do poder ser um desvio, são inerentes à própria actividade política, porque, o seu actor (o homem) é um ser limitado. No final, faz-se uma análise crítica ao exercício da actividade política em Angola.

Palavras-chave: Sociedade política. Estado. Política. Bem comum.

 

THE ULTIMATE END OF POLITICS: 

AN INVITATION TO REFLECTION

 

Abstrat

 

The present article addresses the issue of the ultimate purpose of political activity, seeking to understand its why and for what, in order to demonstrate that political activity in its essence is not as it is generally understood today - as an activity exclusively for “politicians” and therefore a perverse activity of manipulation, whose purpose is the conquest and  retain power - but rather, it is a natural human activity aimed at the realization of the common good. However, it is shown that despite perversion, manipulation and the conquest of power to be a deviation they are in itself inherent in political activity because political actors are limited beings. In the end, a critical analysis is made of the exercise of the political activity in Angola.

Keywords: Political society. State. Politics. Common good.

 

Introdução

 

            A actividade política é inerente à pessoa humana. A forma como ela é exercida, pode ou não condicionar parcialmente o processo de realização da pessoa, não simplesmente enquanto cidadã, mas também enquanto pessoa humana como tal. Por isso, a reflexão sobre a actividade política impõe-se-nos como um imperativo antropológico. O homem não se pode apartar da política, sendo ele um ser naturalmente político.

            Neste artigo, vamos reflectir sobre o fim último da política. Para o efeito, nos dedicaremos a compreender o que é a política, para que serve e o porquê da mesma, reflectindo sobre a origem do Estado enquanto sociedade política, como também, sobre a sua natureza e sobre a essência da actividade política. Para complementar este itinerário racional, no final faremos uma análise crítica ao exercício da actividade política em Angola.

 

1.      Origem do Estado

 

O Estado enquanto sociedade política, pode adoptar várias denominações, tais como, pólis, civita, entre outras. Este possui uma origem como qualquer instituição existente no cosmo cognoscível, questão que esteve sempre presente na história do pensamento humano, da antiguidade à contemporaneidade. Pensadores como Platão, Aristóteles, Hobbes, Locke, Rousseau, Rawls, entre outros, dedicaram-se a dar uma resposta à mesma. As principais foram a teoria naturalista e a contratualista.

Segundo a perspectiva naturalista, o Estado (sociedade política) é de origem natural, ou seja, é uma instituição que emana da própria natureza humana, que se instaura por meio de um processo intrinsecamente natural, como nos diz Mondin, “[…] é a própria natureza que induz o indivíduo a associar-se com outros indivíduos e a organizar-se em comunidade, em Estado.” (MONDIN, 2010, p. 137). A mesma é sustentada por vários pensadores, entre os quais, Platão, Aristóteles, Hegel e Karl Marx.

É de salientar que os naturalistas não são integralmente homogéneos, ou seja, há unanimidade em relação à origem, no sentido de que todos acreditam que o Estado (comunidade política) se constitui em função da natureza humana, mas quanto ao processo de formação, não há. Platão, por exemplo, acredita que “uma cidade tem a sua origem, […] no facto de cada um de nós não ser auto-suficiente, mas sim necessitado de muita coisa […].” (PLATÃO, Liv. II, 369, b), e explica o processo de formação do Estado dizendo: “[…] um homem toma outro para uma necessidade, e outro ainda para outra, e, como precisam de muita coisa, reúnem numa só habitação companheiros e ajudantes. A essa associação pusemos o nome de cidade [Estado/comunidade política].” (PLATÃO, Liv. II, 369, c).

Enquanto Aristóteles, acreditando que o homem é um ser naturalmente político, como escreve, “[…] o homem é, por natureza, um ser vivo político. Aquele que, por natureza e não por acaso, não tiver cidade, será um ser decaído ou sobre-humano, […].” (ARISTÓTELES, Liv. I, 1253a 5), concebe que o Estado se formou por meio de um processo natural, gradual e evolutivo que iniciou com a constituição da família que posteriormente originou a aldeia e esta o Estado (ARISTÓTELES, Liv. I, 1252b, 5- 30).

Quanto à perspectiva contratualista, o Estado originou-se por via de um contrato ou pacto social realizado entre as pessoas ou algumas pessoas que habitavam no Estado de natureza. Similares aos naturalistas, estes também não são integralmente homogéneos. Pois, divergem em muitos aspectos, entre os quais, a convivência no Estado de natureza, a realização do pacto social e os factores que suscitaram a realização do pacto social. Para Hobbes, o Estado de natureza era um Estado de guerra. Na obra Do cidadão escreve: “[…] o estado natural dos homens, antes de ingressarem em sociedade, era um estado de guerra e não uma guerra qualquer, mas sim uma guerra de todos contra todos.” (HOBBES, 2006, p. 23). Enquanto Locke, sustenta que era possível viver uma vida aceitável em tal Estado (WOLFF, 2011, pp. 32-34).

No entanto, Pensamos que ambas perspectivas contêm alguma verdade. Relativamente à primeira, é um facto que, o homem é um ser eminentemente social, porque, é na sociedade que realiza o seu processo de construção antropológico, que aprende a ser, a estar e que se desenvolve como pessoa, ou seja, o homem é um ser feito naturalmente para viver em sociedade e não pode viver fora desta. Portanto, parece-nos verídico que o processo de instauração da sociedade política ou Estado tenha ocorrido de forma natural. Dizem os antropólogos, que “a organização política é um aspecto da cultura encontrado em todos os grupos humanos, simples ou complexos.” (MARCONI; PRESOTTO, 2010, p.137). No entanto, pensamos que este processo não é integralmente natural, porque, a forma de organização da sociedade política (Estado) é um produto da construção social, embora a organização em si seja natural, ou seja, o processo de associação das famílias e a necessidade de organização desta sociedade é plenamente natural, mas a forma de organização desta sociedade não o é. O modelo de organização depende da liberdade humana, por isso é que a forma de organização dos Estados constituídos ao longo do percurso histórico da humanidade não são plenamente similares. Podemos constatar que, a forma de organização das Pólis gregas é diferente à dos Estado modernos, mesmo entre os Estados modernos há diferenças, assim como entre as Pólis gregas.

Quanto à segunda (teoria contratualista), pensamos ser lógico e verdadeiro a existência de elementos artificiais e convencionais na origem do Estado (comunidade política), porque a sua forma de organização varia de sociedade para sociedade, embora não estejamos de acordo que o Estado se tenha originado através de um pacto social, porque, a existência dum Estado de natureza parece não encontrar comprovação na realidade, não há até ao momento dados históricos, arqueológicos que o comprovam, não obstante Philippe Corcuff defender que

a dicotomia estado de natureza/ estado político não deve ser encarada como uma análise  do curso da história da humanidade, mas antes ser compreendida como um instrumento metodológico, uma aproximação dedutiva que permite pensar na realidade existente a partir de um como se, que tenta então dar conta logicamente da situação presente. (CORCUFF, 2003, pp. 32-33).

Em suma, O processo de associação, relação e integração entre as famílias e a necessidade de organização desta sociedade é natural, isto devido a natureza social do homem. No entanto, a forma de organização da sociedade é produto da construção social, é a sociedade em função das suas necessidades e interesses que determina o espaço geográfico, o modelo de governo e de governação. Portanto, o Estado (comunidade política) surge por via naturoconvencional, ou seja, natural e convencional.

 

2.      Natureza do Estado

 

Definir satisfatoriamente o conceito de Estado parece-nos ser uma tarefa árdua, porque tal conceito é assaz complexo. Bonavides conta-nos que “houve no século XIX um publicista do liberalismo — Bastiat — que se dispôs com a mais sutil ironia a pagar o prêmio de cinqüenta mil francos a quem lhe proporcionasse uma definição satisfatória de Estado.” (BONAVIDES, 2000, [s.p.]).

Não obstante a complexidade deste conceito, é possível obter-se alguma noção sobre o mesmo. Embora tal instituição tenha adquirido estruturas diferentes ao longo da história da humanidade. Não obstante isto, há alguns elementos que têm sido permanentes, entre os quais, o povo, o território e o governo, os chamados elementos constitutivos do Estado.

Nas Pólis gregas, como também nos Estados modernos, registamos a existência destes elementos, embora não sejam integralmente similares. Por exemplo, o território das pólis eram geograficamente menores relativamente aos dos Estados modernos, nestes os territórios equivalem a um país enquanto naquelas à uma cidade (província). Atenas, na Grécia antiga era um Estado, enquanto hoje é uma província do Estado grego.

Portanto, os Estados, tanto os antigos como os modernos, apesar das diferenças, têm em comum a existência dos elementos constitutivos. Por conseguinte, podemos dizer que estes são elementos integrantes da natureza do Estado (sociedade política), porque, apesar das diferentes transformações que o mesmo sofreu, tais elementos permaneceram. Todavia, parece-nos que estes não revelam a natureza, o quid do Estado na sua plenitude. Porque, como vimos, o Estado (sociedade política) é uma instituição naturoconvencional, portanto, a sua natureza deve conter também elementos puramente naturais.

Aristóteles ensina-nos que as acções humanas têm em vista um fim, um bem, dizendo que “toda a perícia e todo processo de investigação, do mesmo modo todo o procedimento prático e toda a decisão, parecem lançar-se para um certo bem.” (ARISTÓTELES, Liv. I,1094a, 1).

Isto é um facto. Pois, até mesmo as acções biológicas do homem visam um certo fim, um certo bem. Por exemplo, alimentamo-nos não simplesmente por nos alimentar, mas com finalidade de saciarmos a fome e mantermo-nos vivos.

Portanto, sendo a finalidade um elemento intrínseco à natureza humana e o Estado sendo também uma instituição humana, necessariamente deve tender para um certo fim, este, julgamos ser justamente o bem comum, como diz Aristóteles na sua obra A Política: “a finalidade e o objectivo da cidade é a vida boa [bem comum] ” (Aristóteles, Liv. III, 1280b 40) e diz também que,

[…] uma cidade não é uma comunidade de residência cujo fim seja apenas evitar a injustiça mútua e facilitar as trocas comerciais. Todas estas condições devem estar presentes para que a cidade exista; mas a sua presença não é suficiente para a constituir. O que constitui uma cidade é uma comunidade de lares e de famílias com a finalidade da vida boa e a garantia de uma existência perfeita e autónoma. (ARISTÓTELES, Liv. III, 1280b, 30)

Em suma, o Estado (sociedade política) na sua essência é uma sociedade que possui um governo e localiza-se em um determinado espaço geográfico e tem por finalidade a realização do bem comum.

 

3.      Essência da política

 

            A política, hodiernamente, é geral e erroneamente entendida como conquista, manutenção e retenção perpétua do poder, como uma actividade integralmente prescindida da ética, do bem objectivo, cujas práticas de domínio, ludíbrio, manipulação são inerentes. Pensadores como Maquiavel e Hobbes expressam claramente nos seus escritos tal concepção.

            Maquiavel, na sua famosa obra O príncipe escreve:

[…] há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antas o caminho de sua ruína do que o de sua preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. (MAQUIAVEL, 2005, pp. 90-91)

            Mas adiante diz ainda:

“ […] é necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder[…].” (MAQUIAVEL, 2005, p. 92).

            E Hobbes abordando sobre os direitos do que detém o poder supremo, o Leviatã, escreve:

            “ […] não devemos imaginar que venha a acontecer que todos os súditos em conjunto, sem nenhuma exceção, combinem-se um dia contra o poder supremo; e assim sendo, nenhum soberano tema que por algum direito possa ser destituído de sua autoridade.” (HOBBES, 2006, p. 64).

            No entanto, a política é de facto compreendida e praticada de acordo com tais perspectivas em maior parte dos Estados a nível mundial, mas o facto de ser compreendida e praticada desta forma, não significa que ela seja assim na sua essência. Até porque, é evidente que o processo associativo para a instauração do Estado visa o bem comum e não o domínio, o sofrimento, a usurpação dos nossos direitos por parte de um pequeno grupo. Ou seja, não constituímos o Estado (comunidade política) com objectivo de sofrermos, pelo contrário, constituímo-lo com objectivo de vivermos bem.

            É de referir que Hobbes, o teórico e apologista do Estado absolutista, reconhece que a instauração do Estado visa o bem. Segundo este, “[…] todo aquele que atuar contra as razões da paz em sua posição de autoridade, isto é, contra as leis da natureza, estará fazendo uso de seu poder para um objetivo que não é o da segurança do povo.” (HOBBES, 2006, p. 105).

E esclarece que

deve-se entender por segurança não a simples conservação da vida em qualquer condição, mas sim com condições e fins de felicidade. Pois livremente, os homens reuniram-se e instituíram o governo para poderem, naquilo que lhes permite sua condição humana, viver de maneira agradável. (HOBBES, 2006, p. 106).

 

            Portanto, a política na sua essência é uma actividade que consiste em criar meios para a partilha e a realização do bem comum. Todavia, o homem em função da sua fragilidade existencial não consegue realizar o bem comum na sua plenitude, por conseguinte, na vida política não é possível realizar plenamente o bem comum. No entanto, é possível realiza-lo, embora não na sua perfeição. Deste modo, a realização plena do bem comum deve funcionar como a bússola da acção política, ou seja, como o ideal normativo da actividade política.

            E sendo a política a actividade do bem comum como referimos acima, indagamo-nos sobre o porquê dela ser exercida de forma perversa?

            Cremos que o factor fundamental reside na impossibilidade cognoscitiva do sentido da existência (o homem é um ser assaz complexo, é estrangeiro em si mesmo, ou seja, não conhece quem é ele em si) e nas limitações antropológicas. Por conseguinte, o homem deixa facilmente mover-se pelo desejo egoísta, que é inerente à sua natureza, e transforma a acção política em uma actividade de domínio, manipulação para poder satisfazer os seus interesses, os seus desejos, entre os quais, o de poder, isto é, ter a possibilidade de realizar todas as suas vontades e caprichos, embora tais pareçam-nos impossíveis de se concretizar na sua plenitude.

            Portanto, o exercício da actividade política como conquista, manutenção e retenção perpétua do poder é um desvio, um erro humano que emana da impossibilidade cognoscível do sentido da existência e das limitações antropológicas e por isso, deve ser evitado nestes moldes.

 

4.      Análise crítica ao exercício da actividade política em Angola

 

            Para melhor analisarmos o exercício da actividade política no nosso país, é importante termos em conta alguns acontecimentos refentes à nossa história, como a independência e a guerra civil.

            A independência foi alcançada à meia-noite de 11 de Novembro de 1975. O processo para o seu alcance foi assaz tenso e pouco pacífico, por diversas razões, entre as quais, a inexistência de uma única política de descolonização; a ausência de união entre os principais movimentos de libertação nacional, MPLA, FNLA e UNITA; a ambição pelo poder por parte dos mesmos; o interesse e apoio dos novos decisores portugueses aos movimentos de libertação (enquanto uns desejavam que fosse o MPLA a governar, outros desejavam que fosse a FNLA e outros a UNITA); a interferência de outros países, sobretudo, das superpotências, URSS que apoiava o MPLA e EUA que apoiava a FNLA e UNITA.

            Fruto disto, e sobretudo por conta dos interesses das superpotências, a independência foi proclamada pelos três movimentos de libertação nacional. O MPLA proclamou-a em Luanda, enquanto a FNLA e a UNITA proclamaram-na juntos no Huambo. O MPLA foi reconhecido como governo legítimo, enquanto a FNLA e a UNITA dissociaram-se ainda mesmo no dia 11 (SÁ, 2011, p. 262).

            Quanto à guerra civil, esta foi consequência dos factores já mencionados. A mesma teve início, já mesmo no período pós-assinatura do Acordo de Alvor, entretanto, antes da independência. Segundo Tiago Moreira de Sá, no Acordo de Alvor definiu-se essencialmente “[…] as condições para a transferência do poder e as estruturas para o período de transição”. (SÁ, 2011, p. 140), e segundo Almeida Santos (apud SÁ, 2011, p. 142), “o Acordo de Alvor foi o que os movimentos de libertação quiseram que fosse.” Esta guerra fratricida só terminou oficialmente a 4 de Abril de 2002, com a realização do protocolo de Luena, cujos actores principais foram o Estado angolano sob liderança do presidente José Eduardo dos Santos e as forças armadas da UNITA.

            Relativamente ao exercício da actividade política, pensamos que a forma como decorreu o processo para o alcance da independência, condicionou profundamente o exercício da mesma, fazendo com que a conquista e a salvaguarda do poder fosse colocada acima do bem comum. No entanto, foi com a conquista da paz que tivemos a possibilidade de exercer a actividade política de forma livre e independente, mas o que se sucedeu é que mais uma vez os interesses individuais e particulares foram colocados acima do bem comum. Não obstante termos dado alguns passos significativos.

            No que concerne ao contexto actual, gostaríamos de olhar para os principais actores políticos: sociedade civil (o povo), deputados, partidos da oposição e o governo (poder executivo).

            Quanto à sociedade civil, parece-nos que houve alguma evolução relativamente à consciência política e cívica e por conseguinte na forma de a manifestar. Basta olharmos para as sucessivas greves que têm ocorrido. No entanto, o nível de consciência política e cívica por parte da mesma, na sua maioria ainda é muito reduzida, maior parte desta pensa que a actividade política é uma tarefa exclusiva aos partidos políticos, muitos não se consideram parte integrante da construção da comunidade política. O exercício da cidadania por parte desta, que é quase reduzida ao simples sufrágio, é geralmente norteada por princípios de adeptos de equipas de futebol, ou seja, a escolha do presidente e por conseguinte do partido que se deseja que nos governe é feita em função da simpatia por este ou aquele partido, pelos benefícios recebidos destes, por amor ao partido, por dissabores do passado e não em função do projecto de sociedade política que os mesmos apresentam.

            A Assembleia Nacional está a dar alguns passos importantes, procurando abrir-se mais à sociedade. No entanto, a nosso ver, está reduzida praticamente ao estatuto de casa das leis, não sendo ainda verdadeiramente a casa da democracia. Pois, os deputados que são os representantes legítimos do povo, conforme estabelece a nossa Constituição no seu artigo 147.º, parecem-nos ser mais representantes dos seus próprios partidos políticos do que de todo o povo. Ainda há pouca interacção entre os deputados e o povo, quase não há diálogo entre ambos e geralmente o povo desconhece quem é ou quais são os deputados que os representam nos respectivos círculos. No parlamento, geralmente os representantes do povo defendem os interesses partidários e não os do povo. Um exemplo claro é a questão da instauração das autarquias locais, o normal seria o povo a determinar o processo de implementação, mas o que se registou é que exclusivamente os partidos decidiram e para obterem adeptos ou apoiantes procuram persuadir o povo que a sua opção é a melhor e o povo com as suas deficiências políticas inseriu-se no jogo político-partidário sem se a perceber.

            Quanto aos partidos na oposição, pensamos que estão de facto a fazer alguma coisa, no entanto, parece-nos que estão mais preocupados em conquistar o poder do que trabalhar para o bem comum. Isto é notável nas suas acções e omissões, e também exercem de forma pouco intensiva a função opositora, sendo que o seu palco principal ainda é a época das eleições, que é de 5 a 5 anos conforme estabelece a Legislação Eleitoral vigente.

            O poder executivo, cujo titular é o presidente da República, nos termos do artigo 108º. da C.R.A, pensamos que está engajado na busca das soluções mais adequadas para dar resposta aos problemas. No entanto, parece-nos que ainda há alguma ausência de acções concretas capazes de dar realmente resposta a alguns problemas fundamentais da comunidade política, como por exemplo, a questão da educação, da saúde e da pobreza. O problema da educação, pensamos que não se resolve simplesmente com abertura de concursos públicos e de igual modo, o da saúde. É necessário tornar a escola, a universidade e os institutos politécnicos em locais de formação integral da pessoa humana e de incentivo ao espírito patriótico, como também é necessário que se encontrem meios para que o nosso sistema sanitário e o de ensino sejam eficazes e eficientes, que as nossas escolas e as instituições de ensino superior sejam capazes de formar homens e mulheres com capacidade de utilizarem as nossas riquezas para a fabricação de bens, de modos a reduzir a dependência económica, e também de produzir teorias que possam nortear e dar resposta aos problemas da comunidade. Em suma, é necessário colocar o homem no centro da actividade política, levando mais a sério a educação e a saúde, motores fundamentais da vida em Estado.

            Portanto, pensamos que já há alguns avanços, mas ainda estamos muito distantes da realização da actividade política como ela é em si mesma, a partilha e a realização do bem comum ainda não é um facto como tal, a conquista e manutenção do poder, os interesses individuais e particulares parecem ser ainda colocados acima do bem comum, fim último natural da actividade política.

            Por isso, nesta nova era, como é comummente chamada, embora já estejamos a caminhar de forma deficiente, devemos todos, sem excepção, governantes e sociedade civil ser protagonistas e fautores da construção do nosso futuro político. Devemos apartar-nos dos interesses individualistas, do partidarismo absoluto, dos teatros para a conquista, para a manutenção do poder e colocar a Nação acima de tudo e de todos. Quem governa deve ser um administrador e gestor da coisa pública, e quem é governado deve ser um participante activo na construção do bem comum.

 

Conclusão

 

            Nesta reflexão em busca da compreensão sobre o fim último da política, compreendemos que a origem do Estado, enquanto sociedade política, é naturoconvencional e o Estado (sociedade política) na sua essência é uma sociedade que possuí um governo e localiza-se em um determinado espaço territorial, tendo por finalidade a realização do bem comum. Consequentemente, a actividade política consiste na realização do bem comum, portanto, a política não é conquista, manutenção e retenção perpétua do poder. Isto é um desvio, um erro humano, consequente da impossibilidade cognoscível do sentido da existência e das limitações antropológicas. Por conta disto, a realização plena do bem comum é impossível ao homem, porém, é possível realizá-lo, mas não na sua plenitude.

            No final desta odisseia reflexiva, analisamos criticamente o exercício da actividade política em Angola, e compreendemos que a mesma ainda está distante do exercício da actividade política conforme ela é na sua essência, embora já se tenha dado alguns avanços.

            Em suma, o fim último da actividade política é o bem comum. Este não é um simples ideal, mas sim um real-ideal. A sua dimensão real compreende, em parte, no total das riquezas naturais (diamante, petróleo, ouro, água etc.) que um determinado Estado possui, cujos proprietários são todos os cidadãos sem excepção, ou seja, todas as riquezas que existem num determinado Estado constituem parte do bem comum.

             Enquanto a dimensão ideal consiste, em parte, em todos os proprietários (todos cidadãos, governantes e não governantes) usufruírem equitativamente de tais riquezas e dos seus frutos, como também, no desenvolvimento de uma série de meios e acções que respeitem a dignidade da pessoa humana, e por conseguinte, ajudem o homem a realizar-se enquanto pessoa humana.

 

Bibliografia

 

ARISTÓTELES. Política. Tradução de António Campelo Amaral e Carlos Gomes. [S.l]: Vega, 1998.

______. Ética a Nicómaco. Tradução, prefácio e notas de António de Castro Caeiro. 5. ed. Lisboa: Quetzal, 2015.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. Brasil: Malheiros Editores, 2000.

CORCUFF, Philippe. Filosofia Política. Tradução de Duarte da Costa Cabral. Portugal: Publicações Europa-América, 2003.

HOBBES, Thomas. Do cidadão. Tradução de Fransmar Costa Lima. São Paulo: Martin Claret, 2006.

MAQUIAVEL. O Príncipe. Brasil: Ridendo Castigat Mores, 2005.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: Uma Introdução. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MONDIN, Battista. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de J. Renard. 18. ed. São Paulo: Paulus, 2010.

PLATÃO. A República. Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

RAMPAZZO, Lino. Metodologia científica: para alunos dos cursos de graduação e pós-graduação. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015.

REPÚBLICA DE ANGOLA. Constituição. Luanda: Imprensa Nacional, 2010.

SÁ, Tiago Moreira de. Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola. Portugal: Dom Quixote, 2011.

WOLFF, Jonathan. Introdução à Filosofia Política. Tradução de Maria de Fátima S.T Aubyn. Lisboa: Gradiva, 2011.