O FIM DO PATRIARCALISMO

Por JOSE ALDYR GONCALVES | 01/11/2009 | Filosofia

O FIM DO PATRIARCALISMO

- José Aldyr Gonçalves

Fundamentado que foi em todas as sociedades contemporâneas, o patriarcalismo se caracteriza pela imposição institucional da autoridade do homem sobre a mulher e filhos, no âmbito familiar, entretanto, o recente final do milênio já marcava a contestação de suas bases fundamentais, especialmente pelos processos de transformação do trabalho feminino e pela repercussão da conscientização da mulher.

O impacto dos movimentos sociais, em particular do feminismo, nas relações entre os sexos, impulsionou o que Manuel Castells chamou de "uma poderosa onda de choque", ao se referir ao questionamento da heterossexualidade como norma, o que teria caracterizado, assim, a crise da família patriarcal.

O autor trata como crise por abordar o enfraquecimento do modelo familiar baseado na autoridade e dominação exercida pelo homem e toda a complexidade de tal realidade marcando novas estruturas de comportamento no campo político, econômico, cultural e até psicológico, principalmente nos países mais desenvolvidos da América do Norte e da Europa, mas com reflexos estatísticos em países, mesmo não industrializados, nos demais continentes.

A presença da mulher no mercado de trabalho remunerado provocou profundas transformações, sobretudo nos últimos vinte e cinco anos do século passado, quando em 1990, mais de 850 milhões delas, num total de 41% do universo de 15 anos ou mais, figuravam como economicamente ativas no mundo, respondendo por 32,1% da força de trabalho em termos globais.

O efeito globalizante do envolvimento da mulher na economia do mundo foi muito grande, sinalizando, por exemplo, que na indústria eletrônica internacionalizada de fins dos anos 60, já se empregava, na Ásia, mulheres jovens e sem qualificação profissional, enquanto novas economias industrializadas introduziam no mercado de trabalho mulheres que recebiam salários baixos em quase todos os níveis da estrutura de cargos.

Alguns fatores induziram essa explosão de contratação de mão-de-obra feminina, entre eles principalmente: a possibilidade de se pagar menos pelo mesmo trabalho; e a flexibilidade da mulher como força de trabalho, em termos de horário, tempo e entrada e saída do mercado de trabalho; ou seja, o tipo de trabalhador exigido pela economia informacional em rede que se ajusta às necessidades de sobrevivência das mulheres, às quais ainda caberia sujeitarem-se ao sistema patriarcal, aonde lhes caberia a tarefa de cuidar do lar.

A participação da mulher como contribuidora financeira do orçamento doméstico fez com que o seu poder de barganha no ambiente doméstico venha crescendo significativamente. Em conseqüência óbvia deste fato, a ideologia do patriarcalismo legitimando a dominação com base na idéia do homem como provedor da família, a quem fazia jus gozar de privilégios, ficou terminantemente abalada.

O trabalho fora de casa abriu às mulheres as portas para o mundo, ampliando-lhes as redes sociais e a solidariedade entre si, como diz o autor, preparando o solo para receber "as sementes das idéias feministas que germinavam simultaneamente nos campos dos movimentos culturais e sociais".

O movimento feminista em extremas variedades e profunda riqueza de idéias vai se expandindo a partir dos Estados Unidos, no final dos anos 60 e depois na Europa, no início da década de 70, difundindo-se pelo mundo inteiro nas duas décadas seguintes. De muitos movimentos sociais emergiram correntes que passaram a se organizar separadamente em reação à discriminação sexual e a dominação masculina. O feminismo liberal concentrou seus esforços na obtenção de direitos iguais para as mulheres; o feminismo radical participava da luta pela igualdade dos direitos, ms concentrava-se principalmente no trabalho de conscientização, organizando grupos para essa finalidade; o feminismo socialista encabeçava os movimentos anticapitalistas, empenhando-se no debate enriquecedor sobre a teoria marxista; o feminismo lesbiano, componente que mais cresceu e o mais militante, luta contra a opressão das mulheres à instituição da heterossexualidade; o feminismo essencialista proclama suas diferenças essenciais em relação a o homem e a superioridade moral e cultural da feminilidade domo modo de vida; enfim, entre meados de 70 e 90 outras diferenças foram se tornando mais relevantes para o movimento feminista, à medida que este se desenvolvia e se diversificava.

A força e a vitalidade do movimento feminista estão exatamente nessa sua diversidade e no seu poder de adaptação às culturas e às idades, transformando assim o relacionamento historicamente predominante entre espaço e tempo. A defesa dos direitos da mulher é o ponto crucial do feminismo, e nesse sentido representa uma extensão do movimento pelos direitos humanos.

Atrelados, movimentos outros, especialmente os que tratam do direito humano de escolha "a quem e como amar", trouxeram um novo panorama da identidade sexual e da personalidade para a família. A crise do patriarcalismo, induzida pela interação entre o capitalismo e tais movimentos, passou a ser inevitável e cada vez mais contundente, levando a crer que as tendências econômicas, sociais e tecnológicas encontram-se presentes no mundo inteiro, obrigando as sociedades a reconstruírem suas instituições patriarcais de acordo com as condições específicas de sua própria cultura e história.

O que está em jogo, diz o autor, não é o desaparecimento da família, mas sua profunda diversificação e mudança de sistema de poder. Casamentos tradicionais continuam e continuarão a ocorrer, embora os índices de separação e divórcios representem altos índices. O número de lares "não tradicionais" dobrou já entre as décadas entre 60 e 95, seguindo-se aí um verdadeiro leque de novos arranjos familiares que marcam a reconstrução revolucionária da sexualidade.

O autor aponta os filhos como as principais vítimas dessa transição cultural, que passam a ser cada vez mais negligenciados nas atuais condições da crise familiar, seja pela precariedade das condições materiais das mulheres que ficam com seus filhos, seja por que elas em busca da sobrevivência pessoal, começam a negligenciá-los da mesma forma que os homens.

Porém, a solução não estaria na "volta impossível" da família patriarcal obsoleta e opressiva. A reconstrução da família, em condições de igualdade e a responsabilidade das instituições públicas, assegurando-lhes apoio material e psicológico, são as medidas fundamentais para alterar a instabilidade que conduz à destruição.

Bibliografia:

CASTELLS, Manuel, A era da informação: economia, sociedade e cultura. O Poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Vol. 2. págs. 169-278.