O FENÔMENO DA SECULARIZAÇÃO E AS MUDANÇAS NA PRÁTICA RELIGIOSA

Por Epitácio Rodrigues da Silva | 26/05/2014 | Filosofia

Epitácio Rodrigues da Silva Resumo Dentre as mudanças ocorridas na relação entre a religião cristã e a sociedade civil está o que se chama genericamente de secularismo ou secularização, uma das inúmeras consequências da racionalidade moderna. Neste texto, pretende-se apresentar sumariamente o fenômeno da secularização e seus desdobramentos na prática religiosa hodierna. As questões levantadas aqui são as seguintes: a secularização representa o fim da religião? Caso a resposta seja negativa, quais os seus impactos na instituição religiosa? Trouxe algum benefício para a sociedade pós-moderna ocidental? Pós uma rápida análise de alguns autores da sociologia e filosofia, chega-se à conclusão, ainda que provisória, de que após um período de resistência e por parte de filósofos, teólogos e historiadores da Igreja, percebe-se que o secularismo trouxe algum contributo para o amadurecimento da experiência religiosa no Ocidente. Palavras-chaves: Secularização. Modernidade. Religião. Subjetivação. Introdução A experiência religiosa do Ocidente, predominantemente marcada pelo Cristianismo, carrega um misto de ambiguidade. Por um lado, somos herdeiros de inúmeros valores cujas raízes são incontestavelmente cristãs. O discurso da liberdade, a noção de esperança, a solidariedade, uma forma de amor caritas, o perdão, a dignidade humana como fim, a própria noção de direitos humanos, deve muitos à religião cristã. Por outro lado, a história ocidental também carrega uma gama de acontecimentos cujas motivações se revestem de justificativas religiosas para realizar grandes atrocidades. Em nome da fé, fez-se muitas coisas reprováveis, sob o pretexto da voluntas Dei (vontade de Deus) se dominou politica e ideologicamente, manipulou-se consciências e se oprimiu pessoas. Não por nada, as instituições religiosas criaram também seus opositores e inimigos. As multifacetadas formas de oposição desenvolveram um verdadeiro vocabulário para expressar posturas tanto reacionárias quanto revolucionárias, no qual figuram termos como agnosticismo, tibieza, ateísmo, deísmo, teísmo, niilismo, livre-pensador, secularismo, proselitismo, fanatismo, fundamentalismo. Dentre esses fenômenos, a secularização tem chamado a atenção pela ambiguidade que carrega: para uns trata-se de um acontecimento indiscutivelmente benéfico, na medida em que trouxe consigo uma libertação do homem da tutela da religião; para outros, ele gerou uma crise de referência e relativismo deixando o homem moderno sem saber como dirigir a vida humana em sociedade, pela ausência do Absoluto como fonte de referências existenciais e de valores sociais. Frente ao problema, procurar-se-á compreender o conceito e as raízes do secularismo para dele se ter um entendimento mais claro das questões e tenta chegar a um posicionamento a respeito da temática. Desenvolvimento A racionalidade moderna, indiscutivelmente, trouxe consigo uma nova forma de compreender e explicar a realidade, adotando como referência a capacidade humana de dominar teórica e praticamente o mundo, sistematizada em saberes como a Filosofia, as Ciências Naturais e a Tecnologia. Uma das consequências dessa mudança de paradigma foi o surgimento de um fenômeno denominado pelas ciências sociais e pela Filosofia como secularização. A respeito desse conceito já houve muita discussão e poucos delineamentos. Para se ter uma noção das variantes conceituais, apresentar-se-á brevemente algumas questões. A origem do termos é latina e deriva de saeculum, que significa genericamente “mundo, vida terrena”, denotando o aspecto mais profano, laico e material da realidade, sempre numa posição antagônica ao que é religioso. Morin afirma que o termo era utilizado originariamente para designar a saída de um religioso ou clérico da vida religiosa para a vida laica ou a alienação de um bem eclesiástico para o Estado (Cf. 1993, p.27). Berger lembra que, seja para designar a perda de propriedade, seja se referir ao abandono da vida religiosa, o uso da palavra secularização acarretava apenas um valor descritivo e não-valorativo. Porém, no vocabulário atual, tanto secularização tem sido empregado com uma acentuada carga ideológica e valorativa, ora positiva, ora negativa, dependendo dos interesses do grupo que a utiliza. Assim, para os anticlericais, a palavra designa o processo de libertação do homem moderno da tutela ou controle da religião, nesse sentido pode-se dizer que falar em secularização equivalente a falar de conquista da autonomia nos moldes kantiano descrito no texto O que é esclarecimento. No léxico daqueles ligados às Igrejas cristãs tradicionais, o termo tem uma carga mais negativa, indicando a descristianização, paganização e ideias congêneres (1985, pp. 117-118). Assim, frente a tanto direcionamentos conceituais, Berger define secularização no seguintes termos: Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos. Quando falamos sobre a história ocidental moderna, a secularização manifesta-se na retirada das igrejas cristãs de áreas que antes estavam sob seu controle ou influência; separação da Igreja e do Estado, expropriação das terras da Igreja, ou emancipação da educação do poder eclesiástico (BERGER, 1985, p. 119). O conceito de secularização, portanto, engloba tanto aspectos materiais econômicos, como propriedades, quanto políticos, como a diminuição da participação da Igreja no governo da sociedade e também culturais, a saber: o afastamento da religião na educação das futuras gerações e laicização dos valores religiosos. Esse conceito foi incorporado pelo discurso filosófico para designar o processo através do qual as instituições religiosas, sobretudo cristãs, no ocidente, paulatinamente, perdem o poder de influência sobre algumas esferas fundamentais da vida social (Cf. RODRIGUES, 2013). Todavia, a crescente autonomia do homem moderno em relação às instituições religiosas cristãs não representa nem o abandono de Deus, nem o desaparecimento da da religião, seja como prática, seja como instituição. O que parece ter sucedido foi um fenômeno de subjetivação da prática religiosa, relegando-a ao âmbito mais subjetivo e privado (RODRIGUES, 2013). Em se tratando das origens da secularização, não se pode atribuir a uma causa apenas, mas um complexos de movimentos de ideias e praticas sociais e econômicas que tiveram com uma das consequências esse fenômeno. No campo específico da Filosofia, pode-se mencionar algumas mudanças de mentalidade próprias da modernidade que tiveram grande influência nesse processo, dentre elas: o racionalismo cartesiano e seus desdobramentos, na medida em que enfatiza a capacidade racional do ser humano de compreender, explicar e dominar pelo conhecimento a própria natureza; o empirismo, que embora se oponha ao racionalismo, reforça a capacidade humana, ao colocar como fonte do conhecimento a experiência, entendida como contato com a realidade através dos sentidos; o iluminismo que advoga a favor da autonomia do homem na esfera politica, cultural e moral em relação à religião e a defesa dos direitos naturais do ser humano, como a liberdade, a vida, a igualdade, a propriedade. Tudo fundado numa exagerada confiança na razão; o niilismo e a sua crítica veemente aos volares e ao cristianismo, positivismo comteano e a configuração da religião como um estágio primitivo e pueril da humanidade, devendo ser superado positivo ou científico. Só para citar algumas das tendências da reflexão filosofia moderna e contemporânea que contribuíram, direta ou indiretamente para o processo de secularização da sociedade ocidental. Atualmente percebe-se sem muita dificuldade a presença dessa sociedade secularizada a partir de esferas como a política, a ética e o ciência. No campo do conhecimento, houve um o abandono do discurso teológico como base para a explicação do mundo e da realidade humana; na esfera política, deu-se o crescimento do número de estados que nas suas constituições se autoproclamaram laicos e também o abandono da monarquia referendada em concepções teocráticas como formas de governo; no campo da ética, o fortalecimento do discurso dos direitos humanos contribuiu para a consolidação de uma ética civil fundada no consenso e no contrato social e não mais em postulados religiosos como a revelação divina e outras referências de ordem religiosa (RODRIGUES, 2013). Jacques Maritain, filosofo cristão, que defende em várias obras o retorno de uma nova cristandade (cf.1967, p.148) e de um humanismo integral, lembra que “não é religião que contribui para dividir os homens e para agravar o seus conflitos e a miséria humana e a divisão interior - e acrescenta – Sem religião, certamente, seremos muito piores de quanto já o somos”(1999, p.105). É claro que, como já se afirmou a cima, a secularização não representa o fim da religião nem como instituição nem como prática, o que houve, dentre outras coisas, foi uma mudança de postura dos fiéis em relação à vivência da sua fé. Sem desaparecer as práticas sociais de culto, dê-se mais ênfase uma prática mais individual e subjetiva da religiosidade. Conclusão Sabe-se que a secularização é uma fenômeno que tem suas raízes na modernidade que é o resultado de várias correntes filosóficas e também de mudanças de mentalidade e práticas sociais, econômicas e culturais. Parece que essa é uma realidade mais presente no Ocidente e entre as comunidades cristãs. Porém, apesar de ter sido considerado uma mudança negativa e até perniciosa por pensadores, sobretudo filósofos e teólogos cristãos, passada essa primeira fase, deve-se reconhecer que a secularização também contribuiu para a revisão da própria compreensão da religião e da necessidade de se rever o ontologismo fiducial que se impunha como o princípio e o fim de todas as ações humanas. Penso que hoje, ocidente lida melhor com outras instituições e, no caso do Cristianismo, até a conviver com outras formas de expressão religiosa. Referência bibliográfica BERGER, Peter. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da Religião. São Paulo: Paulus, 1985. MARITAIN, Jacques. Sobre a Filosofia da História. São Paulo: Herder, 1967. __________, Por um Humanismo cristão (textos seletos). São Paulo: Paulus, 1999. MORIN, Dominique. Para Falar de Deus. São Paulo: Loyola, 1993. RODRIGUES, Epitácio. Religião e Secularização. Disponível em: www.filosofiaprofrodrigues.blogspot.com. 03/11/2013: acesso: 20/06/2013.

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