O extermínio da população indígena no Brasil vista a partir da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth.

Por Silvimar Eugênio Alves | 15/02/2011 | Direito

Artigo: O extermínio da população indígena no Brasil vista a partir da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth.

O extermínio da população indígena no Brasil vista a partir da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, tendo como embasamento histórico a obra de Darcy Ribeiro, "O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil".

Apresentando o tema

Pretendo no decorrer deste artigo demonstrar como a cultura européia interferiu negativamente na vida dos índios, destruindo a sua cultura, dizimando um povo legítimo de uma terra, impondo costumes tidos como superiores e de povos desenvolvidos e finalmente como tudo isso resultou num verdadeiro desastre para a população indígena ao longo dos séculos que se seguiram desde o "descobrimento".
Para demonstrar tais argumentos me utilizarei da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth buscando me pautar na célebre obra do autor Darcy Ribeiro, "O povo brasileiro", que de uma forma bastante rica em detalhes, conta como foi a formação e o sentido do Brasil, descrevendo o triste destino dos índios a partir da chegada das caravelas na costa do novo mundo.

O índio para o europeu

Com a chegada do europeu na costa brasileira, iniciou-se o processo de deculturação e destruição de uma raça que já era detentora legítima das terras que agora eram intituladas do novo mundo e pertencentes a Portugal que era tido, na comparação com o indígena aqui encontrado, como povo superior.
Como disse o professor José Luiz Quadros em palestra ministrada no "1º Seminário sobre Teoria Crítica do Direito: Reconhecimento, Redistribuição, Solidariedade e Ética", na PUC-Minas, Praça da Liberdade, todos os dias nos é contada uma história para justificar um poder, para colocá-lo como aceito, e uma história que é a realidade. A história que tenta justificar o poder do Português, que nos é contada a vida inteira desde as escolas primárias, é contada como uma bela saga de um grande navegador, Pedro Álvares Cabral, que depois de tanto navegar em direção às Índias se deparou com uma terra nova. Esse grande navegador teria então descoberto o Brasil. Fala-se em "descobrimento", mas como descobrir uma terra já descoberta e habitada? Não nos esqueçamos que os habitantes originais dessa terra eram os índios, legítimos detentores. Dessa forma, não houve descobrimento algum e toda aquela linda história contada nas escolas, não me parece realidade, pois o que aconteceu depois que o português colocou os seus pés nessas terras foi um grande genocídio, uma destruição sem precedentes de um povo, da sua cultura tida como pecaminosa pela Igreja, colocando o índio como preguiçoso, pois segundo o europeu, ele não gostava de trabalhar, juntar riquezas, só se preocupava em conseguir o necessário para a sua sobrevivência.
O europeu nunca enxergou o índio como igual, como um detentor de direitos, como uma pessoa. Ele viu o índio, desde a sua chegada como um facilitador na exploração da nova terra, como um conhecedor dos produtos das florestas, como mão de obra, as belas mulheres como forma de suavizar os seus desejos sexuais, na falta de mulheres lusitanas. O índio sempre foi usado pelo português, seja para a reprodução, seja para a guerra contra tribos tidas como inimigas e que atrapalhavam os planos mercantilistas da metrópole, seja como escravo, mas nunca visto como um indivíduo detentor de costumes próprios, legítimo dono de uma terra e das riquezas existentes nela.
Não parece tão complicado assim enxergar uma "historinha" forçada que tenta nos convencer que o conquistador europeu foi o descobridor, legítimo detentor do Brasil, de todas as riquezas aqui existentes, que a população indígena aqui estabelecida era formada por um bando de preguiçosos, atrasados, sem religião e que por tais argumentos deveriam assimilar uma nova cultura, ou serem banidos, dando lugar a uma nova civilização européia, bastante desenvolvida com suas técnicas de exploração que como pragas, em poucos séculos iriam expulsar um povo para o interior do país, acabar com seus costumes, com a sua forma sustentável de lidar com a floresta, dizimá-lo e os poucos que sobracem seriam perseguidos até que não restasse mais nenhuma aldeia que não se curvasse ao domínio português. Essa é a bela história do descobrimento na realidade. É dessa forma que o europeu via o índio.

O extermínio indígena em números

Darcy Ribeiro estima, através de uma demografia hipotética, que quando da invasão portuguesa existiam no Brasil, cerca de cinco milhões de índios. Com a chegada de uma nova população européia, no primeiro século, o índio sofreu com a dizimação pelas epidemias dos brancos e pelas guerras, configurando assim o primeiro grande impacto da civilização européia, reduzindo os índios para cerca de quatro milhões.
O genocídio seguiu nos séculos posteriores com novas epidemias, o desgaste no trabalho escravo e o extermínio pelas guerras, nas quais índios eram aliciados de suas tribos e levados a guerrear contra tribos tidas como inimigas, o que levou a mortandade e extermínio de muitas tribos e de seus costumes. Isso levou à redução dos índios, nesses primeiros séculos à cerca de um milhão.
As enfermidades desconhecidas, o engajamento compulsório como força de trabalho, as guerras promovidas pelas bandeiras que pretendiam conquistar as terras do interior do Brasil e a deculturação levaram tribos inteiras à completa extinção.
O efeito da colonização européia foi devastador para a população indígena que hoje, de acordo com dados da Funai (Fundação Nacional do Índio), está entre 450 mil e 460 mil índios. Segundo o presidente da Fundação, Mércio Pereira Gomes, "Hoje os índios são quatro vezes mais que em 1950, quando se chegou ao mínimo da população indígena brasileira", o que demonstra que desde a colonização até meados do século passado, a política de extermínio do índio era ainda muito forte, o que fez com que uma população originária estimada em cinco milhões de índios fosse reduzida à quase 100 mil integrantes.

A população indígena na atualidade

O jovem Hegel dizia que reconhecimento por reconhecimento não gera nada, antes é preciso valorizar o outro indivíduo. Como exemplo, temos ainda na nossa sociedade os elevadores de serviço para empregados que diante das leis aceitas pela sociedade são considerados sujeitos de direitos, mas que na prática não são, gerando assim um tipo de reconhecimento não recíproco, pois não são reconhecidos como iguais neste tipo de relação.
O mesmo acontece com o índio brasileiro que não é visto como integrante da população brasileira, mesmo sendo a principal matriz étnica para a constituição do que somos hoje. A sociedade diz que o aceita, usando de uma atitude politicamente correta, mas na prática o que se vê é a morosidade Estatal em conceder às poucas tribos que restaram, a posse de reservas, onde possam tentar resgatar o seu modo de vida sustentável, mesmo com toda a influência do homem branco e de todos os malefícios trazidos por sua cultura sobre a cultura indígena.
Enquanto isso, o índio vive sob a ameaça constante de grileiros, madeireiras, grandes pecuaristas e agricultores, que tentam lhes tomar as terras cedidas, e ressalte-se aqui, que o índio que era legítimo possuidor de tais terras, hoje depende de vontade política para resgatar as suas tradições, que foram arrancadas violentamente durante vários séculos de opressão.
Dessa forma, falta à sociedade brasileira, enxergar a enorme dívida que tem com o índio brasileiro, por ter lhe tomado suas terras, destruído a sua cultura, dizimado o seu povo e fazer o mínimo que pode hoje ser feito, que é garantir à população indígena restante no país, possibilidades de resgatar as suas raízes, de poder a voltar a viver em paz em suas reservas, ser vista e respeitada como integrante da população brasileira, com todos os seus direitos garantidos.

Bibliografia

Aulas ministradas pelo professor Lucas de Alvarenga Gontijo pela disciplina Filosofia do Direito, na PUC ? Minas-Praça da Liberdade.

Primeiro Seminário sobre Teoria Crítica do Direito; Reconhecimento, Redistribuição, Solidariedade e Ética - Curso de Direito - PUC ? Minas-Praça da Liberdade.

Ribeiro, Darcy; O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, Editora Companhia das Letras, 2ª edição, 14ª reimpressão, 1999.

Dados da Reportagem retirada do site www.brasiloeste.com.br : "População indígena brasileira é de cerca de 450 mil, diz presidente da Funai".