O exemplo de Bandarra
Por Germano Brandes | 28/11/2015 | ArteO exemplo do Bandarra
Além de vestígios em algumas áreas já mencionadas anteriormente, a Cabala chegou ainda a exercer poderosa e mágica influência sobre um movimento popular denominado Hassidismo, por meio do qual ela praticamente renasceu. Em verdade, a Cabala nascida intelectualmente elitista, passados vários séculos, seria transplantada para esse movimento que se produziu no meio dos judeus humildes e incultos na Europa Oriental do século XVIII, sob a inspiração de Rabi Israel Baal SchémTov (1700-1760), ou seja, o homem do Bom Nome ou da Boa Fama. Mais etimologicamente: o homem que tinha o dom de utilizar-se do Nome Divino (Shem) para fins taumatúrgicos.
Esse movimento, que representa a Cabala popular e remodelada, derrubou a concepção da existência em separado do espírito e da matéria extremamente diferentes entre si na essência. Eliminado tal dualismo, fica aberto o caminho para a interpretação desses dois elementos ditos contraditórios. O adepto do Hassidismo, com efeito, abandonou as altas regiões metafísicas do pensamento e proveu de sentido oculto do mistério da perfeição divina as ocorrências cotidianas, os objetos triviais da habitação profana e tenda do ofício.
Em verdade, Baal ShemTov transformou o Deus da Cabala manifestado através de complicadíssimas e escuríssimas dez Sefitoth, emanadas das lturas metafísicas, no Deus caseiro que pousa dentro de todas as coisas terrenas próximo do homem. Ele fez Deus descer para o cotidiano. Em decorrência, alterou-se o estilo dogmático dos antigos tratados de mística e de suas idéias paradoxais e contraditórias para uma leitura de fábulas populares e histórias fascinantes, cujos heróis não eram mais as aristocratas da erudição, mas personagens folclóricas e rica vida emotiva.
Com essa alteração na escada de valores místicos, acentuando-se-lhes os traços de intenso êxtase popular, tornou-se o Hassidismo o paraíso dos iletrados. Deus, diziam, prefere o coração do homem, isto é, a sua espontâneapiedade, à erudição estereotípica do estudo e da prece. A devoção decorrente da psicologia mística, da alma humana, elaa é que leva a Deus, e não o formalismo religioso ritual. Tais doutrinas de espiritualidade portátil se mostravam mais próprias para adoção pelas massas de judeusvida itinerantes, dadas as constantes perseguições anti-semíticas, do que o elogio da erudição, esta dependente de locais fixos de estudo estável e da posse de ricas bibliotecas. O Hassidismo, nessa sua forma de mística reinterpretada, perdura ainda em nossos dias, abrangendo círculos de fiéis.
Assim, a Cabala provou alguma capacidade de adaptação à mentalidade dos tempos, e ao grau de intelectualidade e percepção intuitivados dos grupos sociaisque vivem neles. Modernamente, é verdade, o homem não se interessa pela sua parte teosófica ou rirtualística, que é sectária e ultrapassada, mas pelas surpresas filosóficas, psicológicas e poéticas que espera no extenso conjunto de suas doutrinas.