O ETERNO RETORNO PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA FORMA DE VIVER

Por Gerdevane Silva de Jesus | 14/12/2016 | Filosofia


É em Heráclito por sua vez, que o autor de Assim falava Zaratustra reconhece um possível precursor no que diz respeito ao aspecto cosmológico da doutrina do eterno retorno. Nietzsche, de certa forma, em um aspecto um tanto tardio se considera como o "primeiro filósofo trágico", o qual deixa presente sua dúvida a Heráclito se já possuía uma "sabedoria trágica", mas ao mesmo instante levanta a suspeita de que na antiguidade grega ele poderia ter ensinado a doutrina que, após mais de dois milênios, estaria no núcleo do Zaratustra.
Mas como isso será possível? Nessa visão em que o autor pensa a possibilidade de um eterno retorno de todas as coisas, nós poderemos nos perguntar: Heráclito teria elementos suficientes para pensar a eternidade como temporal? Analisar com profundidade essa indagação significa, antes de qualquer coisa, levar em consideração uma distinção, ou seja, a hipótese nietzschiana de uma eternidade temporal, no que diz respeito à eternidade que se realiza no tempo. Coloca-se então, em uma vertente radicalmente oposta às crenças ou as concepções que pensam a eternidade como atemporal.
No primeiro ponto de vista, consideram a eternidade a partir de uma realidade de um tempo infinito, e de certa forma existe uma primazia do vir-a-ser em relação ao ser, no segundo ponto, a eternidade é compreendido como ausência de tempo e assim o que é valorizada é o ser, em consideração do vir-a-ser. Nesse ponto podemos afirmar que qualquer um dos casos, porém, o problema se apresenta em como entendemos e lidamos com a questão do tempo.
Zaratustra sendo o mestre do eterno retorno se mostra como o verdadeiro ser que assumi esta doutrina, como uma nova forma de vida. A mesma está cambiante nas quatro partes da obra. Todavia, em certos momentos, ela é colocada de forma mais clara.
A primeira colocação onde trata do eterno retorno, sem que Zaratustra, todavia possa evocá-la é o capítulo "Da Redenção" da segunda parte de Assim Falava Zaratustra. Aqui são colocadas duas concepções de temporalidade e redenção: a redenção que liberta do tempo, que vê no caráter transitório do vir-a-ser a exposição de sua falta originária e da ausência de valor da existência e sonha em se desvencilhar do tempo para reencontrar ou para reunir-se a essência imutável e a redenção do tempo. Aqui Zaratustra começa colocando, ou seja, começa falando da vontade que "quer para trás".
Muitos são os indicativos hermenêuticos que nos indicam em Schopenhauer o representante desta primeira redenção niilista marcada por um espírito de vingança contra o tempo. Schopenhauer em sua obra "O Mundo com Vontade e Representação" (2001, p.39)
cada instante da duração só existe com a condição de destruir o precedente que a engendrou, para ser, por sua vez, prontamente aniquilado; o passado e o futuro, abstração feita de sequências possíveis do que eles contêm, são coisas tão vãs dos sonhos, do mesmo modo que o presente, sem extensão e sem duração entre os dois

Em contrapartida, Nietzsche trata de denunciar esta ideia de uma temporalidade edipiana. Ressalta (2011, p.162) "tudo passa; por conseguinte tudo merece passar! E é a própria justiça, essa lei do tempo, que obriga devorar os filhos. Assim pregou a loucura". Schopenhauer por sua vez falava da existência de uma justiça eterna e da necessidade de negar a vontade de viver. Schopenhauer (2001, p.369-70)
O tribunal do universo é o próprio universo. Se fosse possível colocar numa balança, sobre um dos seus pratos todos os sofrimentos do mundo e sobre o outro todas as falsas do mundo, o ponteiro da balança permaneceria perpendicular, fixamente. Uma vez conduzidos, por nossas especulações, a ver a santidade perfeita na negação e no sacrifício de todo querer, uma libertos, graças a esta convicção, de um mundo cuja essência total se reduz para nós à dor, a última palavra da sabedoria só consiste, doravante, para nós, a nos abismar no nada
Diante dessa exposição, contrapõe Nietzsche (2011, p.162)
não se pode remover a pedra do passado: é mister que todos os castigos sejam também eternos! Assim pregou a loucura. Nenhum fato pode ser destruído: como poderia ser desfeito pelo castigo? Eis o que há de eterno no castigo da existência: a existência dever ser uma e outra, eternamente ação e dívida. A não ser que a vontade acabe por se libertar a si mesma, e que o querer se mude em não querer. Mas, irmãos vós conhecereis estas canções da loucura

Nessa exposição, perceber-se que o autor não se refere apenas tão somente a Schopenhauer mais de certo modo a toda tradição filosófica ocidental.
Foi Platão quem deu início a questão da concepção de uma eternidade atemporal. De fato, a leitura neoplatônica doTimeuacabou por cristalizar a ideia que Platão teria concebido o tempo como "a imagem móvel da eternidade" . Porém, em que sentido, aqui, os neoplatônicos já não operaram uma transposição de sentido naquilo que os gregos antigos, como o próprio Platão, concebiam pelo termo Aiôn? Na antiguidade por sua vez o Aiônnão se confundia com a eternidade, ou, em outras palavras com a atemporalidade.
Segundo Rubira (2010, p. 52) "recuperar a riqueza de sentido contido no termo após seu emprego em Platão e Aristóteles é uma tarefa bastante complexa". Todavia, um paralelismo de seu significado poderá nos ajudar a entender se em Platão ele é mesmo sinônimo de eternidade, e por que, os neoplatônicos compreenderam dessa forma, e como tal interpretação deu suporte para o desenvolvimento da concepção cristã da eternidade divina.
O "Aiôn é filho de Khonos" registrou Eurípedes em um de seus escritos. Afirma Rubira (2010, p.53) que "o jovem Nietzsche considera Eurípedes como o mais alto representante da "agonia da tragédia" pelo fato de ter abandonado Dionísio". Por outro lado, continua Rubira (2010, p.53) "é preciso reconhecer que ele ainda reteve o sentido através do qual os gregos antigos compreendiam o Aiôn". Nessa visão, quando Eurípedes escreve que o "Aiôn é filho de Khronos",a afirmação não somente demonstra que Khronos é pensado em seu caráter de ideia abstrata, mas que existe uma subordinação do Aiôn ao tempo. Ora, se existe uma subordinação, então o Aiôn possui uma estrutura que deriva do tempo. Sendo assim, voltamos à questão: o que significa o Aiôn entre os antigos helenos? Desde ponto de vista filológico, foi o comentário de um contemporâneo e opositor de Nietzsche que nos deu suporte para uma reflexão filosófica a respeito da devida questão. De fato, foi Wilamowitz Moellendorff (1848-1931) que colocou em questão a interpretação feita pelos neoplatônicos que entre os antigos o Aiôn entendesse eternidade.
Nesse sentido, elenca Rubira (2010, p.60) "Wilamowitz fez ver de que entre os antigos helenos Khronos é tempo absoluto, enquanto o Aiôn diz respeito à duração de vida de um homem ou de qualquer outro ser vivente". Dito isso, Wilamowitz nos fez entender não somente a formulação de Eurípedes, porém foi também responsável a partir dessa chave filológica que, nos domínios da hermenêutica filosófica, abriu-se a possibilidade para se pensar o significado do Aiôn em Aristóteles chegando-se a conclusão no que os antigos entendiam, ou seja, que o Aiôn significava a duração da vida individual de todo ser vivente.
Tendo em vista o que acabamos de falar Rubira (2010, p.61) acrescenta
oAiôn comporta, portanto, uma relação estreita entre tempo e vida, e é por significar "duração de vida" ou "tempo de vida" que ele possui uma estrutura que advém do tempo e subordina-se a ele. De fato, na medida em queno pensamento grego o tempo é aquele que engendra e devoram seus filhos, todas as coisas existentes estão submetidas aele.
Mas nesse sentido poderíamos nos perguntar se na época dos helenos o Aiôn possuía o sentido de duração de vida, e o que aconteceu a partir de Platão e Aristóteles para que fosse esquecido o sentido original e tomasse significado de eternidade? Bem aqui, a realidade significativa do termo começa a sobre alterações quando os filósofos começam a interpretar o significado tendo em vista a existência dos deuses, e não a dos seres humanos, ou seja, buscam uma explicação para o mesmo termo Aiôn comparando com o tempo de duração da vida dos deuses.
Em relação a essa pergunta Rubira (2010, p.64) afirma
o problema começa a despontar quando os gregos passam a pensar a "duração da vida" não somente em relação aos homens, mas também em relação aos deuses. Se o Aiôn está subordinado ao tempo, essa mesma relação não vale quando a questão é pensar o Aiôn divino, pois, mesmo que a "duração de vida" seja ilimitada, o conceito de eternidade é estranho para os gregos
Nessa questão, Homero havia dito na IIíada (1998, p.290) " os deuses estão sempre vivos", mas isso não significa, como mais tarde compreendera Aristóteles que sua existência estava fora do tempo, mas que tudo acontecida na temporalidade.
Aqui é importante ressaltar que os deuses vivem no tempo, porém não sofre a ação do mesmo, é assim que em Ésquilo afirma (2003, p.45), por Zeus ser imortal, seu reino tem uma "duração de vida sem fim", o que não quer dizer, pois, eternidade atemporal, ou seja, que a duração da vida é pensada em relação ao tempo.
Por sua vez, percebe-se que a eternidade nesse primeiro momento ainda não era entendida como realidade que se qualifica como superior ao tempo finito, ou que estava para além do tempo finito. Em contrapartida, Rubira (2010, p. 54.) afirma "essa definição encontrada no texto de Eurípedes ainda é radicalizada antagonicamente àquela que será formulada no século V da era cristã pelo neoplatônico Proculus:

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