O estágio na formação do professor: uma forma de lapidar diamantes brutos.

Por Rogério Ferreira Leite | 24/04/2010 | Crônicas

O estágio na formação do professor: uma forma de lapidar diamantes brutos.

 

            Conta-nos Rubem Alves que "O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das 'ciências da educação' não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar. Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveriam se os indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões políticas que não deveríamos tomar". E fica ecoando na nossa mente, como que se para nunca nos esquecermos: "Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem". E como fazê-los nascer preparados para enfrentar e vencer os desafios que este século nos apresenta?

            A formação de professores encontra, hoje, uma série de obstáculos que, mesmo se não consideradas as causas de ordem econômica e social, contribuem sobremaneira para degradar a condição e a atuação do professorado. São problemas diretamente ligados à sua preparação, tanto no campo científico quanto no plano pedagógico, que levam o modelo vigente de formação a não atingir plenamente seus objetivos. Dentre esses problemas, citam-se os conteúdos que o professor deveria dominar para desempenhar seu papel, condição essencial para sua qualificação profissional, pois nos cursos de licenciaturas os elementos teóricos e técnicos que lhe são repassados não são enriquecidos com a prática necessária, através da realização de estágios que lhe proporcionariam a possibilidade de aprender fazendo. Esse fato o leva somente a "conhecer, com o devido rigor, profundidade e criticidade, as condições histórico-sociais do processo educacional concreto em que vai atuar, o que o acaba levando a uma prática docente puramente técnica, mecânica, quando não tecnicista" (SEVERINO, p.76). Poderia ser diferente, porque o estágio enriquece de modo contundente a formação do professor e lhe fornece subsídios absolutamente necessários à prática docente.

            Gadotti realizou um trabalho junto aos alunos da licenciatura, na Faculdade de Educação da USP, em 2001, para identificar, na visão dos futuros professores, quais seriam os saberes necessários à profissão docente, tendo apurado que o professor deveria "ter uma concepção de educação; ter uma formação política ética, isto é, ter compromisso; respeitar as diferenças; ter uma formação continuada; ser tolerante diante de atitudes, posturas e conhecimentos diferentes; preparar-se para o erro e a incerteza; ter autonomia didático-pedagógica; ter domínio do saber específico que leciona; ser reflexivo e crítico; saber relacionar-se com os alunos; ter uma formação geral, polivalente e transversal" (p. 24).

            Mais uma vez estamos diante de evidências que nos apontam para o aperfeiçoamento do professor, desde a sua formação, através do aprendizado que lhe proporciona a realização dos estágios, o que vai introduzi-lo na realidade do universo onde desempenhará sua função, familiarizando-o com a prática docente e tornando-o melhor preparado para atuar. É aqui que vemos o processo de lapidação, quando o professor inicia a sua transformação, podendo perceber que enquanto vai sendo inserido no contexto da escola, vai adquirindo novas facetas que o irão diferenciando dos demais e contribuindo para torná-lo único. A luz do conhecimento, incidindo sobre ele, haverá de refletir-se e proporcionar aos seus educandos um espectro que só será perfeito se as faces da lapidação tiverem obedecido às mais rigorosas regras e aos mais exigentes padrões, que são estabelecidos, além da teoria, também pela qualidade dos estágios pelos quais passou.

            Eis-nos novamente a ouvir o eco das palavras de Rubem Alves: "Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem". E vemo-nos levados a buscar dentro de nós o momento do parto, o momento em que, habilmente, foi cortado o cordão umbilical para o início da vida própria. Um processo contínuo que se prolonga por toda a vida do educador e que constantemente o remete aos primórdios, fazendo vislumbrar e reviver intensamente acontecimentos que contribuíram para sua formação. Então, vem à lembrança, cada episódio que foi importante na construção de cada face, na lapidação de cada lado, processo muitas vezes dolorido e que se foi repetindo, pois conforme nos diz Paulo Freire, "a formação é um fazer permanente" e que de repente se junta a momentos remotos que nunca podem ser esquecidos e, aí, dá uma saudade que a gente não sabe explicar e se inicia um novo processo de lapidação, igualzinho no tempo do estágio.

 

ALVES, RUBEM. Conversa com educadores. Acesso realizado em 24/04/2010.

http://www.rubemalves.com.br/conversacomeducadores.htm.

GADOTTI, M. Boniteza de um sonho - ensinar-e-aprender com sentido. São Paulo: Grubhas, 2003.

SEVERINO, A. J. Preparação técnica e formação ético-política dos professores. In BARBOSA, Raquel L.L. (org.). Formação de Educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003.