O Estado e a Mulher

Por Daniel Roberto Carnecine de Oliveira | 01/12/2015 | Política

O Estado e a Mulher

*Daniel Roberto Carnecine de Oliveira

Deus enviou vários profetas à Terra e seu único filho, todos eram homens. A ignorância humana interpretou o gesto do todo poderoso como de legitimação da supremacia masculina e patriarcal. Desde então, as religiões e os costumes deram motivos à sociedade tratar a mulher como sub-humana, indigna e perigosa. A literatura que registra a intervenção estatal sobre a cidadania da mulher e suas intervenções é muito escassa, mas temos alguns fatos registrados. A começar pela Caça às Bruxas, iniciada no século XV e continuada até o século XVIII, mais intensa na Suíça, Alemanha e França, que perseguia sociedades pagãs e matriarcais. Esse fato relata que setenta e cinco por cento (75%) das vítimas foram mulheres. O simples fato de alguém adoecer na família, a culpa poderia recair sobre a mulher e esta ser condenada por bruxaria. Entre tantos outros absurdos.

A subcidadania feminina, também está relacionada aos seus direitos políticos. O direito ao voto das mulheres só foi conquistado em 1918 no Reino Unido e na França em 1945. Já no Brasil o voto feminino só foi aprovado em 1932, mas devido a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), as mulheres só voltaram a votar em 1946. 

Ao longo dos anos as mulheres conseguiram importantes conquistas, assim como o voto, também obtiveram no trabalho, na remuneração, no divórcio e na proteção, especificamente no caso de violência doméstica.

A Lei Maria da Penha, aprovada em 2006, apesar de necessitar de avanços aumentou a punição dos agressores, e recentemente foi classificada como crime de tortura. De acordo com os dados do Governo Federal, em 2012, a cada 5 minutos uma mulher é agredida, sendo que 80% dos casos, o agressor é próximo, é o marido, o companheiro ou o namorado.

Mas a questão do aborto segue numa luta constante. É importante registar, que atualmente mais de 50 países já permitem o chamado aborto voluntário, entre eles, EUA, Canadá, Cuba, Japão e China. Porém, no Brasil, o aborto é permitido apenas em três situações: quando há risco para a mulher, em caso de estupro e para fetos com anencefalia (aprovada em 2012).

Outro ponto queascendeu nos últimos dias foi o projeto de lei que veda o uso da “pílula do dia seguinte”. Contextualizando, a busca pela liberdade sexual e pelos direitos reprodutivos ganhou força a partir da década de 1960, ao surgir o primeiro anticoncepcional oral. A pílula provocou uma mudança fundamental na vida sexual feminina, e consequentemente uma drástica redução da taxa de natalidade no mundo.

 

 

No Brasil, o Projeto de Lei nº 5069 de 2013, de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), altera a Lei 12.845, de 2013, excluindo a possibilidade que a mulher receba contraceptivos de emergência (mais conhecido como pílula do dia seguinte) para evitar uma gravidez em caso de estupro. Com agravamento, o relatório elaborado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), acrescentou outros dispositivos ao projeto, praticamente inviabilizando o atendimento as mulheres vítimas de estupro que suspeitem ter engravidado, retirando do atendimento obrigatório a indicação da chamada pílula do dia seguinte. Tal fato acarretará um retrocesso as lutas feministas, pois a mulher ao ser estuprada receberá julgamento ao invés de atendimento. Além do mais, não há qualquer sustentação científica para afirmar ou fazer suspeitar que a anticoncepção de emergência seja método que resulte em aborto.

As situações só tendem a piorar, não bastava a violência velada e psicológica que as mulheres enfrentam todos os dias, agora ficam expostas por lei que cerceiam suas liberdades. O novo projeto de lei restringe o direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo, tornando-as dependentes de outros, pois elas não poderão decidir o que fazer, porque os homens já decidiram por elas ao regulamentar a lei que interfere sobre seus corpos. Temos que ter clareza, uma coisa é o papel do Estado e outra é convicção doutrinária de uma religião. Vamos separar as competências e aprofundar o debate sobre o papel de cada instituição.

Destarte, é fundamental a reflexão, ao pensar como mulher, e perceber como a sociedade é violenta, todas as horas, todos os dias, por todos os séculos, e que elas sofrem constantemente para serem simplesmente um ser humano, com suas vontades, com seus desejos e com os mesmos direitos. Percebam que a imposição do Estado na tomada de decisão sobre o rumo do corpo da mulher também afetará as mulheres que estão ao seu lado, sendo a sua mãe, a sua irmã, ou a sua companheira. Temos que entender que cada ser complementa o outro e garantir que suas liberdades individuais e decisões próprias, devem ser respeitadas. Vamos lutar constantemente para que um dia possamos tornar a sociedade igualitária, autônoma, solidária e amorosa entre os pares.

 

* Mestrando no Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos (DIVERSITAS) - Programa de Pós-graduação Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades Faculdade de - Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH/USP

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