O ESTADO BRASILEIRO: CRISE E PERSPECTIVA

Por Cleonilson Oliveira Alves | 09/06/2016 | Filosofia

 

O ESTADO BRASILEIRO: CRISE E PERSPECTIVA

                                                                                                                                                             Cleonilson Oliveira Alves[1]

  1. O estado brasileiro

     A concepção de estado pode ter inúmeras denotações nas ciências humanas; a primeira compreensão que se tem é que o estado é formado pelo conjunto das instituições (governo, forças armadas, funcionalismo público etc.) que controlam e administram uma nação, sendo estas instituições fruto da criação do próprio estado.  Em princípio esta é a compreensão mais comum e digna de plausibilidade. Porém, convém que se reflita sobre o estado a partir de outros pontos de vistas, tendo em vista que em stricto sensu a reflexão se desdobra sobre o estado brasileiro, crise politica atual e perspectivas.

     Considerado do ponto de vista jurídico, o Estado brasileiro pode ser visto sob dois aspectos diferentes: no âmbito interno e externo. No primeiro, ele diversifica-se na União, estados-membros, distrito federal e municípios, cujas esferas de competência se encontram determinadas pela Constituição[1]. Trata-se de matéria de interesse eminentemente doméstico, que não repercute nas relações exteriores do país. Pois nisso, o estado é possuidor de soberania estatal no que lhe confere qualidade de Estado de ser politicamente independente de todos os outros estados.

     No âmbito externo, o Estado brasileiro é pessoa de direito público externo, isto é, tem capacidade para contrair direitos e obrigações perante os outros Estados e os entes privados em geral. Neste caso, sendo uma personalidade do Sistema Estatal – que significa relações entre agrupamentos humanos organizados politicamente, que ocupam territórios distintos, não estão subordinados a nenhum poder ou autoridade superior e desfrutam e exerce certo grau de independência com relação aos outros estados.  Porém: Sujeito de direitos e obrigações é responsável pelos atos que pratica no plano internacional, vincula-se aos tratados celebrados e aos compromissos que venha a assumir. A situação de pessoa jurídica soberana confere-lhe independência frente aos demais Estados e o poder de declarar o direito válido no território nacional[2]. Portanto, o estado brasileiro enquanto nação soberana a partir do distrito federal exerce a hegemonia sobre todos os estados da união, tendo em vista que enquanto estado soberano de direito pode submeter ou não a balança de poder.

     No âmbito interno e externo, o estado brasileiro enquanto personalidade jurídica publica tem como dever seguir as cinco regras básicas de todos os agentes de direito internacional público que pertencem ao Sistema Estatal devendo por direito nato promover e defender; a segurança, a liberdade, a ordem, a justiça e o bem estar quer no âmbito doméstico quer na comunidade internacional. Estas são as principais razões de sua existência[3].

  1. Analise de conjuntura na ótica filosófica

     O estado brasileiro, ou seja, a República Federativa do Brasil neste ano de 2016 atravessa por uma das maiores crises politicas da história brasileira. Esta crise não é resultado de um governo, de uma forma ou sistema de governança, mas tem seus rastros nas páginas de toda a história da nação, isso se os motivos pelos quais levaram a tal crise sejam verdadeiramente verídicos a luz da consciência coletiva.

     Segundo Hegel, o estado não é vontade de alguns ou de um (em oposição a o estado absoluto), mas vontade de toda coletividade enquanto sujeitos do Estado. Do ponto de vista do filósofo o estado em si não é uma causa, mas uma consequência da organização humana, pois o mesmo é posterior a toda organização humana, tendo como seu sustentáculo a família, esta que se organizou e evoluiu para a sociedade civil burguesa e da organização desta formou o Estado:

 

     O estado é a efetividade da ideia ética, – o espirito ético enquanto vontade substancial manifesta, nítida a si mesma, que se pensa e se sabe e na medida em que sabe. No costume, ele [o Estado] tem sua existência imediata e, na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediata, assim como essa, mediante a disposição do espirito nele [o Estado], como sua essência, seu fim e seu produto de sua atividade, tem sua liberdade substancial[4].

 

     Como resultado de uma crise institucional; marcada pela corrupção, por interesses próprios, sendo estes fatores frutos de um egoísmo inveterado na consciência histórica e que persevera ainda na consciência particular de muitos que alcançam o poder, tem levado o estado brasileiro a outras crises mais profundas – que consiste da dificuldade de defender e assegurar os princípios fundamentais que são razões de ser de uma nação soberana; a segurança, a liberdade, a ordem, a justiça e o bem estar.

     A denotação de crise institucional consiste no fato de que o estado brasileiro não demonstra uma disposição de espirito no qual a ideia ética seja efetivada na consciência coletiva do povo brasileiro. Porém, o que se constata é uma miríade de razões pelas quais todos alegam possuir, embora pequem pela falta ausência do bom senso. Este fundamental para um espirito ético efetivado no estado.

      A presente análise tendo como método o cunho especulativo e filosófico arrisca-se especular a conjuntura a partir do ponto de vista filosófico denominado relativismo ético cuja argumentação consiste em relativizar toda validade dos princípios éticos em âmbito universal, e ao contrario deste, temos o objetivismo ético cuja tese visa considerar a tese relativista inconsistente e contraditória em si mesma. Isto, pelo fato de que ao afirmar que “toda verdade é relativa” acaba objetivando esta proposição para todo sujeito pensante.

     A problemática em questão dispõe-se de uma gama de ramificações argumentativas nas quais apenas algumas, fazem-se necessárias ressaltá-las, e são exatamente essas múltiplas formas de argumentos que no campo da politica do estado brasileiro permanece um paralelo de tese a antítese onde se percebe a busca de justificação e efetivação razões individuais, por outro se pretende objetar a validade destas razões, quanto a o antagonismo axiomáticos de ambas as teses devem denominá-los jogos de linguagem, isso em termos wittgensteiniano.

     Para guisa de esclarecimento, a tese relativista não é contrária á um “absolutivismo ético” propriamente dito. O que opõe as dissertações relativistas são propriamente posições objetivistas que argumentam a validade de alguns princípios universais, e com isso às vezes é denominado absolutivismo. O objetivo primordial dos relativistas é invalidar qualquer principio unívoco. Estes “concluem que não há princípios morais universalmente válidos que se aplicam em todos os lugares e em todos os tempos[5]”. Enquanto que para o objetivismo ético ramificado em duas teses, um objetivismo forte que defende que há uma moralidade nuclear verdadeira com regras morais especificas e um objetivismo fraco que sustenta a existência de uma moral núcleo[5]”. Enquanto que para o objetivismo ético ramificado em duas teses, um objetivismo forte que defende que há uma moralidade nuclear verdadeira com regras morais especificas e um objetivismo fraco que sustenta a existência de uma moral núcleo[6].

     A partir das correntes filosóficas acima elucidadas pode-se constatar que no espirito brasileiro impera o denominado subjetivismo ético enquanto vontade nacional. Porém, enquanto objetivismo ético este se faz invicto no espirito individual daqueles que constituem a coletividade do estado. Neste caso, a águia que sobrevoa e dos ares tem uma visão do todo, vê no espirito do estado um subjetivismo ético como vontade própria do mesmo, mas quando ela aterrissa constata que cada sujeito pensante pensa diferente em um mundo próprio cuja razão suprema é aquela que defende o seu próprio interesse.

 

  1. A crise politica

     Na historiografia brasileira pode sintetiza-se em “Litígios políticos internos” as causalidades tradicionalmente percebidas como determinantes para o ocaso do império. Que ao nosso ponto de vista seriam estas: a questão religiosa, a questão abolicionista, a questão republicana e a questão militar.

     Embora para alguns seja desconsiderada a questão religiosa como um exagero daquilo que não passou de uma crise política pontual e limitada no tempo, sem consequências progressivas de maior e longo prazo ou capaz de colocar a Igreja Católica em oposição ao regime monárquico, as outras três tiveram significativo impacto para o enfraquecimento da monarquia – o abolicionismo – e para a Proclamação da República – o republicanismo e o alijamento de parcela relevante das forças armadas na década de 1880. No avesso do que o senso comum tenderia a crer, a crise da monarquia brasileira foi uma crise política, desvinculada de uma crise econômica. O que não é consoante com a crise atual.

     Inúmeras outras crises de caráter econômico que se dá pelo grave desequilíbrio conjuntural entre a produção e o consumo, acarretando aviltamento dos preços e/ou da moeda, onda de falências e desemprego, desorganização dos compromissos comerciais; e ainda, na rubrica sociológica que consiste numa situação socioeconômica repleta de problemas; conjuntura desfavorável à vida material, ao bem-estar da maioria da população. De qualquer forma, ambas as conotações estão interligadas e constituem a consequência da crise politica atual do estado brasileiro.  Tendo este no momento confrontado com um cenário profundo de crise política e econômica, associado à má administração e os escândalos de corrupção do próprio governo levando o impeachment. Este que no direito constitucional consiste no processo político-criminal instaurado por denúncia no Congresso para apurar a responsabilidade, por grave delito ou má conduta no exercício de suas funções, do presidente da República[7].

     Tende em vista que tal processo tem dividido a opinião de juristas pelo país inteiro como também da própria população. Quer se trate de um fato justo ou não, somente a história julgará no futuro. Que se trate de uma crise politica e econômica, sem sobra de dúvidas todos estão de acordo, porém o estado brasileiro ao longo da história atravessa uma crise ainda maior e de caráter inveterado: crise na participação politica. Para Bittar:

 

     O descredito generalizado da politica, que se faz sentir na boca da população, que se expressa por meio dos discursos convencionais, que se constata nas pesquisas de opinião, só pode ter por nefastos efeitos:

  1. A apatia da consciência popular;
  2. A fragilização da participação politica popular;
  3. A resignação dos movimentos populares as formas pelas quais se administram os espaços públicos;
  4. A gradual abstinência das massas dos processos políticos e vitais para a comunidade;
  5.  O desmantelamento dos espaços públicos de discussão, debate e conjugação de projetos políticos e vitais para a comunidade;
  6. A erosão do exercício da fiscalizatório, papel essencial da população e da mídia no processo de construção das prioridades e finalidades do poder politico;
  7. A descaracterização de um modelo centrado na consciência coletiva e interativa para um modelo centrado na consciência individual e egoística;
  8. A falta de comprometimento e de responsabilidade do eleitorado na escolha de seus representantes políticos;
  9. A proliferação de candidatos, políticos e partidos oportunistas, com plataformas de trabalho superficiais e ilusórias, convincentes para o publico e pouco produtivas para as instituições;
  10. O desenraizamento da consciência de durabilidade e de continuidade dos processos políticos, substituídos que foram pelas noções fragmentárias das sucessões governamentais, das mudanças de governo, das gestões pontuais e das administrações fungíveis;
  11. O esvaziamento dos movimentos de pressão da sociedade civil sobre o governo[8].

 

     Neste ponto de vista fica evidentemente que a crise de conjuntura político-econômica pela qual o país atravessa é resultado de um espirito coletivo e não de um sujeito individual. Pois neste caso o erro deste é também responsabilidade daqueles. Porém, em qualquer estado e forma de governo a história testemunha que o fracasso da coletividade sempre foi atribuído ao erro de uma individualidade, este senso tem toda plausibilidade tendo em vista que a figura do “bode expiatório” sempre foi necessária para que toda a coletividade não fosse condenada pelos mesmos erros e tivessem mesmo destino. Contudo, alguém foi e é preciso para que carregue a culpa de todos.  Há perspectivas, há esperanças, pois a “crise” é uma característica do espirito humano e que resulta numa fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa.

  1. Perspectiva para uma primavera politica

     A história de um povo segue o ciclo das estações. Em concepções platônicas, podemos dizer que o estado, quer desde os seus começos, quer nas linhas essenciais do seu ulterior desenvolvimento, surge naturalmente. Não é o arbítrio que reúne os homens. Neste ponto, obedecem eles ao impulso e lei da própria natureza. Platão distingue de Hegel por não ser adepto de nenhuma teoria contratual, de acordo com a qual o Estado nasce e se forma, nas suas particularidades, em virtude do puro arbítrio da vontade.

     Contudo, na história da humanidade as grandes invenções surgiram ou da curiosidade ou da necessidade, neste caso a primeira sempre pressupõe a segunda. O espirito de superação da humanidade levou os homens às ultimas profundezas dos mares, e a conquistar longínquas alturas dos ares. O espirito da vontade move a humanidade. O Brasil superou marcantes períodos na história; desde o Período Colonial; o Processo de Independência (1808-1831); o Período Regencial (1831-1840); o Segundo Reinado (1840-1889); a Primeira República (1889-1930); a Era Vargas (1930-1945); a Experiência Democrática (1946-1964); o Regime Militar (1964-1985); a Nova República (1985-). Foram fases categóricas para a construção da identidade do estado brasileiro. E em cada período a vontade coletiva foi determinante para que futuras gerações herdassem de seus antepassados o orgulho patriótico de construir uma pátria “gingante entre as demais”.

     A hoje denominada Republica Federativa do Brasil tem como forma de governo a democracia, segundo Houaiss, este é o: “governo no qual o povo toma as decisões importantes a respeito das políticas públicas, não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios permanentes de legalidade”. Um dissenso ainda maior do ideal político Platão descobre na democracia, que é o domínio da plena liberdade no agir. "Pelo menos assim o dizem", observa Platão sarcasticamente. Plena liberdade, particularmente, porém, a da palavra. Mas não há aí nenhuma autoridade coativa, nenhum direito irrefragável; todos são iguais, e cada um pode manifestar o seu desejo, conforme lhe aprouver, como numa "praça de mercado". "Forma aparentemente ideal de constituição do Estado, sem governo, matizada, repartindo a igualdade, igualmente — entre iguais desiguais".

     A partir disso, podemos constatar que Platão muito tem de plausibilidade em suas teorias sobre a democracia. Embora, não seja tão perfeita, mas dentre as piores formas de governo ainda é a melhor segundo o senso comum. É exatamente no espírito democrático do estado brasileiro que o mesmo enfrenta uma das maiores crises de caráter político da atualidade. Em consequência disso, não havendo possibilidade de uma forma de governo ideal que substitua a forma atual, e considerando que não é o modo de governo a origem da crise; o Brasil tende a refazer a consciência coletiva que o levar-se-á para uma primavera politica não muito distante. Porém, não se sabe até quando esta durará.

  1. Conclusão

      Faz-se evidentemente necessário uma reconstrução da consciência coletiva do estado brasileiro, para que assim se possa superar o relativismo ético que resulta numa miríade de facções conceptivista que fragmenta a mentalidade da nação principalmente dos menos instruídos. Só assim, uma vez superado o subjetivismo ético alcançará o objetivismo ético onde valores morais éticos da coletividade serão súditos de todos. 

      Para isso, é preciso que jazam as mentalidades atuais, consequências de uma tradição denominada “jeitinho brasileiro” de conseguir as coisas do modo mais fácil. Pois a obtenção de uma primavera requerer-se-á “duras penas” dos que buscarão. Pois este será um dos mais laboriosos trabalhos “mudar a mentalidade de uma nação” cujos patriotas parecem não possuir identidade, e os que instruem se abstêm de instruí-los. 

      Para ilustrar, a consciência coletiva do estado brasileiro encontra se como passageiros de um navio a deriva por um oceano qualquer, porém tais passageiros não possuem a preocupação de saberem estão sendo conduzidos; eles põem toda confiança na pequena tripulação, enquanto isso, cada qual, tanto os passageiros quanto a tripulação se encontram ocupados em seus próprios interesses pessoais. Contudo, quando o mar agita, o navio começa ser banhado pelas monstruosas ondas, aí todos – sejam tripulantes ou passageiros ambos estão despertos e medrosos procurando os meios mais viáveis de salvar a “própria pele”. A tempestade passará, e será na onde todos deverão se perguntar donde estão vindos, onde estão e para onde estão indo ou querem chegar. E para isso devem permanecer juntos.

 

[1] É escritor, possui Licenciatura Plena em Filosofia, bacharelando em teologia.

 

[1] CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, texto promulgado em 05 de Outubro de 1988. Título III - Da Organização do Estado Capítulo I - Da Organização Político-Administrativa Art. 18.

[2] AMARAL JUNIOR, Alberto do. Manual do candidato: noções de direito e direito internacional. 4. ed. atual. – Brasília : FUNAG, 2012. p.40

[3] JACKSON, Robert H et al. Introdução às Relações Internacionais: teorias e abordagens. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 21

[4] HEGEL, Georg Wilheim Friedrich. Filosofia do Direito. São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2010. P.229

[5] AUDI, Robert. Dicionário de filosofia: de Cambridge. São Paulo: Paulus,2006. p.814

[6] Ibidem. p. 814

[7] DICIONARIO ELETRONICO HOUAUS DE LINGUA PORTUGUESA. São Paulo: Editora Objetiva Ltda., 2007.

[8] BITTAR, Eduardo C.B. Curso de filosofia politica. São Paulo: Atlas, 2008. p. 15-16.