O ENSINO RELIGIOSO COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Por Eliete Maria Nascimento Francisco | 14/02/2017 | Religião

O ENSINO RELIGIOSO COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL

ELIETE MARIA NASCIMENTO FRANCISCO[1]

elietemnf@hotmail.com

 

RESUMO

 

 

Sendo Ensino Religioso visto como área de conhecimento, será ele mais um importante espaço de reflexão e formação, onde o educando fomentará interações de diversas áreas de conhecimento, possibilitando assim uma formação integral, ecológica, holística, sistêmica e não mais uma formação fragmentada, dividia em áreas, vinda da escola tecnicista e do cartesianismo da ciência. O Ensino Religioso colabora com a formação integral da pessoa humana. É o Ensino Religioso uma das áreas de conhecimento sobre o fenômeno religioso, o qual estuda as diversas tradições e culturas religiosas. Pode ainda o Ensino Religioso ser um espaço de reflexão dos valores humanos, entretanto tais temas não são apenas de responsabilidade do Ensino Religioso e sim de todas as disciplinas. A inter e transdisciplinaridade podem e devem ocorrer na escola, mas com todas as disciplinas e não apenas com o Ensino Religioso. A respeito da concepção do Ensino Religioso é necessário questionar se a problemática está na própria disciplina de Ensino Religioso ou na clareza escolar, ou seja, a escola tem que ter claro se quer uma ação pastoral que é de responsabilidade da pastoral escolar ou se quer estudar o fenômeno religioso que é de responsabilidade da disciplina de Ensino Religioso.

PALAVRA CHAVE: Ensino Religioso. Professores. Formação. Educação. Transcendente.

 

O ENSINO RELIGIOSO E A PEDAGOGIA

 

 Podemos definir a educação das mais diferentes formas e com parâmetros diversos, mas, em se tratando de seu objetivo final, todas as definições convergem para o desenvolvimento pleno do sujeito humano na sociedade. É aqui onde o Ensino Religioso fundamenta a sua natureza: o homem para adquirir seu estado de realização integral necessita da perfeição religiosa, também.

 Dentre os inúmeros instrumentos de que dispõe a sociedade para alcançar tão elevado objetivo está a religião, pois somente quando se coloca a questão da transcendência, a que se denomina Deus, encontra a comunidade humana e cada uma das pessoas individualmente, respostas às perguntas fundamentais que todos se colocam diante da vida.

O Estado, a quem, hoje, se confia a educação da maior parte da sociedade, reconhece a necessidade de uma educação religiosa, sem no entanto dizer como realizá-lo. Em todo caso, ele não pode prescindir dos questionamentos fundamentais de toda pessoa humana, e que constitui o próprio fundamento da sociedade.

Ensino Religioso é a disciplina à qual se confia do ponto de vista da escola leiga e pluralista a indispensável educação da religiosidade. Aqui, já vale observar a necessidade de se superar uma posição monopolista e proselitista, para que haja uma autêntica educação da religiosidade inserida no sistema público de educação em benefício do povo.

Pela primeira vez, pessoas de várias tradições religiosas, enquanto educadores conseguiram encontrar o que há de comum numa proposta educacional que tem como objeto de estudo o transcendente. (Parâmetros Curriculares Nacionais). É certo, alguns comemoram como uma grande conquista a sua aprovação em lei, porém ninguém pode negar a complexidade e seriedade desta questão.

Então, será mesmo a aprovação do Ensino Religioso uma conquista? Ou estaria havendo, como muitos alegam uma confusão de papéis: escola/igreja, ciência/religião, público/privado?

Os problemas da carência de fundamentação nas ciências vêm reforçar o binômio fé/ciência. Portanto, qual é o fundamento, que parâmetros são tomados para a viabilização do Ensino Religioso? Esta é a questão que pretendo discutir no presente artigo, a partir da bibliografia ainda escassa, principalmente em se tratando de discussão filosófica.

 

A NATUREZA DO ENSINO RELIGIOSO

 

Para a compreensão da razão de ser do Ensino Religioso é preciso partir de uma concepção de educação que a entenda como um processo global, integral, enfim, de uma visão de totalidade que reúne todos os níveis de conhecimento, dentre os quais está o aspecto religioso.

Toda sociedade possui um ethos cultural que lhe confere um caráter todo particular, e fundamenta toda a sua organização, seja ela política, social, religiosa, etc. E não é senão a partir da compreensão desse ethos, que poderemos contribuir com as novas gerações, no seu relacionamento com novas realidades que nos são propostas: o individualismo, o descartável, a experiência religiosa sem instituição etc.

O conhecimento religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita estar à disposição na Escola. Em vista da operacionalização deste processo, o Ensino Religioso tem se caracterizado pela busca de compreensão desse sujeito, explorando temas de seu interesse, de forma interdisciplinar, com estratégias que considerem este novo perfil de indivíduos, estimulando, sobretudo, o diálogo.

 A antropologia cultural, depois de muitos estudos históricos, deu ao fenômeno religioso o reconhecimento de seu caráter universal. Fato este, que nos leva a um reconhecimento ainda maior da originalidade deste fenômeno em e de cada cultura em específico.

 A religião nasceu a partir do fenômeno morte. A angústia existencial que necessita de uma resposta, ao longo da história da humanidade conseguiu elaborar, basicamente quatro respostas: a Ressurreição, a Reencarnação, o Ancestral, o Nada.

Aqui, é preciso deixar muito claro que o Ensino Religioso não pretende ser nenhuma experiência de fé, mas que precisa se manter para a sua própria razão de ser, sob o fundamento do conhecimento.

 

A DIMENSÃO PEDAGÓGICA

 

A partir de uma abordagem antropológica filosófica, que reconhece o fenômeno religioso como decorrência de sua propriedade humana, de sua condição existencial, e seguindo para uma abordagem mais específica e de nossos interesses que é a de ordem pedagógica, podemos dizer que o específico do religioso para o Ensino Religioso é ajudar o aluno a se posicionar e a se relacionar da melhor forma possível com as novas realidades que o cercam. Primeiramente em relação aos seus limites e depois quanto às linguagens simbólicas.

O Ensino Religioso é, portanto, uma questão diretamente ligada à vida, e que vai se refletir no comportamento, no sentido que orienta a sua ética.

"[...] Na medida em que as religiões tenderam a se institucionalizar e a se tornarem organizações públicas, mantidas e presididas pelo rei ou sustentadas oficialmente como um bem do Estado, pela comunidade política, introduziu-se uma distinção, mais ou menos perversa, entre ética, regulada pela fidelidade dos cidadãos aos costumes e bens da comunidade política, e a religião, cujas práticas eram ditadas pela fidelidade aos ritos e celebrações, independentemente da qualidade ética, tanto dos cidadãos como dos sacerdotes que os presidiam." (Catão, p. 44).

 

Essa dicotomia entre religião e vida marcou muito fortemente a religião, tornou-se um dos mais graves problemas do cristianismo latino-americano, como identificou o episcopado católico em Santo Domingo, em 1992.

Tudo isto, ilustra um pouco da necessidade e a seriedade para se orientar a formação de um profissional que ainda não temos. Este, deverá estar capacitado, qualificado por uma visão e atuação muito maior que mostrou possuir a prática até hoje, e no qual o conteúdo deixe de ser quase que exclusivamente uma reflexão de valores, mas possa explicitar áreas específicas do conhecimento religioso.

Houve avanços quanto ao direcionamento pedagógico desde as reflexões e lutas pela inserção do Ensino Religioso, garantida na constituição Federal, em 1987/1988.

"[...] – O Ensino Religioso ocupa-se com a educação integral do ser humano, com seus valores e suas aspirações mais profundas. Quer cultivar no ser humano as razões mais íntimas e transcendentais, fortalecendo nele o caráter de cidadão, desenvolvendo seu espírito de participação, oferecendo critérios para a segurança de seus juízos e aprofundando as motivações para a autêntica cidadania".

 

Todavia, a inquietação do "como fazer" ainda continua sendo crucial.

 A sala de aula não pretende ser uma comunidade de fé, mas um espaço privilegiado de reflexão sobre limites e superações. Isto implica a necessidade de se construir uma pedagogia que favoreça tal perspectiva, porque o que objetivamos é fruto de uma experiência pessoal, na incansável busca de respostas par as questões existenciais. É preciso interpenetrar teoria e prática.

Nesse processo, a elaboração de uma linguagem simbólica favorece a descoberta e experiência dessa realidade, portanto, podemos considerar quanto aos aspectos essenciais que orientam a ação pedagógica do Ensino Religioso a pedagogia do limite, a linguagem simbólica, os livros sagrados, e a dimensão dos valores.

A prática vai se efetivar na ordem da linguagem simbólica, procurando desenvolver o educando na capacidade de decifrar a linguagem simbólica e na compreensão das experiências do transcendente.

  

      

O ENSINO RELIGIOSO E ÉTICA

 

 

Muitos - sem compreender sua dimensão específica - questionam: "para quê o Ensino Religioso se já temos a Ética como um dos Temas Transversais, com todo um conteúdo?". A própria história do Ensino Religioso nos mostra que a Ética até há poucos foi o principal objeto do Ensino Religioso, quando não uma doutrinação religiosa. Nesta perspectiva, precisamos compreender com clareza de que ética se está falando.

"[...] Toda religião comporta uma ética e toda ética desemboca numa religião, na mesma medida em que a ética se orienta pelo sentido do transcendente da vida humana" (Catão, p. 63). É necessário superar as errôneas e muitas vezes limitadas definições de ética e propor uma ética da consciência e da liberdade em lugar da ética da lei e da obrigação. Na raiz da Ética, como contempla o Ensino Religioso, está a busca da Transcendência que dá sentido à vida, que proporciona a plena realização do ser humano pessoal e social. A universalidade de uma discussão com base no respeito à pluralidade de posições e opiniões diante do religioso, na minha opinião, é a essência que viabiliza o Ensino Religioso.

Passou-se o tempo, como diz frei Vicente Bohne, em que este conceito era apreendido com o leite materno. Considero que, certamente, a família e a Igreja são os espaços por excelência dessa reflexão, mas o fato é que vivemos hoje numa realidade em que, apesar das limitações, a escola é o espaço privilegiado em que se pode realizar tais discussões. A Igreja em participação com outras entidades civis, longe de quaisquer forma de proselitismo, quer dar a oportunidade a todo indivíduo de refletir sobre as questões fundamentais da existência humana.

Passamos por uma mega tendência de mudanças sociais, políticas e tecnológicas que se formam gradualmente a partir de diferentes variáveis ambientais e que, uma vez configurada, nos influencia. As instituições e organizações existem para agir no mundo, na sociedade e na história ajudando o indivíduo a pensar, a se posicionar frente às questões fundamentais da vida e a encontrar respostas, ou meios para uma resposta.

 Acredito que as reflexões que nos propõe o Ensino Religioso, incluindo mesmo os que optam para uma negação de sua religiosidade, permite esclarecer posições, e uma autenticidade na busca da integridade humana, e a colaborar para a construção de uma sociedade melhor.

Muitos dizem que a sociedade está em crise, a educação está em crise, que não existem mais valores, mais ética, culpando esta ou aquela estrutura, mas talvez seja necessário, antes disso questionar as oportunidades que oferecemos às crianças e jovens de desenvolver a dimensão da consciência religiosa que faz parte de seu ser.

 

 

A EDUCAÇÃO EM VALORES NA ESCOLA

 

A educação em valores é uma questão fundamental da sociedade atual, imersa numa rede complexa de situações e fenômenos que exige, a cada dia, intervenções sistemáticas e planejadas dos profissionais da educação escolar.

A escola tem sido historicamente, a instituição escolhida pelo Estado e pela família, como o melhor lugar para o ensino-aprendizagem dos valores, de modo a cumprir, em se tratando de educação para a vida em sociedade, a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mundo do trabalho.

Cabe, pois, à escola a missão, por excelência, de ensinar valores no âmbito do desenvolvimento moral dos educandos, através da seleção de conteúdos e metodologias que favoreçam temas transversais como Justiça, Solidariedade, Ética etc., presentes em todas as matérias do currículo escolar, utilizando-se, para tanto, de projetos interdisciplinares de educação em valores, aplicados a contextos determinados, fora e dentro da escola.

Por estar inserida em determinada comunidade, a escola traz para o seu interior os conflitos, as aflições e as mais diversas demandas comunitárias que levam professores, alunos e gestores escolares a criarem espaços, em seus projetos pedagógicos, para que as crianças e adolescentes discutam e opinem sobre suas inquietações e aspirações pessoais e coletivas. É exatamente nesse momento, quando os agentes educacionais criam espaços, ocasiões, fóruns para discussão sobre a violência urbana, meio ambiente, paz, família, diversidade cultural, equidade de gênero e sociedade informatizada, que a educação em valores começa a ser desenhada e vivenciada como processo social que se desenvolve na escola.

Se a escola deixa de cumprir o seu papel de educar em valores, o sistema de referenciação ético de seus alunos estará limitado à convivência humana, que pode ser rica em se tratando de experiências pessoais, mas pode estar também carregada de desvios de postura, atitude, comportamento ou conduta. E mais: quando os valores não são bem assimilados, podem ser encarados pelos educandos como simples conceitos ideais ou abstratos, sobretudo para aqueles que não os vivenciam, seja porque não participam de simulações de práticas sociais ou porque não constroem novos valores no cotidiano.

Por isso, a escola não pode deixar de ensinar explicitamente a prática de valores, pelo menos nos onze anos da Educação Básica e 3 anos de ensino médio.

Não há, necessariamente, aula, com dia e horário previamente estabelecidos, para o ensino de valores. Ao contrário, o ensino de valores decorre de ocasiões que surgem ao acaso – como uma flagrante de uma cola durante a realização de uma prova em sala de aula ou de uma briga entre alunos na hora do recreio – ou de ocasiões já previstas na proposta pedagógica para o bimestre ou semestre e, dependendo da sensibilização do professor, um tema considerado relevante para a educação moral dos alunos.

Podemos dizer, em substância, que educamos em valores quando os alunos se fazem entender e entendem os demais colegas; aprendem a respeitar e a escutar o outro; aprendem a ser solidários, a ser tolerantes, a trabalhar em grupo, a compartilhar ou socializar suas ideias e o que sabem, a ganhar e a perder, a tomar decisões, enfim. É, assim, o resultado da educação em valores na escola: ajuda os alunos a se desenvolverem como pessoas humanas e faz ser possível, visível ou real, o desenvolvimento harmonioso de todas as qualidades do ser humano.

Entre as diferentes ambiências humanas, a escola tem sido historicamente, a instituição escolhida pelo Estado e pela família, como o melhor lugar para o ensino-aprendizagem dos valores, de modo a cumprir, em se tratando de educação para a vida em sociedade, a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mundo do trabalho.

Sendo assim, caberá às instituições de ensino a missão, por excelência, de ensinar valores no âmbito do desenvolvimento moral dos educandos, através da seleção de conteúdos e metodologias que favoreçam temas transversais presentes em todas as matérias do currículo escolar, utilizando-se, para tanto, de projetos interdisciplinares de educação em valores, aplicados em contextos determinados, fora e dentro da escola.

O que são afinal os valores? Que valores devem ser estudados e desenvolvidos na escola? Entre o que a escola ensina de valores há coerência com o que sociedade requer dos homens e mulheres? Além de tentarmos responder as questões acima levantadas, pretendemos, neste artigo, trazer exemplos e sugestões bem concretas para o trabalho do professor em sala de aula, para que não se limite ensine valores, mas a praticá-los e a se tornar, assim, um educador em valores.

A educação em valores é uma exigência da sociedade atual inserida no mundo globalizado e marcado, no início deste século, por tantas mudanças tecnológicas e novos paradigmas políticos, culturais e educacionais, ora debatidos por diferentes agentes sociais. Temas como Ecologia, Educação Sexual, Direitos e Deveres do Cidadão, Ética na Política e na vida pública, a cada dia, são pautas de congressos, seminários, encontros internacionais, nacionais e locais, levando-nos a crer que o currículo escolar, sem dúvida, ficou defasado, ou melhor, não conseguiu acompanhar a velocidade de transformações do mundo pós-industrial.

 No caso do Brasil, o currículo escolar, realmente, ficou e está defasado se compararmos o que ensinamos com o que os Parâmetros Curriculares Nacionais, produzidos nos anos 90, requerem dos professores e alunos No entanto, a razão de ser da escola, a de educar os alunos formalmente, não é uma tarefa descartada pela sociedade, apesar da influência da mídia eletrônica na formação cognitiva e de valores dos alunos. Também não perdeu tanto espaço assim para a sociedade informática.

Por estar inserida em determinada comunidade, a escola traz para o seu interior os conflitos, as aflições e as mais diversas demandas comunitárias que levam professores, alunos e gestores escolares a criarem espaços, em seus projetos pedagógicos, para que as crianças e adolescentes discutam e opinem sobre suas inquietações e aspirações pessoais e coletivas. É exatamente nesse momento, quando os agentes educacionais criam espaços, ocasiões, fóruns para discussão sobre a violência urbana, meio ambiente, paz, família, diversidade cultural, equidade de gênero e sociedade informática, que a educação em valores começa a ser desenhada e vivenciada como processo social que se desenvolve na escola.

Não é uma tarefa fácil abordar a questão dos valores na educação escolar. E sabemos o porquê. A Pedagogia Tradicional levou-nos acreditar (e sua influência ainda desapareceu totalmente do meio escolar), por muitos séculos, que a principal tarefa da escola era a de transmitir conteúdos escolares. É um modelo pedagógico que não se enquadra mais às exigências do mundo moderno.

A educação escolar não se restringe mais, como no passado, a mera transmissão de conhecimentos, onde a atividade de ensinar era centrada no professor, detentor dos saberes e o aluno, um mero recebedor da matéria. Na sociedade atual, com a ampliação das ambiências de formação escolar, o aluno passa a ser o centro do processo didático-pedagógico e a educação escolar, agora, entendida como processo de desenvolvimento físico, intelectual e moral do educando.

A educação em valores, embora tenha sido considerada, pelo menos, até o século XIX, implicitamente, parte do currículo oculto das instituições de ensino, ganha terreno fértil, no ambiente escolar, a partir da segunda metade do século XX, quando a sociedade, através da legislação educacional (por exemplo, a chamada Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional) reconhece no professor, no aluno e na família, sujeitos do processo de formação escolar.

Retomando a proposta de uma prática de valores, na escola, diríamos que, para que a educação em valores seja uma realidade educacional, primeiro terá que passar por dois componentes do processo didático: o ensino e a instrução de valores. Para a Pedagogia, palavras como educação, ensino e instrução são elementos distintos na Didática, embora, para maioria das pessoas, as tomam como sinônimos. Vamos, então, as diferenças entre eles e observaremos suas implicações para uma educação em valores ou pedagogia de valores.

Quando nos referimos à educação em valores, estamos tomando esta expressão como processo social, no seio de uma determinada sociedade, que visa, sobretudo, através da escola, levar os educandos à assimilação dos valores que, explicita ou implicitamente, estão presentes, como já disse, no conteúdo das matérias, nos procedimentos e atitudes dos professores, colegas de sala, pais de alunos e nas experiências humanas acumuladas no decorrer da história, tendo em vista a formação dos indivíduos enquanto cidadãos.

Se a escola deixa de cumprir o seu papel de educador em valores, o sistema de referenciação ético de seus alunos estará limitado à convivência humana que pode ser rica em se tratando de vivências pessoas, mas pode estar também carregada de desvios de postura, atitude comportamento ou conduta, e mais, quando os valores não são bem formal ou sistematicamente ensinados, podem ser encarados pelos educandos como simples conceitos ideais ou abstratos, principalmente para aqueles que não os vivenciam, sejam por simulações de práticas sociais ou vivenciadas no cotidiano.

Por isso, a escola não pode, pelo menos, nos doze anos (nove anos de ensino fundamental e três anos de ensino médio), na atual estrutura da Educação Básica onde as crianças e jovens ficam a maior parte do dia, deixar de ensinar explicitamente a prática de valores. Como diz o filósofo L. ALTHUSSER, em seu livro “Aparelhos Ideológicos do Estado”, a sociedade burguesa estabeleceu como seu aparelho de Estado n° 1, e portanto dominante, o aparelho escolar, que, na realidade, substitui o antigo aparelho ideológico de Estado dominante, a Igreja, em suas funções.

O trabalho explícito com a prática de valores pode advir das atividades docentes e curriculares no interior da sala da aula. Durante uma aula de Língua Portuguesa, por exemplo, o professor comprometido com a educação em valores não se limitará a indicar ou solicitar de seus alunos uma lista de palavras como justiça, dignidade, solidariedade, para exemplificar os substantivos abstratos, como assinalam as gramáticas escolares. Mais do que abstratas, estas palavras, na sociedade, são categorias que se aplicam às práticas sociais, isto é, às atividades socialmente produzidas, ao mesmo tempo, produtoras da existência social.

A noção de solidariedade, para os educadores em valores, não deve ser ensinada como simples substantivo feminino, reduzindo-a um conceito gramatical ou metalinguístico, e sim, como uma prática contra injustiça ou injúrias que outros estejam sofrendo, no âmbito político ou comunitário.

Há ensino de valores quando o professor, ao preparar suas aulas ou atividades curriculares, planeja, organiza, redireciona e avalia os temas transversais que não são, vale advertir, novas matérias, mas assuntos que atravessam as diferentes áreas do currículo escolar. Não há, portanto, necessariamente, aula, com dia e horário previamente estabelecidos, para o ensino de valores. Ao contrário, o ensino de valores decorre de ocasiões que surgem ao acaso como uma flagrante de uma cola durante a realização de uma prova em sala de aula ou de uma briga entre alunos na hora do recreio ou de ocasiões já previstas na proposta pedagógica para o bimestre ou semestre e, dependendo da sensibilização do professor, um tema considerado relevante para a educação moral dos alunos.

Para que a educação em valores se realize, há, pois, necessidade de ser considerada no plano de ensino do professor, de logo, como objetivo geral da disciplina, em nível de transversalidade. Para que a prática de valores seja uma realidade, o educador terá que se organizar, didaticamente, para a instrução de valores, dentro e fora da sala de aula. Assim, só podemos dizer que um aluno aprendeu valores quando, após a ministração de conteúdos em sala, os professores, na escola, em diferentes ocasiões e os pais, nos lares, observam que seus alunos ou filhos não apenas apresentam melhor rendimento escolar, mas diminuíram os conflitos interpessoais, estão mais abertos à socialização, e mais, efetivamente, assimilaram e integram valores, atitudes e normas, na prática social, de modo que os valores assimilados tenderão a acompanhá-los por toda a vida.

 Em substância, podemos dizer que educamos em valores quando os alunos se fazem entender e entendem os demais colegas; aprendem a respeitar e a escutar o outro; aprendem a ser solidários, a ser tolerantes, a trabalhar em, a compartilharem ou socializarem o que sabem, a ganharem e a perderem, a tomarem decisões, enfim. É, assim, o resultado da educação em valores na escola: ajudar os alunos a se desenvolverem como pessoas humanas e faz ser possível, visível ou real, O desenvolvimento harmonioso de todas as qualidades do ser humano.

 

 

QUE VALORES DEVEM SER ENSINADOS NA ESCOLA

 

 

A educação em valores está presente em todas as disciplinas do currículo escolar. Para educar em valores, é necessário que o professor organize seu plano de ensino em atividades lúdicas, reflexivas e conceituais sobre temas transversais. Apontaremos, na tabela abaixo, dez temas transversais, por ordem alfabética, com seus conceitos básicos, que podem ser trabalhados na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio.

 

 

TEMAS TRANSVERSAIS ACEPÇÕES

 

 

  • Autonomia: Refere-se ao valor que reconhece o direito de um indivíduo tomar decisões livremente, ter sua liberdade, independência moral ou intelectual. É a capacidade apresentada pela vontade humana de se autodeterminar segundo uma norma moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou externo.
  • Capacidade de convivência: Valor que desenvolve no educando a capacidade de viver em comunidade, na escola, na família, nas igrejas, nos parques, enfim, em todos os lugares onde se concentram pessoas, de modo a garantir uma coexistência interpessoal harmoniosa.
  • Diálogo: Valor que reconhece na fala um momento da interação entre dois ou mais indivíduos, em busca de um acordo.
  • Dignidade da pessoa humana Valor absoluto que tem cada ser humano. A pessoa é fim, não meio. A pessoa tem valor, não preço.
  • Igualdade de direitos: Valor inspirado no princípio segundo o qual todos os homens são submetidos à lei e gozam dos mesmos direitos e obrigações.
  • Justiça Entre os temas transversais sendo o valor mais forte. No educando, manifesta-se quando o mesmo é capaz de perceber ou avaliar aquilo que é direito, que é justo. É princípio moral em nome do qual o direito deve ser respeitado.
  • Participação social: Valor que se desenvolve no educando à medida que o torna parte da vida em sociedade e leva-o a compartilhar com os demais membros da comunidade conflitos, aflições e aspirações comuns.
  • Respeito mútuo: Valor que leva alguém a tratar outrem com grande atenção, profunda deferência, consideração e reverência. A reação de outrem será no mesmo nível: o respeito mútuo.
  • Solidariedade: Valor que se manifesta no compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas, particularmente, diante dos pobres, dos desprotegidos, dos que sofrem, dos injustiçados, com o intuito de confortar, consolar e oferecer ajuda
  • Tolerância: Valor que manifesta na tendência a admitir, nos outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes ou mesmo diametralmente opostas às nossas.

 

 

COMO ENSINAR OS VALORES NA ESCOLA

 

 

Pelo menos quatro maneiras ou abordagens pedagógicas podem ser utilizadas para o desenvolvimento dos valores nos educandos:

  1. doutrinação dos valores;
  2. clarificação dos valores;
  3. Julgamento dos valores;
  4. Narração dos valores.

Abordagem pela doutrinação de valores é a mais antiga das maneiras de educar os alunos em valores, através da qual a escola educa ou tentar educar o caráter dos alunos. Tal abordagem se dá através da disciplina, do bom exemplo dos professores, do currículo que enfatiza mais as condutas do que os raciocínios, destacando as virtudes do patriotismo, do trabalho, da honestidade, do altruísmo e da coragem. A escola, através de seus professores, imprime valores no espírito dos seus educandos, através de recomendações do que considera correto, justo e ideal para a prática de valores.

A doutrinação de valores é inspirada nas práticas de formação religiosa uma vez que procura incutir ou inculcar nos educandos valores, crenças e atitudes particulares, com o objetivo de que não aceitem quaisquer outros, julgados errados quando seguem a doutrina. No Brasil, durante os períodos colonial e imperial, as escolas tradicionais ensinavam valores a seus educandos, fazendo-os repetir ou decorar a moral de narrativas ou fábulas europeias. Muitos docentes chegavam a utilizar a palmatória para educar em valores, corrigindo os alunos com castigo severo, quando não assimilavam ou memorizavam bem as lições de moral. No meio familiar, cabia, principalmente, à figura do pai o papel de doutrinador, de modo que era o pai também o principal educador do filho em valores, valendo-se, não poucas vezes, da dureza da palavra ou da punição exemplar.

A abordagem pela doutrinação de valores foi bastante trabalhada nos Estados Unidos no século XIX, mas a partir da década de 20, no século XX, foi posta em questão, em decorrência, da transposição, para o domínio da moralidade da concepção de relatividade de Einstein, o que deu origem ao relativismo moral.

Nas práticas escolares atuais, a abordagem pela doutrinação de valores, em geral, explicita-se à medida que a escola procura regular o comportamento moral dos alunos, exigindo, por exemplo, a obediência dos alunos aos professores, proíbe a violência, o vandalismo e pune, exemplarmente, os “delitos” tais como cola, o atraso às aulas, o não cumprimento das tarefas ou dos deveres de casa, entre outros. Escolas que apontam como paradigmas os exemplos de professores e de colegas de sala, está colando em prática a abordagem pela doutrinação de valores, o que acabará por desenvolver nos alunos o comportamento de respeito e educação moral.

O segundo modo de desenvolver a educação em valores é através da clarificação dos valores. Consiste em os professores, num clima de não-diretividade e de neutralidade, ajudarem os alunos a clarificar, assumir e por em prática os seus próprios valores.

 Na prática escolar, o professor pode utilizar uma atividade simples como a votação de valores, que se dá, por exemplo, através da atividade de leitura, em voz alta, de uma a uma, de questões que começam pela expressão “Quantos de vocês...? (a) ....pensam que há momentos em que a cola se justifica? ....a primeira coisa que leem no jornal de domingo é a página de novelas e fofocas? ... acham a prática do aborto um direito da mulher?...aprovam relações sexuais antes do casamento? E os alunos respondem levantando as mãos. Um aspecto positivo desta abordagem é que ajuda os alunos a pensarem sobre valores e fazerem a ligação entre os valores que defendem denominada a prática da cola é errada e a ação desenvolvida ou a desenvolver para combater a prática da cola clandestina. Um aspecto negativo é que a referida abordagem pode vir a confundir questões triviais com questões éticas importantes. Para o trabalho com esta metodologia, caberá ao professor, desde logo, estabelecer a diferença entre o que o aluno gosta de fazer  do dever fazer condições para respeitar o regimento da escola ou as condições estabelecidas pelo professor para aplicação de uma prova.

A outro modo de desenvolver os valores na escola o é através da abordagem pela opinião ou julgamento dos valores. Consiste em a escola acentuar os componentes cognitivos da moralidade. A abordagem pelo julgamento de valores defende que existem princípios universais como tolerância recíproca, liberdade, solidariedade e a justiça, o mais forte deles que constituem os critérios da avaliação moral ou do juízo de valor.

Os alunos, na abordagem pelo julgamento de valores são vistos pelos professores como sujeitos da educação em valores, uma vez que constroem tais princípios ativamente e regulam a sua ação de acordo com os princípios.

Esta abordagem propõe que a educação moral se centre na discussão de dilemas morais em contexto de sala de aula sem levar em conta, no entanto, as diferenças de sexo, de raça, de classes sociais e de cultural, concentrando-se unicamente na atribuição de significados que pessoas dão às suas experiências ou vivências morais.

Uma atividade, baseada na abordagem pelo julgamento de valores, que pode ser desenvolvida pelo professor, inclusive, com atividades de expressão oral e escrita, é pedir que os alunos desenvolvam um texto, oral ou por escrito, sobre o que pensam da concepção de Justiça em frases do tipo “[...] A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem” (Epicuro).

O quarto modo de ensinar os valores na escola baseia-se nas narrativas ou nas expressões orais ou escritas dos educandos. Esta abordagem centra-se nas histórias pessoais, ou coletivas, nas quais os alunos contam, através de textos orais ou escritos, em sala de aula, seus conflitos e escolhas morais. A abordagem pela narração envolve as três dimensões da educação em valores: a cognição, a emoção e a motivação.

A abordagem pela narração ou narrativa reconhece que, na diversidade cultural, é comum a contação de histórias por parte das pessoas com o objetivo de transmitir valores de gerações mais velhas para as mais novas. Assim, o papel das histórias e das narrativas, ou seja, das práticas de leitura de textos escolares, nomeadamente os textos literários, exercem um papel muito importante na formação dos valores nos alunos.

A narrativa desempenha um papel na vida e na dimensão moral das pessoas, em particular. Os nossos pensamentos e ações estão estruturadas em práticas discursivas. A abordagem pela narração pode ocorrer, num simples ato de perguntar em sala de aula: “Vocês poderiam me contar o que aconteceu nas últimas eleições no Brasil, no seu Estado, na sua cidade, no seu bairro, na sua rua, na sua casa?” As pessoas atribuirão significados às experiências de vida, representadas sob a forma de narrativa. Nesta abordagem, as pessoas desenvolvem-se moralmente, tornando-se autores das suas histórias morais e aprenderão, de forma consciente, as lições morais em que contam as suas experiências.

A abordagem pela narração centra-se nas experiências reais das pessoais, nos seus conflitos e escolhas pessoais As dimensões da educação em valores pode ser bem evidenciada à medida que os professores, em sala de aula, após a leitura de um artigo de opinião, por exemplo, sobre a legalização ou não do aborto, extraído do jornal diário, levanta perguntas para os alunos do tipo: O que vocês pensam sobre essas ideias do autor deste artigo? Abordando a dimensão cognitiva; O que você sentiu ao ler este artigo? Abordando a dimensão emotiva e o que vocês pretendem fazer após a leitura deste texto? Abordando a dimensão atitudinal. Portanto, a abordagem favorece o pensar, o sentir e o fazer sobre temas transversais, extraídos do cotidiano dos alunos.

O desenvolvimento da educação em valores, pela narração, propõe que os professores convidem os seus alunos a contarem as suas próprias histórias morais ou a ouvir, ler e discutir histórias dos demais colegas.

A utilização da literatura escolar e o estudo do perfil dos seus heróis e heroínas podem constituir uma boa metodologia de desenvolvimento dos valores, desde que acompanhada de uma reflexão crítica, baseada em princípios éticos universais, constituindo tais valores, por excelência, parâmetros para avaliação moral ou juízo de valor, isto é, para o que é justo, tolerável, digno, possível, certo, errado ou diferente.

 

 

CONSIDERAÇÕES

 

 

A formação continuada tem por objetivo não apenas a melhoria do professor, mas também do ensino, destacadamente do Ensino Religioso, principalmente considerando que o ensino escolar proporciona ao aluno experiências, informações e reflexões que o ajudam a cultivar uma atitude dinâmica de abertura ao sentido mais profundo de sua existência em comunidade e a encaminhar a organização responsável do seu projeto de vida para a formação do ser humano.

Nesse contexto o professor desenvolverá, através da disciplina Ensino Religioso, temas que despertem na criança e no adolescente o sentido da própria vida. Tal sentido é explorado através da descoberta do mundo, de si, do outro e do Criador (Ser Supremo). E, a partir dessa vivência, estimular o crescimento de cada um com os valores essenciais, tais como: amor, respeito, limite, fraternidade, compaixão e tolerância. O Ensino Religioso, também como área de conhecimento, trabalha a compreensão do fenômeno religioso. Portanto, o fenômeno religioso supõe fatos religiosos, tendo, assim, algo de Transcendente que se manifesta, através da religião, na espiritualidade humana (Neves, 2009).

Deve procurar abordar temas que levem o aluno a perceber as necessidades do seu próprio meio (convívio social, familiar e escolar), dando prioridade ao que é importante ao aluno, a quem se deve atingir com a finalidade de formar em viver e conviver com o outro, consigo, com a comunidade e com a sociedade. Assim, poder-se-á atingir a formação de cidadãos conscientes de suas responsabilidades em busca do sentido da vida e no encontro com o Transcendente ou Deus (que é o alvo da plenitude humana). Tal mudança na educação e a geração de uma nova cultura de solidariedade, de paz e de reverência ao diferente somente se darão melhorando-se a qualidade da formação de professores.

Nesse sentido é tarefa fundamental do educador a formação do cidadão, procurando resolver com competência seus próprios problemas e buscando saídas para os problemas educacionais. A tarefa mais importante do trabalho pedagógico consiste em proporcionar à criança e ao adolescente oportunidade para encontrar sua identidade, uma vez que o professor constitui-se figura importante no processo de identificação da criança e do adolescente com o adulto, oferecendo-lhes oportunidades para essa identificação, vivendo em sua presença sua identidade pessoal de educador.

Por fim, cumpre dizer que, como parte integrante da formação básica do cidadão, norteada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e nos Princípios e Fins da Educação Nacional que orientam as escolas na elaboração de ações pedagógicas, a linguagem do Ensino Religioso tem critérios e atitudes que buscam valorizar as experiências religiosas e favorecem a relação emancipada dos educandos com as diferentes culturas.

 

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[1] Licenciada em Pedagogia pela ULBRA - Universidade Luterana do Brasil