O ENEM e o Vestibular da UFRN
Por Jucely Regis dos Anjos Silva | 29/08/2011 | EducaçãoDe um lado, um exame nacional com ótimas propostas e resultados desanimadores; de outro, um vestibular com tradição em qualidade e seriedade.
A proposta de unificação do vestibular por meio do Exame Nacional do Ensino Médio vai de encontro a uma questão importantíssima para o nosso estado: vale à pena substituir o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que tem qualidade e segurança reconhecidas e já privilegia fatores importantes para as diretrizes educacionais do Ensino Médio em suas provas, pelo ENEM? Este quase inclui no subjuntivo o futuro do pretérito com os verbos ?poder? e ?ser?, construindo, de acordo com sua falta de seriedade e compromisso com os estudantes, uma sequência cheia de dúvidas: "o que poderia ser", "o que seria", mas ainda não é.
O vestibular da UFRN é reconhecido por sua qualidade e segurança na impressão, aplicação e organização das provas. Além desses fatores, esse vestibular já privilegia conhecimentos de base do Ensino Médio e preconiza habilidades básicas e preciosas para a formação do estudante-cidadão como saber usar "diferentes linguagens", ter capacidade de leitura, interpretação, crítica e de análise de textos, "entender o que lê"; fazer análise de "gráficos, tabelas; elaborar cálculos básicos", como defende a Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação (ANPEd), Betânia Leite Ramalho, em "Desafios do Acesso e da Permanência no Ensino Superior".
A UFRN aprovou a Política de Inclusão Social em 2004, cuja implementação se dá a partir de ações como a promoção de cursinhos pré-vestibulares gratuitos para alunos de escolas públicas, de assistência estudantil para o universitário, de recursos como o argumento de inclusão e a isenção da taxa de vestibular. O reitor da universidade (vigente na data da entrevista), Ivonildo Rêgo, declarou em entrevista concedida no dia 6 de janeiro de 2010 à Tribuna do Norte: "O que nós queremos é aderir ao Enem, mas de uma maneira que se respeitem as características do nosso vestibular, que já tem um perfil bem próximo do que preconiza o Enem".
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007 (Pnad/IBGE) mostram que, de todos os estudantes matriculados no primeiro ano do ensino superior, apenas 0,04% residem no estado onde estudam há menos de um ano. Informações como essa são utilizadas para defenderem a adoção do ENEM como sistema único de vestibular, alegando que a mobilidade estudantil é muito baixa hoje no Brasil.
Sob esse ponto de vista, o foco é dado ao processo seletivo isonômico (maior igualdade de oportunidades para os estudantes de cada estado no processo seletivo das instituições federais) que o ENEM promoveria. Seguindo uma proporção direta que funcionasse em condições ideais, seria um argumento confiável, porém, mesmo que a unificação do processo facilite aos estudantes concorrerem a vagas em IFES de cinco estados diferentes, não há garantias de que, se for selecionado, o estudante poderá permanecer na instituição. Quem garantirá a permanência do estudante no estado? Será o MEC? Serão as IFES e suas residências universitárias, se é que elas existem? Ou deverá o estudante se valer de morar na casa da tia?
Erros, falhas, escândalos... E o ENEM continua polêmico.
Mesmo após o escândalo que culminou com o vazamento do gabarito do exame, ocorrido no ano passado ? acontecimento tumultuoso no qual se envolveu a Gráfica Plural ?, a mesma empresa foi aprovada neste ano para o serviço de impressão e afirmou não ter recebido vistoria do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), para comprovar as medidas de segurança. Enfim, a Justiça suspendeu a licitação da gráfica. Foram, neste ano, três empresas as responsáveis pela elaboração das provas e ainda assim aconteceram novos erros: as questões da prova tinham a ordem inversa à do cartão de resposta, e algumas provas apresentaram o número de inscrição do participante errado.
Em 7 de novembro de 2010, logo após a aplicação do ENEM, a Assessoria de Comunicação do Ministério da Educação alegou conterem erro "apenas" 1% das provas. É uma porcentagem correspondente à cerca de quarenta mil pessoas, pois mais de 4 milhões de estudantes se submetem ao exame a cada ano, de acordo com dados da mesma assessoria.
Seria esse um número irrelevante? Os concorrentes cujo número de inscrição foi trocado tiveram de escrever o número do CPF na prova. Para tanto, foram orientados pelos fiscais, que diante desses erros graves já não se sabe se orientavam ou desorientavam. Talvez, entre as competências e habilidades exigidas para o aluno que presta o exame, deva constar a preparação para esse tipo de situação.
O que se tem demonstrado é que o Exame Nacional do Ensino Médio ainda não é algo realmente seguro e confiável, portanto não poderá substituir o ingresso por meio de vestibular na nossa universidade.
Não do jeito que vai. Embora ainda haja a confiança nos projetos que envolvem a unificação dos vestibulares, é importante que o ENEM respeite o modelo do nosso vestibular. É fato primordial o que um dia afirmou Johann Goethe: "Um nobre exemplo torna fáceis as ações difíceis".
O exame do Ensino Médio não poderá operar mudança grandiosa como essa sem que a educação, além dos jovens, sejam levados a sério.
De nada valerão as Diretrizes Curriculares Nacionais ou as competências e habilidades exigidas ao estudante se ele mesmo não for a preocupação maior do Ministério da Educação, do Conselho Nacional da Educação Básica, do Estado e de todas as universidades federais.