O EMPREGO DO POLICIAL MILITAR NO MUNICÍPIO DE GUARAPARI: UM RECORTE SOCIOLÓGICO

Por rodrigo lourencini palaoro | 28/12/2010 | Filosofia

O EMPREGO DO POLICIAL MILITAR NO MUNICÍPIO DE GUARAPARI: UM RECORTE SOCIOLÓGICO.

Rodrigo Lourencini Palaoro

RESUMO

Este trabalho pretende enriquecer o debate sobre a atividade policial militar, principalmente sobre o emprego do efetivo policial militar e quais as prioridades estabelecidas pela instituição em relação aos crimes de roubo e homicídio especificamente no município de Guarapari-ES, fazendo um paralelo com a estrutura política e social que a PM está inserida e, desta forma, desenvolvendo uma crítica à histórica segregação de parte da sociedade brasileira, conduta que vem paradoxalmente segregando a elite econômica e política num círculo vicioso.
Palavras-chave: Policial Militar. Segregação. Forças Armadas. Ordem Pública. Violência. Jovem Delinqüente. Preto. Negro. Estereótipo. Favela. Estado. Homicídio. Roubo. Crime. Homicídios no Brasil. Homicídios no Espírito Santo. Homicídios em Guarapari. Círculo Vicioso da Violência. Mitos da Segurança Pública no Brasil. Policiamento Comunitário. Prioridade do serviço policial. Emprego do policiamento.

1 INTRODUÇÃO

A Polícia Militar se empenha muito em atender aos anseios da sociedade guarapariense, no entanto para se entender o direcionamento do policiamento ostensivo em Guarapari, a sua lógica atual, as suas contradições, devemos nos reportar ao passado para analisarmos quais processos sociais e econômicos o Brasil passou, trazer esse levantamento ao presente e entender o porquê só uma parte de nossa sociedade consegue ser ouvida, ser privilegiadamente coberta pelo escasso aparato do policiamento ostensivo existente no Espírito Santo, em especial no município de Guarapari. Sendo essa casta justamente a classe mais abastada, até por interesse do próprio Estado, que hoje se diz um ente distribuidor de rendas, mas na verdade, é um afirmador da estrutura macroeconômica que se transformou o mundo capitalista, contribuindo por demais, com muitas de suas ações, para aumentar a segregação social, priorizando o investimento em obras públicas desnecessárias, localizadas em bairros ricos, para o embelezamento da cidade e melhoria da qualidade de vida daqueles moradores, em detrimento de políticas públicas de cunho social, que visaria melhorar o nível da escola pública, aumentar a oferta de empregos e distribuir melhor a renda, bem como a criação de espaços urbanos democráticos, onde todos os citadinos teriam oportunidade de interagir suas diferenças.
Portanto, é visível que há uma prioridade do emprego de policiais militares nos bairros de Guarapari onde se concentram os crimes de roubo (bairros nobres de praias e comércios), em detrimento dos bairros onde se concentram os crimes de homicídio (periferia). Isso se dá por motivos históricos, sociais e econômicos herdados do período colonial, da formação do povo brasileiro, e adaptados ao mundo capitalista de hoje.

2 HISTÓRIA DA SEGREGAÇÃO NO BRASIL

2.1 A ESCRAVIDÃO E O PODER PRIVADO NO BRASIL

A segregação racial no Brasil durante séculos foi conduta normal, e era adotada como o cerne da economia colonial baseada no latifúndio, a escravidão de negros, e mesmo após mais de um século do fim da escravidão no país, o estereótipo negativo do negro permanece em todas as instâncias da sociedade, principalmente na área de segurança pública. Segundo Carvalho (2004, p.45),

"[...] a herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado".

Percebe-se que o poder privado dos grandes proprietários de terras se sobrepunha à ação do Estado, ou seja, a segurança e a justiça eram promovidas através do poder do latifundiário. No século XIX no Brasil, segundo Carvalho (2004, p. 22):

"[...] frequentemente, em vez de conflito entre as autoridades e os grandes proprietários, havia entre eles conluio, dependência mútua. A autoridade máxima nas localidades, por exemplo, eram os capitães-mores das milícias. Esses capitães-mores eram de investidura real, mas sua escolha era sempre feita entre os representantes da grande propriedade. Havia, então, confusão, que era igualmente conivência, entre o poder do Estado e o poder privado dos proprietários. Os impostos eram também frequentemente arrecadados por meio de contratos com particulares. Outras funções públicas, como o registro de nascimentos, casamentos e óbitos, eram exercidas pelo clero católico. A conseqüência de tudo isso era que não existia de verdade um poder que pudesse ser chamado de público, isto é, que pudesse ser a garantia da igualdade de todos perante a lei, que pudesse ser a garantia dos direitos civis".

Diogo Antônio Feijó, na década de 30 do século XIX, criou a Polícia Militar e a Guarda Nacional, baixando uma série de ordens sobre a relação entre o Estado emergente e o senhor de escravo, criando limites na disciplina e punição dos escravos (HOLLOWAY, 1997):

"Num contexto em que a maioria dos trabalhadores e muitos membros da sociedade pública também eram propriedade privada, as pretensões ideológicas do estado-nação ao exercício universal da autoridade estavam inevitavelmente circunscritas. Mais do que uma transição generalizada de mecanismos pessoais e individualizados de controle para sistemas impessoais e padronizados, o que aconteceu no Brasil foi que as duas hierarquias de poder ? tradicional e privado, de um lado, e moderno e público, do outro ? permaneceram complementares, fortalecendo-se mutuamente" (HOLLOWAY, 1997, p. 116).

Essa "autoridade" exercida pelo poder privado desde o período colonial, no Brasil, interferindo na política local, na escolha de funcionários públicos e na justiça, foi responsável, quando da tentativa de se burocratizar o serviço público com padrões a serem seguidos de forma impessoal, de criar um hibridismo nacional entre mecanismos pessoais e mecanismos impessoais de se administrar o serviço público.

2.2 A SEGREGAÇÃO E A POLÍCIA MILITAR

As Polícias Militares do Brasil foram criadas na década de 30 do século XIX para preservar a ordem pública, e na época toda concepção de ordem advinha dos grandes proprietários que detinham o poder econômico e muito da influência política de cada localidade, e uma instituição pública armada serviria para preservar o "statu quo" dessa classe de políticos e grandes proprietários, na conservação da escravidão, punição de escravos fugidos e manutenção da ordem, já que era um país em sua maioria de escravos e livres muito pobres, situação que se fazia necessária preservar para manter o poder político e econômico nas mãos de poucas pessoas. O importante a se considerar é que a primeira concepção de "manutenção da ordem", que seria função das Polícias Militares recém-criadas no Brasil, serviria para manter os escravos e os homens livres pobres na posição em que estavam. Dessa forma,

"[...] a introdução de modernas instituições burocráticas colocou à disposição das elites tradicionais novos mecanismos para enfrentar as pressões de baixo, que eram a conseqüência social do capitalismo periférico e o legado da escravidão. O objetivo principal e geral da minoria que estava no controle e se beneficiava dessa travessia metafórica era manter o veículo em movimento e permanecer no comando. A maioria dos brasileiros não tinha controle sobre o veículo, e a sua marcha lhes proporcionava muito pouco benefício. Para que poucos mantivessem status e poder e se beneficiassem materialmente, os demais tinham que se subordinar à sua vontade ou ser excluídos. Os demais, por sua vez, acomodavam-se a esse controle, exploração ou marginalização como melhor pudessem (por conveniência ou medo, como sugeriu Weber), conhecendo perfeitamente o custo da resistência ativa" (HOLLOWAY, 1997, p. 31).

A resistência ativa à escravidão vinha através da formação de quilombos, que eram combatidos pelas Polícias Militares com penas de açoite aos escravos fugidos. Segundo Holloway (1997, p. 70):

"[...] a padronização do código criminal [de 1830], assim como a modernização da polícia, a ampliação do controle do Estado sobre a perseguição aos escravos fugidos e a prestação do serviço de açoite corretivo aos senhores de escravos, teve o objetivo geral de tornar as instituições mais sensíveis às necessidades dos membros da elite brasileira que assumiu o regime colonial e começou a criar, a partir daí, um Estado que deveria funcionar em seu próprio interesse" .

Mesmo com a atuação da polícia em favor dos grandes proprietários, ou seja, servindo a uma lógica privada, os escravos continuaram a se rebelarem pelas condições subumanas que eram exigidos a viverem, o que não se deve tomar como medida da barbárie dessas pessoas, mas apenas como o reflexo de suas humanidades, buscando sempre a liberdade, que é um direito universal e inalienável (HOLLOWAY, 1997).
Segundo Holloway (1997, p. 69), a preocupação dominante da polícia no século XIX era com os crimes "comuns" de furto (subtração de bem alheio sem o conhecimento ou a permissão do dono) e roubo (subtração de bem alheio envolvendo ameaça ou agressão física). Essa lógica de atuação da Polícia vem atender aos anseios dos mais afortunados em detrimento dos escravos e livres desafortunados, que eram a grande maioria da população, sem moradia digna, sem o alimento adequado, que a forçava a buscar a própria sobrevivência e liberdade.

3 SEGURANÇA PÚBLICA X FORÇAS ARMADAS NO BRASIL

3.1 A SEGURANÇA PÚBLICA SE CONFUNDE À DEFESA NACIONAL

Não houve, no Brasil, uma clara democratização da segurança pública com a Constituição de 1988. Após 21 anos percebemos os efeitos de um grande erro: o de não separar Segurança Pública de Defesa Nacional na Constituição de 1988.

"[...] nossa Constituição de 1988 reuniu num mesmo título V("Da defesa do Estado e das instituições democráticas") três capítulos: o capítulo I ("Do estado de defesa e do estado de sítio"), o capítulo II("Das Forças Armadas") e o capítulo III("Da segurança pública"). Como se comprova, mais uma vez nossos constituintes não conseguiram se desprender do regime autoritário recém-findo. Não houve uma clara ruptura entre o passado e o presente [...]".(ZAVERUCHA, 2007, p. 30).

Essa confusão de atuação é resquício da ditadura militar, que ficou marcada como um aspecto cultural do povo brasileiro, a cultura do soldado, do combate, do militarismo.
Segundo o mesmo autor (2007, p. 28):

"[...] há no Brasil, uma "cultura militar" que confere ao soldado a missão de salvar a pátria diante de qualquer problema interno. Nesse tipo de cultura, as qualidades dos militares são favoravelmente contrastadas com as dos líderes políticos civis não apenas pelos militares, mas pelos próprios civis, legitimando a ingerência das Forças Armadas em assuntos internos. Essa "cultura" influi na retórica vigente. É comum ouvir-se que é preciso deslanchar "guerra" às drogas, "combater" os traficantes, enviar "forças-tarefas" para operações contra os delinqüentes e fraudadores. E têm sido criadas secretarias estaduais de defesa social".

Analisando o trecho de Zaverucha, percebe-se como está presente a discriminação nestas frases de "combate aos delinqüentes", e sabe-se que esses delinqüentes (traficantes de drogas, marginais, fraudadores) não se tratam de políticos corruptos, magistrados corruptos, sonegadores de impostos, embriagados no trânsito, e segue relação de criminosos de nosso país que não entram na lista dos estereótipos de "marginais", "vagabundos", "delinqüentes" ou "bandidos". Os "nossos" vagabundos não usam terno e gravata, são de maneira geral pobres, pretos e favelados, e são tratados como inimigos do Estado, como estrangeiros, como não pertencentes à sociedade dita normal, portanto são tratados diferentes das pessoas não excluídas, os não favelados, que possuem bons empregos e residem em bairros ditos "nobres" das cidades.

3.2 ORDEM PÚBLICA E O PAPEL DA POLÍCIA

Segundo o Decreto n° 88.777, de 30 de setembro de 1983, ordem pública é:

"o conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis de interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que o conduza ao bem comum" (ZAVERUCHA, 2007, p. 34).

Ainda, segundo o mesmo autor (2007, p. 28):

"Nos regimes democráticos, as competências institucionais entre polícia e Exército estão claramente separadas. No Brasil, todavia, a política de segurança pública vem sendo crescentemente militarizada. Isso é um dos indicadores de que temos um governo, mas não um regime democrático".

A dicotomia existente nas Polícias Militares do Brasil interfere no cotidiano do serviço policial, já que por lei o policial militar não é um policial, mas um militar estadual. Os militares têm vários direitos negados pela constituição, o que se torna um complicador para esses profissionais de segurança pública: cumprir a tarefa de servir e proteger a população através das garantias dos direitos humanos, sendo que ao militar estadual lhe são negadas várias garantias fundamentais, recebendo, portanto, do arcabouço jurídico nacional, o mesmo tratamento dispensado aos militares das Forças Armadas, que possuem uma competência diversa ? a defesa da soberania nacional. Isso não quer dizer que as Polícias não têm que ser de estrutura militarizada , mas que estejam organizadas e amparadas na legislação civil, e que os profissionais sejam tratados da mesma forma e com as mesmas garantias que devem tratar os cidadãos:

"[...] se em outros países temos força de polícia com estrutura militar, mas que não é polícia militar, no Brasil o que vemos é uma estrutura militar fazendo o papel da polícia" (CERQUEIRA, apud ZAVERUCHA, 2007, p. 31).
As Polícias Militares, por lei, são forças auxiliares do Exército, e apesar de tal lei estar em desuso no Brasil, ainda existe a cultura impregnada na sociedade, nas instituições, o que torna a mudança de atitude difícil apesar dos esforços em humanizar mais os serviços policiais militares no Brasil. A formação está cada vez mais baseada em disciplinas como sociologia, filosofia, comunicação interpessoal, psicologia, direitos humanos, tiro defensivo para a preservação da vida, no entanto, depois de formado, o policial se depara com a segunda realidade, a do combate, do policial corajoso, do protetor das "pessoas de bem" e contra os "marginais".

"Nas democracias, somente em período de guerra é que as forças policiais tornam-se forças auxiliares do Exército. Em tempo de paz, o Exército é que passa a ser reserva da polícia, indo em sua ajuda quando esta não consegue debelar certos distúrbios sociais"(ENGDAHL, apud ZAVERUCHA, 2007, p. 35).

4 VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE

Não podemos confundir aqui termos tão distintos, da mesma forma que são confundidos pelo imaginário popular no Brasil. Os relacionamentos de maneira geral são permeados de violência, seja na família, entre colegas de trabalho, na escola, e podem ser de forma física, psíquica, verbal, gestual e/ou social, não sendo necessariamente um crime. Criminalidade é, portanto, um termo utilizado para o fato social "crime", que é o ato praticado por alguém, e que esteja tipificado como crime (conduta proibida com sanção penal prevista para o autor), não sendo necessariamente uma violência.

"A violência seria a relação social de excesso de poder que impede o reconhecimento do outro ? indivíduo, classe, gênero ou raça ? mediante o uso da força ou da coerção, provocando algum tipo de dano, um dilaceramento de sua cidadania, e configurando o oposto das possibilidades da sociedade democrática contemporânea [...]" (SANTOS, apud SANTOS, 2007, p. 20).

Segundo Sapori (2007, p. 21), Max Weber enfatiza que o monopólio dos meios de violência é a principal característica do Estado enquanto instituição social.
Segundo Sapori (2007, p. 20), Durkheim nos ensina que "... o crime é um fenômeno normal e deve ser concebido como uma construção histórica e culturalmente determinada".

"Existe a tendência, especialmente por parte dos que fazem as leis e delas se beneficiam, de associar obediência à lei com bondade e atos ilegais com imoralidade. Mas o grau de coincidência entre o legal e o bom e entre o criminoso e o mau varia no tempo e no espaço e conforme o ponto de vista" (HOLLOWAY, 1997, p. 26).

Por exemplo: cometer roubo no Brasil é um ato imoral, mas cometer um crime de corrupção ativa ou de sonegação de impostos é, pelo contrário, aceito como normal e muitas vezes admirado como delitos cometidos por pessoas espertas.
A discriminação vigente na sociedade brasileira tem gerado o medo nas classes mais favorecidas, e este medo é responsável por uma preocupação neurótica em se isolar os mais favorecidos dos menos favorecidos, não só através de muros altos e cercas elétricas, mas também através de atitudes intolerantes e atentatórias dos Direitos Humanos. A seguir veremos que o Estado é um grande colaborador desta neurose social, com a sua postura de indiferença sobre problemas de segurança pública, que seriam causados, segundo os órgãos de segurança pública, por responsabilidade direta do cidadão, que não soube se prevenir ante as situações de perigo ou risco iminente.
O Estado tem cada vez mais refinado o seu discurso por práticas preventivas em algumas situações de risco. Um grande exemplo são as "Dicas de Segurança", uma cartilha distribuída já há alguns anos, inicialmente pela Polícia Militar, e posteriormente pela Secretaria de Segurança Pública que encampou a idéia. Tal cartilha não só vem tentar prevenir o cidadão de situações de risco, como gera uma neurose social, que é o medo como uma síndrome, e tem feito as pessoas mudarem hábitos comuns do dia-a-dia. Logo, o Estado transfere a responsabilidade do evento criminoso ou violento à vítima, seja vítima de homicídio, de acidente de trânsito, de roubo, etc.

5 O HOMICÍDIO

5.1 AS CAUSAS DOS HOMICÍDIOS

Muitos dizem que as causas são sociais e econômicas, devido à falta de empregos, educação de baixa qualidade, péssimos locais de moradia, em suma, a causa dos homicídios seria a pobreza. Até as explicações têm conotações preconceituosas, quando dizem que a "pobreza" é a causa do homicídio, e por que não a "riqueza"? Talvez fosse mais prudente, como alguns estudiosos citam: "a desigualdade social". É notório que uma das causas dos homicídios ? por que elas são várias e complexas ? é o fator social, no entanto, não podemos nos furtar de responsabilizar as instituições policiais civis e militares do Brasil pelos 50.000 homicídios ocorridos no ano de 2008 em todo o país, além da justiça morosa. A prevenção e o policiamento ostensivo da Polícia Militar não estão atendendo esta demanda de crimes contra a vida, e as investigações da Polícia Civil estão ineficientes para retirar ao menos uma parte dos homicidas das ruas do Brasil e diminuir este número trágico em prol de milhares de famílias brasileiras que cotidianamente vêm perdendo seus entes queridos.
Apesar das causas sociais, existem causas mais objetivas e dados que poderiam ajudar no emprego do policiamento ostensivo, por exemplo. Nota-se que os homicídios ocorrem mais em determinados bairros, em determinados horários, e que as vítimas são em sua maioria jovens que estão envolvidas com o tráfico de drogas:

"[...] numerosos estudos mostram que a violência letal está longe de se distribuir de forma aleatória entre os cidadãos. Com efeito, alguns grupos representam um risco muito superior ao de outros. Uma análise do perfil das vítimas revela claramente tais diferenças [...]. As vítimas de homicídios no Rio de Janeiro são, como no Brasil e no resto do mundo, preferencialmente do sexo masculino [...]. O segundo fator mais importante na determinação das taxas de homicídio é a idade da vítima. O risco é notoriamente superior para as pessoas jovens. Ele cresce dramaticamente a partir da adolescência até meados dos 20 anos e passa a declinar progressivamente daí em diante [...]. A cor é outra categoria relevante para o perfil da vítimas [...]. As taxas de brancos e asiáticos situam-se em torno de 25 por 100 mil habitantes, enquanto a dos pardos supera os 40 e a dos pretos ultrapassa os 60 por 100 mil" (CANO; RIBEIRO, 2007, p. 62).

Segundo Soares (2008, p. 27), as mortes por homicídio são previsíveis, devido à constatação de que as áreas mais violentas (bairros, cidades, países) se repetem todos os anos, não devendo o homicídio ser tratado como uma fatalidade, ? o que naturalmente geraria um sentimento de impotência por estar lidando com algo incontrolável, como é percebida pela maioria das pessoas ? mas um fenômeno social.
Segundo Peres, a concentração de homicídios em bairros pobres se dá pela ausência do poder público:

"A distribuição dos óbitos aponta para um diferencial no risco de morte, com concentração de casos em áreas periféricas caracterizadas pelo precário acesso a bens e serviços públicos e pela super-representação de população de baixa renda e escolaridade [...]. Não se trata de afirmar, a partir dessa constatação, a existência de uma relação de causa e efeito entre pobreza e violência, e sim de por em evidência a associação entre violência e uma situação de exclusão cuja característica mais marcante é a ausência do poder público, tanto em termos de efetivas políticas sociais e de segurança quanto de acesso às instituições judiciárias. Na falta de instituições mediadoras, a violência parece surgir como uma forma legítima de resolução de conflitos" (PERES, 2007, p. 133).

Ainda conforme Peres (2007, p. 135), "[...] ser homem e jovem, e morar em área periférica de centros urbanos são algumas das características que devem ser levadas em conta no planejamento e implementação de programas de prevenção".

5.2 O INÍCIO DE TUDO: A VIOLÊNCIA

Para se entender os números absurdos de homicídios que alcançou o país, deve ser feito uma breve análise sobre a violência no Brasil e as mudanças de hábitos do povo nos últimos anos, com a abertura econômica, um capitalismo atrasado e um povo não preparado para o impacto do consumismo e da concorrência desleal, não só para empregos, mas a concorrência das vaidades do "statu quo", que geram também violências, como exemplo dois motoristas que disputam quem corre mais numa rodovia, ou dois lutadores de vale tudo que se engalfinham na saída de uma boate.

"A lógica cultural do capitalismo tardio desenvolve-se na pluralidade, na descontinuidade e na fragmentação, produzindo um cotidiano de riscos e de incertezas. Trata-se de uma época de ruptura do contrato social e dos laços sociais, provocando fenômenos de "desfiliação" e dilacerando o vínculo entre o eu e o outro" (CASTEL, apud SANTOS, 2007, p. 11).

Segundo Cano e Ribeiro (2007, p. 51):

"A violência impõe ainda um alto custo em termos socioculturais e políticos: espalha o medo, alterando os hábitos das pessoas que dela tentam se proteger, e estimula atitudes irracionais e agressivas na tentativa de estancá-la. Assim, a violência possui a propriedade perversa de perpetuar-se, pois tende a provocar reações igualmente violentas que realimentam o círculo vicioso".

A violência se instala veementemente onde o Estado, através de seu aparato de segurança pública, não se manifesta. Logo, se num bairro onde não existe uma infra-estrutura mínima de transporte, saneamento, educação e saúde, e a polícia militar se faz presente somente de forma esporádica, quando a radiopatrulha passa rapidamente por lá, é natural que as pessoas tentem resolver os seus problemas às suas maneiras.

"A gradual monopolização do uso da violência pelas instituições policiais, judiciais e prisionais do Estado está sociologicamente conectada à gradual mudança nas atitudes e valores dos indivíduos em termos da manifestação de suas propensões à agressividade. A coerência entre maior contenção e regulação de anseios individuais elementares se associa ao aumento do controle do Estado sobre os indivíduos" (SAPORI, 2007, p. 34).

A violência também se explica pela segregação social e espacial, pelo aumento do desemprego, além dos recursos a soluções diretas resultantes do descrédito do sistema de justiça criminal, como é demonstrado através dos linchamentos em periferias urbanas de cidades brasileiras (SINGER, apud SANTOS, 2007, p. 12).
Segundo Beato Filho e Marinho,

"[...] um dos aspectos mais perversos [do aumento da violência] é a corrosão da capacidade das pessoas para conviver, devido ao medo, à desconfiança, à restrição da mobilidade em certos locais do espaço urbano, comprometendo assim a institucionalização de mecanismos de autocontrole e de controle externo" (BEATO FILHO; MARINHO, 2007, p. 177).
5.3 CARACTERÍSTICAS ESPACIAIS E SOCIAIS DOS HOMICÍDIOS

Segundo Cano e Ribeiro (2007, p. 52),

"[...] os homicídios respondem a etiologias diferentes, que vão desde brigas e crimes passionais até eventos relacionados às disputas por terras, passando por latrocínios ou conflitos entre membros do crime organizado. Podem ainda ser fruto da ação de pistoleiros, traficantes ou grupos de extermínio [...]".

Para os mesmos autores (2007, p. 72, grifo nosso),

"As políticas públicas para prevenção de homicídios no Brasil são relativamente raras, por várias razões. Uma delas é que o homicídio, diferentemente de outros crimes, não tem uma etiologia nem um local específicos que possam ser abordados facilmente através de, por exemplo, prevenção situacional. Ele apresenta etiologias diversas, acontece em locais distantes ? mas também de forma concentrada territorialmente ? e não pode ser prevenido através de um único programa universal. Assim, qualquer política de prevenção de homicídio deve partir de um diagnóstico local levando em conta os tipos de homicídio praticados, onde eles acontecem e qual é o perfil das vítimas".

Apesar das várias características que podem ter os homicídios, pode-se relacionar a sua grande maioria, nas grandes cidades brasileiras, ao tráfico de drogas nos bairros de periferia ? dívidas com traficantes e disputas por território do tráfico são os aspectos mais comuns ? e algumas das características deste tipo de homicídio são: ocorrem em bairros de moradores de baixa renda, com infra-estrutura precária; ausência do Estado: obras de infra-estrutura, políticas públicas de saúde, educação, emprego e segurança pública muito aquém do que seria esperado e necessário; presença do aparato repressor do Estado através do patrulhamento esporádico da Polícia Militar; impunidade; ineficiência do sistema de justiça criminal brasileiro; e em consequência destes fatores a oportunidade cada vez maior de jovens ingressarem no crime como forma de se incluírem social e economicamente na sociedade que os excluiu.
Um fator importante na vítimização por homicídio diz respeito à cor da vítima, que se agrava em relação aos pretos e pardos. Para Beato Filho e Marinho (2007, p. 185):

"A análise das mortes por homicídio por regiões do país evidencia a participação desproporcional dos negros nas mortes violentas. Negros e pardos respondem a 36,3% da população do Sudeste, mas a 51,6% das mortes por homicídio".

Isso demonstra que além de variáveis importantes no que diz respeito à vitimização por homicídio, como o local de moradia, o gênero e a idade, tem-se também a cor como característica marcante entre as vítimas, sendo as periferias das grandes cidades, os homens jovens entre 15 e 24 anos e os pretos e pardos as maiores vítimas de homicídios nas grandes cidades brasileiras.

5.4 O CRESCIMENTO DOS HOMICÍDIOS NO BRASIL

A partir da década de 80 do século XX a taxa de homicídios cresce a cada ano nas grandes e médias cidades brasileiras, chegando a patamares trágicos em alguns estados.

"A taxa de homicídios no Brasil cresceu duas vezes e meia, entre 1980 e 2002, saltando de 12,2 ocorrências por 100 mil habitantes em 1980 para 30,6 em 2002. [...] Um dos ingredientes mais explosivos desse aumento foi a introdução acelerada das armas de fogo durante os anos de 1980. No início do período, elas eram responsáveis por cerca de 45% dos homicídios, índice que passou para mais de 77% em 2004. Em grandes capitais como Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Vitória ou Salvador, elas respondem hoje por 80-85% das mortes por homicídio" (BEATO FILHO; MARINHO, 2007, p. 183, grifo nosso).

Segundo Beato Filho, Marinho (2007, p. 180), "os homicídios representam a terceira causa de morte da população brasileira e a primeira entre os jovens com idade entre 15 e 24 anos", tais dados são no mínimo preocupantes e devem ser motivo de planejamentos e muito esforço por parte dos governos municipais, estaduais e federal, com políticas públicas de qualidade visando preservar as vidas dos jovens brasileiros que muito têm a fazer pelo desenvolvimento e progresso da nação.

5.5 O CASO DO ESPÍRITO SANTO

Os grandes investimentos industriais ocorridos na década de 1970 no Espírito Santo mudaram o padrão demográfico capixaba em pouco tempo, gerando uma intensa urbanização desordenada, principalmente na Região Metropolitana da Grande Vitória, que recebeu muitas famílias vindas do interior do estado, recepcionadas por grande escassez de serviços públicos e privados, necessários para se viver numa grande cidade.
Dentre os estados que possuem as maiores taxas de homicídio está o Espírito Santo em destaque, desde o início da década de 1990 e evoluindo para números muito piores. Segundo Cerqueira, Lobão e Carvalho (2007, p. 150, grifo nosso):

"Em 2002, os homicídios responderam por 37% do total dos óbitos dos jovens brasileiros. Essa situação é particularmente trágica nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde a proporção de óbitos causada por homicídios ultrapassou 50%. Nesses estados, a taxa de homicídios por 100 mil jovens alcançou patamares apenas encontrados em regiões conflagradas".

O número alto de homicídios no Espírito Santo, estado que possui uma das menores populações do Brasil, faz o nosso estado sustentar uma das maiores taxas de homicídios do Brasil, sendo motivos de debates, estudos e notícias na imprensa nacional.
A Grande Vitória (Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra, Viana, Fundão e Guarapari) é onde mais se concentra os homicídios no estado, com destaque para Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica. Guarapari pode ser dividida em três períodos, desde a industrialização na década de 70, que marcam as diferenças das taxas de homicídios da cidade. Através dos dados do quadro abaixo, pode-se analisar que desde 1979, com uma população de 38.000 habitantes, até hoje, com uma população de cerca de 102.000 habitantes, as taxas de homicídios por 100.000 habitantes em Guarapari foram aumentando gradativamente, de acordo com o crescimento urbano desordenado, alavancado pelo progresso vertiginoso, irresponsável e criminoso da construção civil. A partir de 1988 pode-se perceber um salto no número de homicídios registrados, que estavam em torno de 10 por 100.000 habitantes em média (entre 1979 e 1987), ultrapassando a taxa dos 30 por 100.000 habitantes (entre 1988 e 1997), e a partir de 1998 chegando a atingir 50 homicídios por 100.000 habitantes anualmente(entre 1998 e 2008):

TAXA DE HOMICÍDIOS EM GUARAPARI POR ANO(1979 A 2008):

ANO 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92
TAXA 8 15,5 5 14,3 9 8,8 14 10 13,5 42,4 23 39 50 22

ANO 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08
TAXA 35 38 28 35,5 39 52 63 51 56 59 47 56 38 49 49 63
Fonte: Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (ES)
Os crimes de homicídios no estado demonstram características marcantes, principalmente nas grandes cidades capixabas, que dizem muito sobre a vitimização por homicídio e que deve ser levado em conta num planejamento de políticas públicas de segurança. Segundo Raizer (2007, p. 231), "Os homicídios no Espírito Santo predominam na população masculina, negra/parda e jovem":

"No período de 1994-2002, segundo as notícias pesquisadas, mais de 50% dos homicídios ocorreram à noite e de madrugada. A relativa previsibilidade das ocorrências deve ser objeto de investigação, visando à adoção de medidas preventivas específicas de políticas públicas" (RAIZER, 2007, p. 236).

Um importante ponto relativo aos homicídios é a forma como a imprensa capixaba veicula a notícia, com o estereótipo de que naturalmente todo morador de bairros pobres é marginal , sendo que quando um jovem residente de periferia é assassinado a imprensa procura notícias no local do crime, e se a vítima estava de alguma forma envolvida com o crime, com o tráfico de drogas, essas informações serão então veiculadas como uma espécie de justificativa e alívio para a sociedade, que "terá menos um bandido" nas ruas:

"[...] pode-se observar que as notícias dos homicídios nos jornais quase sempre se referem às vítimas, refletindo assim as desigualdades dos direitos sociais e civis através dos estereótipos e preconceitos característicos da nossa cultura autoritária. É de se estranhar a conotação pejorativa da notícia ao se referir à vítima como marginal" (RAIZER, 2007, p. 233).

6 OBSTÁCULOS À PREVENÇÃO DE HOMICÍDIOS NO BRASIL

6.1 DOS MITOS AO CÍRCULO VICIOSO DA VIOLÊNCIA

Dentre os maiores entraves para a diminuição da violência no Brasil, destacando a violência letal, seria o desinteresse da sociedade por este tipo de crime, notadamente os homicídios que acometem as classes pobres brasileiras.

"Nos últimos 25 anos ocorreram 794 mil assassinatos no Brasil. Neste período, houve um crescimento médio anual de 5,6 %, o que posicionou o país entre os mais violentos do planeta, com uma taxa de 28 homicídios por 100 mil habitantes. Essa marcha acelerada da violência letal no Brasil desde 1980 impede-nos de afirmar que se trata de uma explosão súbita de criminalidade. Mais correto seria dizer uma tragédia anunciada, cujos incidentes evoluem com regularidade estatística espantosa, num verdadeiro processo endêmico, tendo em vista a sua generalização espacial e temporal, bem como a presença de um conjunto de fatores estruturais e locais que alimenta essa dinâmica criminal.
Tratando-se de um problema antigo, por que a sociedade e o Estado assistem, quase impotentes, à degradação das condições de segurança pública no Brasil? Poderíamos apontar, em princípio, três hipóteses que explicariam tal situação: falta de recursos; inexistência de tecnologias e métodos eficazes de prevenção e controle do crime; e, por último, falta de real interesse em resolver a questão, tendo em vista que ações efetivas implicariam possíveis perdas de status quo para determinados grupos sociais" (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2007, p. 141).

Para os mesmos autores,

"[...] as autoridades (talvez com raríssimas exceções) basicamente têm reagido com um misto de prestidigitação retórica e replicação de uma estrutura burocrática de justiça criminal obsoleta, organizada para fazer frente aos desafios da delinquência no século XIX, mas longe de atender às demandas de complexas sociedades urbanas do século XXI" (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2007, p. 142).

Segundo Cano e Ribeiro (2007, p. 73):

"Um poderoso fator que ajuda a explicar por que o homicídio nunca foi prioridade para as políticas públicas é que ele atinge, sobretudo, os setores mais desfavorecidos da população, que não têm voz ativa nem capacidade de pressão como as classes altas. A prioridade tradicional na segurança pública foi reservada aos crimes contra a propriedade e ao sequestro ? este, aliás, chegou a induzir mudanças drásticas na legislação penal, como a lei dos crimes hediondos".

O mais importante é que a segurança pública há muito que já vem sendo discutida pelas autoridades, no entanto alguns mitos presentes nesta temática, que são travestidos de verdade para a população em geral e autoridades responsáveis, veem contribuindo para a miséria da segurança pública e o aumento da segregação social com investidas cada vez mais repressivas por parte das polícias em bairros pobres, sendo tal trabalho entendido como "óbvio" para se resolver o problema da criminalidade, logo, se é óbvio, não é necessário se avaliar tais trabalhos, sendo que tudo isso se torna um círculo vicioso de ilusões (CERQUEIRA, LOBÃO e CARVALHO, 2007): a imprensa publica muitos homicídios na periferia, e muitos estão relacionados com o tráfico de drogas, sendo que suas vítimas em sua maioria são jovens. Desta forma, a Secretaria de Segurança cria metas mais rígidas para a Polícia Militar atuar em determinados bairros, e a Polícia Militar por sua vez impõe-se repressivamente e aleatoriamente nas periferias do estado "combatendo" o tráfico de drogas, trabalhando em forma de patrulhas esporádicas e truculentas, sendo que todo esse trabalho não é medido nem avaliado, por ter sido transformado num mito. Os mitos são criados para segregar ou para cegar as pessoas, e a única diferença que há no Brasil é que todos estão cegos, ou seja, existe o mito e ele é de toda a sociedade, inclusive dos políticos e das autoridades responsáveis, e prejudica a todos que acabam ficando segregados uns dos outros, os "favelados" da truculência do Estado, e os mais abastados com medo dos "favelados".
"Referir-se a uma história das políticas de segurança pública na sociedade brasileira significa atentar para o conjunto de intervenções meramente reativas que têm caracterizado a atuação dos governos no controle do crime ao longo do tempo" (SAPORI; ANDRADE, 2007, p. 201).
Os principais mitos da segurança pública no Brasil são:

1. segurança pública é assunto de polícia; 2.a polícia precisa ser mais "dura", e direitos humanos seria apenas para as pessoas de bem; 3. o problema é social; 4. o governo não pode fazer nada porque o problema é muito complexo e depende de todos; 5. com mais recursos os problemas serão resolvidos; 6. com mais policiais e viaturas o problema será resolvido; 7. o Problema é resolvido com crescimento econômico (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2007, p. 143).

Muito tem se falado por todos os cantos do Brasil sobre as causas da criminalidade e da violência, e que o aparato de justiça criminal brasileiro não teria muito que fazer para resolver o problema, porque seria um problema de causas socioeconômicas.

"Prevalece entre as elites políticas e burocráticas brasileiras a idéia de que as causas elementares da criminalidade e da violência residem na estrutura socioeconômica, mais particularmente na extrema pobreza que vitimiza amplos segmentos da sociedade. Assim sendo, a capacidade do aparato de segurança pública para agir sobre o fenômeno é bastante reduzida, tornando desnecessário o investimento cognitivo e financeiro em projetos de intervenção que possam reduzir a incidência da criminalidade. A política pública capaz de atuar sobre o problema com eficácia seria, portanto, aquela que atenua os efeitos da pobreza, ou seja, as políticas de saúde, educação, habitação, saneamento, emprego etc. Caberia à segurança pública apenas reduzir os efeitos perversos dessa realidade, visto que o aparato não tem como atuar sobre as reais causas do fenômeno. É importante destacar que essa percepção é comum a elites decisórias de espectros ideológicos diversos, da esquerda à direita" (SAPORI; ANDRADE, 2007, p. 202).

Segundo Cerqueira, Lobão e Carvalho (2007, p. 171):

"[...] muitos secretários de segurança dizem que pouco podem fazer, uma vez que a polícia seria apenas a última e insuficiente barreira de contenção da criminalidade, depois de a sociedade já ter fracassado. Desse discurso depreende-se que as causas principais da escalada da criminalidade estão relacionadas às condições comunitárias e/ou sociais, e que o papel do gestor de segurança se limita à administração do aparelho repressor. Logo, os responsáveis pela segurança pública estão isentos de culpa, uma vez que as causas do problema escapam ao seu controle. Ora, nada mais distante da perspectiva adotada nas últimas décadas pelos países que conseguiram controlar e reduzir a criminalidade, ou seja, o consenso acerca da necessidade de integrar as ações no campo da prevenção social ao planejamento do trabalho policial".

Os crimes não podem ser explicados somente por causas socioeconômicas nem por qualquer outro tipo de causa isoladamente. Se fosse assim, um político, que é bem remunerado, nunca furtaria dinheiro público, e um trabalhador que ganha um salário mínimo iria, certamente, ser ladrão. Algumas variáveis podem, em conjunto, explicar uma maior ou menor quantidade de determinado crime numa determinada região. O que nunca fica em evidência para explicar os crimes são as contradições e conflitos escondidos da sociedade brasileira, a qual possui uma herança patriarcal e patrimonialista, que acaba dividindo, às escondidas, a sociedade brasileira em castas de mais e menos privilegiados, apesar dos relacionamentos pseudo-amistosos entre os brasileiros.

"Por que o descaso com a vida humana? Será que é porque existem mais armas em circulação e mais facilidades na sua obtenção? É bem verdade que houve um aumento de bens de consumo, incluindo mais automóveis. Essa tendência se contrasta com o declínio de oportunidades de inserção, principalmente para jovens, na vida produtiva. A avenida para o crime e para a ilegalidade se tornou mais atraente, até mesmo para jovens da classe média. Por que uns e não outros ingressam no mundo do crime? O problema está no indivíduo, más companhias, falência das instituições sociais, falta do investimento social dos governos ou da sociedade? Imagino que por trás de um ato individual, impensado ou "quase mecânico", do assaltante, de puxar o gatilho de uma arma num assalto, deva existir uma série de fatores sociais e estruturais. São relação[sic] marcadas por uma desigualdade, mas que se aproximam, muitas vezes, através de um contrato social com base num trabalho injusto, paternalista e por um distanciamento espacial, segregado. Essas relações ambivalentes ,de aproximação contratual, mas de distanciamento social e cultural, explica porque um grande número de assaltos e roubos ocorre por pessoas que conhecem a vítima ou é indicado[sic] por alguém que a conhece. São pessoas que têm uma aproximação pessoal, de convivência diária, relações idealizadas como amistosas, mas que, na realidade, ocultam conflitos e contradições sociais, políticas, (às vezes raciais e étnicos), não resolvidos" (DOS ANJOS, 2003, p. 68).

Para a maioria dos brasileiros, a "eliminação dos bandidos" se faz necessária para conter a violência no país:

"É possível que a própria banalização da violência esteja diretamente relacionada com essa atitude e é possível que o inverso seja também verdadeiro, Ou[sic] melhor: medo decorrente do aumento e dramatização da criminalidade leva pessoas a chegarem a essa conclusão finalista, de que temos de "acabar com os bandidos", "arrancar o mal pela raiz", "expirar esse câncer" ou "fazer como se faz em alguns países árabes, africanos ou na China" (arrancar-lhes um dedo ou cortar-lhes a mão) [...]. A pergunta a ser feita seria: eliminar que bandidos (agora sem aspas)? Quais são as diferenças entre a criminalidade comum, que tanto chama a atenção da opinião pública e o "crime organizado do colarinho branco" na administração e no serviço público, que não é novo, mas que está vindo à tona agora? Zaluar mostra que a lógica, adotada tanto no crime organizado do tráfico de drogas na periferia das cidades metropolitanas quanto nos altos escalões da administração pública não diferencia muito da lógica capitalista: em ambos os casos, a ilegalidade busca o lucro. Em ambos, há uma divisão de tarefas especializadas e integradas, há uma oferta e uma demanda por um produto mercantilizado. Ambos parecem ser um trabalho como outro qualquer. Há casos em que o traficante nem viciado em drogas é, tendo inclusive posturas moralistas e chegando a punir os seus "soldados", quando consomem o que deveriam vender. Portanto, eliminar, simplesmente, "bandidos" porque são pobres e miseráveis, enquanto originários da classe mais favorecida permanecem impunes e muitas vezes são até premiados com cargos e aposentadorias, é uma contradição que não pode deixar de ser confrontada, se quisermos discutir crime, bandidos e punição, com justiça e igualdade" (DOS ANJOS, 2003, p. 70).

6.2 A VIOLÊNCIA "DELES" E A NÃO-VIOLÊNCIA "NOSSA"

Um mito que delineia a nossa sociedade segregacionista é o de um povo não violento, que a violência estaria presente, no discurso dos não-excluídos, noutro lugar, ou seja, longe dos bairros estruturados das cidades brasileiras, onde residem os empresários, executivos, profissionais liberais, funcionários públicos com cargos de chefia, as classes média e alta brasileiras. Esse mito possui mecanismos de conservação, tais como:

O primeiro mecanismo é o da exclusão: afirma-se que a nação brasileira é não-violenta e que, se houver violência, esta é praticada por gente que não faz parte da nação (mesmo que tenha nascido e viva no Brasil). O mecanismo da exclusão produz a diferença entre um nós-brasileiros-não-violentos e um eles-brasileiros-violentos. "Eles" não fazem parte do "nós".
O segundo mecanismo é o da distinção: distingue-se o essencial e o acidental, isto é, por essência, os brasileiros não são violentos e, portanto, a violência é acidental, um acontecimento efêmero, passageiro, uma "epidemia" ou um "surto" localizado na superfície de um tempo e de um espaço definidos, superável e que deixa intacta nossa essência não-violenta.
O terceiro mecanismo é jurídico: a violência fica circunscrita ao campo da delinquência e da criminalidade, o crime sendo definido como ataque à propriedade privada (furto, roubo e latronício, isto é, roubo seguido de assassinato). Esse mecanismo permite, por um lado, determinar quem são os "agentes violentos" (de modo geral, os pobres) e legitimar a ação (esta, sim, violenta) da polícia contra a população pobre, os negros, as crianças de rua e os favelados. A ação policial pode ser, às vezes, considerada violenta, recebendo o nome de "chacina" ou "massacre" quando, de uma só vez e sem motivo, o número de assassinados é muito elevado. No restante das vezes, porém, o assassinato policial é considerado normal e natural, uma vez que se trata de proteger o "nós" do "eles".
O quarto mecanismo é sociológico: atribui-se a "epidemia" de violência a um momento definido do tempo, aquele no qual se realiza a "transição para a modernidade" das populações que migraram do campo para a cidade e das regiões mais pobres (norte e nordeste) para as mais ricas (sul e sudeste). A migração causaria o fenômeno temporário da anomia, no qual a perda das formas antigas de sociabilidade ainda não foram substituídas por novas, fazendo com que os migrantes pobres tendam a praticar atos isolados de violência que desaparecerão quando estiver completa a "transição". Aqui, não só a violência é atribuída aos pobres e desadaptados, como ainda é consagrada como algo temporário ou episódico.
Finalmente, o último mecanismo é o da inversão do real, graças à produção de máscaras que permitem dissimular comportamentos, idéias e valores violentos como se fossem não-violentos. Assim, por exemplo, o machismo é colocado como proteção natural à natural fragilidade feminina [...]; o paternalismo branco é visto como proteção para auxiliar a natural inferioridade dos negros [...]; a destruição do meio ambiente é orgulhosamente vista como sinal de progresso e civilização, etc."(CHAUI, 2003, p. 50, grifo nosso).

As relações sociais no Brasil são basicamente violentas, corruptas e segregacionistas, e por serem relações sociais naturalizadas no cotidiano do povo, conservando características históricas do período colonial escravista, patriarcal e patrimonialista, a sociedade brasileira não é tida como violenta:

"[...] a sociedade não percebe que as próprias explicações oferecidas [sobre a violência] são violentas porque está cega ao lugar efetivo de produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira. Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões econômicas, políticas e sociais, a corrupção como forma de funcionamento das instituições, o racismo, o sexismo, a intolerância religiosa, sexual e política não são consideradas formas de violência, isto é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e a violência aparece como um fato esporádico de superfície. Em outras palavras, a mitologia e os procedimentos ideológicos fazem com que a violência que estrutura e organiza as relações sociais brasileiras não possa ser percebida, e, por não ser percebida, é naturalizada, e essa naturalização conserva a mitologia da não-violência [...]" (CHAUI, 2003, p. 52).

6.3 A AUSÊNCIA DO ESTADO

O Estado democrático possui funções sociais que legitimam a sua existência, no entanto tais funções, em países como o Brasil, não são cumpridas pelos governantes, devido a fatores como baixa escolaridade, impunidade, desigualdade social e corrupção. A democracia brasileira é muito jovem, com cerca de duas décadas de existência, e o Estado como provedor de necessidades sociais como educação, saúde e segurança, também é bastante recente, a partir de meados do século XX. Logo, a burocracia estatal, nascida com Getúlio Vargas ? aquela de Max Weber, que deveria contemplar todos os cidadãos igualmente em seus direitos e deveres ? está, desde o seu nascimento, contaminada pelo "jeitinho" brasileiro, com condutas caracterizadas pela herança patrimonialista, patriarcal e racista da sociedade brasileira:

"O combate à criminalidade constitui uma atribuição estruturante do Estado nas sociedades contemporâneas. Além de prover saúde e educação, bem como outros serviços que garantem o bem-estar social, deve o Estado zelar pela preservação do patrimônio dos cidadãos e de suas respectivas integridades físicas" (SAPORI, 2007, p. 17).

Segundo Cano e Ribeiro(2007, p. 51), "[...] a tentativa de controlar a elevada incidência dos homicídios constitui assim um desafio prioritário para as políticas públicas. Estas, no entanto, não costumam escolher o combate à violência letal como prioridade". A seguir entraremos em nosso campo de pesquisa ? a cidade de Guarapari ? para confirmar a assertiva do emprego sectário da PM prioritariamente em bairros onde mais ocorrem crimes de roubo na cidade, em detrimento dos bairros onde estão concentrados os crimes de homicídio.
7 GUARAPARI DIVIDIDA POR SETORES

Para melhor compreender a problemática, foi feita uma divisão do município, conforme a divisão feita pela Polícia Militar para o emprego do policiamento. Os setores são: Rural, Praia do Morro, Centro, Sul, Norte e Meaípe. Cada setor se subdivide por bairros.
O setor rural, por ser extenso e com vários lugarejos dificulta um serviço mais aproximado da PM, não possui dados mais particulares de crimes e em grande quantidade para se trabalhar estatisticamente no emprego do policiamento.
O setor Praia do Morro abrange os Bairros Praia do Morro, Muquiçaba, Aeroporto e Santa Rosa. Este setor é de grande fluxo de pessoas, de área comercial e bancária, de turismo, e de moradores de classe média e alta.
O setor centro abrange os Bairros Centro, Parque Areia Preta e São Judas Tadeu. Possui as mesmas características do setor Praia do Morro.
O setor Sul abrange os Bairros Ipiranga, Coroado, Santa Margarida, Kubischek, São João e Olaria. Este setor localiza-se mais ao sul do setor Centro e possui características de ser de bairros residenciais, com pouca infra-estrutura urbana e sanitária, de moradores, em média, com renda baixa, e em sua grande parte de negros ? entende-se negros como pessoas ditas "morenas" ou "morenas escuras".
O setor Norte abrange os Bairros Santa Mônica, Setiba, Jabaraí, Perocão, Praia de Santa Mônica, Três Praias, Portal de Setiba, Portal, Una. Tal setor está localizado no extremo norte do município, e é um setor com bairros bastante complexos, com características de todos os setores, com turismo, comércio, área residencial, de moradores de classe média e de locais de moradores de renda baixa. No geral é um setor com baixíssima infra-estrutura urbana e sanitária.
O setor Meaípe abrange os Bairros Condados, Meaípe, Enseada Azul e Nova Guarapari. Este setor possui características de turismo, de residências de veraneio, pouco habitado na baixa temporada, e com o menor índice de criminalidade da região urbana de Guarapari.
Veja o mapa de Guarapari e seus respectivos setores delineados pelo 10° BPM:


8 EMPREGO DOS POLICIAIS MILITARES DA 1ª COMPANHIA DO 10º BATALHÃO DA POLÍCIA MILITAR, SEDIADO EM GUARAPARI

Para que fosse feita uma amostra do que realmente ocorre foram colhidas Escalas de Serviço da 1ª Companhia do 10° BPM (Guarapari) dos meses de julho e setembro de 2007, sob a administração de um comandante; e de julho e setembro de 2008, sob a administração de outro comandante. Dois comandantes diferentes em dois anos diferentes e com efetivos diferentes para empregarem nas ruas.
No serviço policial militar existe o atendimento das emergências geradas pelo CIODES. A dupla de policiais que se encontra numa viatura ? Radiopatrulhamento 24 horas ? recebe chamado via rádio para o atendimento de uma ocorrência, seja de ameaça, de roubo, de tentativa de homicídio, de seqüestro, de acidente de trânsito, etc. Cada viatura desta é responsável por áreas maiores (setores de policiamento), que em Guarapari se divide nos setores: Sul, Centro, Central, Praia do Morro, Norte, Rural e Trânsito. A viatura do trânsito fica específica para ocorrências de trânsito e fiscalização.
A escala de Radiopatrulhamento 24 horas dividida em cinco equipes não compensa a quantidade de carga horária mínima de 40 horas que o policial militar deve trabalhar por semana. Desta forma foi criada uma complementação de carga horária no horário de folga do policial. Esta escala emprega o policial militar em locais específicos, que são pontos estratégicos. Estes pontos em sua maioria estão localizados próximos ao comércio, às praias, aos locais de grande movimentação de veículos, sendo tais locais os de maior concentração de crimes de roubo na cidade, conforme o Quadro 1.
Os policiais que não são utilizados na viatura (carro) no serviço de 24 horas são empregados em três tipos de modalidades de policiamento: à pé, de bicicleta e de motocicleta. Normalmente são empregados no período de segunda a sábado e no horário comercial, ou seja, entre 08 e 20 horas. Também são na grande maioria, empregados próximo ao comércio da cidade, nos bairros Centro, Muquiçaba e Praia do Morro (Quadro 1), sendo os locais de maior concentração de crimes de roubo em Guarapari.
No Quadro 1 estão os pontos de policiamento cobertos pelo policiamento ostensivo à pé, de motocicleta, de bicicleta ou de carro em complementação de carga horária, realizados em ruas, praças, avenidas, constantes nas escalas de serviço pesquisadas, bem como os bairros e setores a que pertencem. Estes policiais militares são empregados prioritariamente nos setores Praia do Morro e Centro, onde se concentram os crimes de roubo, enquanto que os crimes de homicídio ocorrem com muito mais intensidade nos bairros de periferia, ou seja, nos setores Sul, Central e Norte, conforme tabelas 1 e 2.

LOCAL DE POLICIAMENTO BAIRRO SETOR
Rod. Jones dos Santos Neves Muquiçaba Praia do Morro
Extra-Center Muquiçaba Praia do Morro
Av. Dr. Roberto Calmon Centro Centro
Parque Areia Preta Parque Areia Preta Centro
Praia das Castanheiras Centro Centro
Av. Ewerson de Abreu Sodré Muquiçaba Praia do Morro
Praia do Morro Praia do Morro Praia do Morro
Av. Joaquim da Silva Lima Centro Centro
Rua da Marinha Itapebussu Central
Av. Davino Matos Centro Centro
Praça da Gratidão Centro Centro
Praça do Radium Hotel Centro Centro
Praça do Bradesco Centro Centro
Praça da Feira Hippie Centro Centro
Av. Beira Mar Praia do Morro Praia do Morro
Praça da Itapemirim Muquiçaba Praia do Morro
Trevo dos Guarás Muquiçaba Praia do Morro
Quadro 1: Emprego do policiamento em Guarapari, com exceção da ronda 24 horas.

















Tabela 1: Roubos em Guarapari por setor nos anos de 2007 e 2008.

SETOR 2007 2008
RURAL 21 18
PRAIA DO MORRO 348 321
CENTRAL 63 41
CENTRO 150 131
SUL 72 53
NORTE 74 67
MEAÍPE 27 33
TOTAL 755 664
Tabela 2: homicídios em Guarapari por setor nos anos de 2007 e 2008.
SETOR 2007 2008
RURAL 5 2
PRAIA DO MORRO 3 5
CENTRAL 15 22
CENTRO 2 2
SUL 10 12
NORTE 11 19
MEAÍPE 2 1
TOTAL 48 63













Muitos dos argumentos empíricos sobre o emprego prioritário de policias militares em locais de maior concentração de crimes contra o patrimônio, como ocorre em Guarapari, e não em locais de crimes de homicídio, é que o crime de roubo teria uma explicação espacial e social, ou seja, acometeria normalmente pessoas mais abastadas e comércios, situados em bairros ricos e com boa infra-estrutura; e que seriam os moradores da periferia (excluídos) ? que, em tese, devido a sua própria condição social, que se deslocam de seus bairros para o centro comercial, financeiro, político e de bairros residenciais bens estruturados pelo poder público ? que roubam estas pessoas. Enquanto que os mesmos argumentos empíricos e mitológicos dão conta de que o crime de homicídio não possuiria uma lógica espacial, social e econômica que explicasse tal crime, sendo que a motivação pode ser por variados motivos, e em qualquer lugar, o que dificultaria o emprego do policiamento ostensivo para prevenir este delito. No entanto, os gráficos de "Roubos em Guarapari por setor de policiamento" e "Homicídios em Guarapari por setor de policiamento", demonstram que não só os crimes de roubo em Guarapari nos anos de 2007 e 2008 tiveram uma lógica espacial, concentrando as ocorrências nos setores Centro e Praia do Morro, como também os crimes de homicídio, que ocorreram em muito maior quantidade nos setores Sul, Central e Norte. Outros dados também são muito importantes para o emprego do policiamento para prevenção de homicídios, como, por exemplo, a informação notória que na Grande Vitória a maioria das vítimas de homicídios estão ligadas ao tráfico de drogas e são homens jovens.







Diante de dados específicos, pelo menos na maioria dos homicídios, pode-se pré-estabelecer uma forma mais precisa de se prevenir tais tipos de crimes na sociedade guarapariense, pontualmente, assim como é feito com os crimes de roubo, que ocorrem em sua grande maioria na área comercial e de praia dos Bairros Centro, Muquiçaba e Praia do Morro, sendo que por este motivo existe efetivo policial militar específico para esses bairros, visando prevenir tais delitos.
O motivo que leva a essa priorização pelos bairros nobres é o próprio sistema econômico capitalista, onde a razão de tudo está atrelada cada vez mais numa racionalidade de relações sociais baseadas no capital, e os excluídos dessa realidade, não possuem, em tese, a própria cidadania, por não possuírem a possibilidade de consumir bens, conhecimento, informação, saúde, etc. Logo, inferi-se que essa preferência pelo emprego de policiais militares em bairros nobres (onde se localizam boas residências e/ou centro comercial, financeiro e político da cidade), atende aos anseios da classe política e econômica dominante, visando proteger os bens desta classe daquela que possui um baixo poder de consumo e reside na periferia da cidade. Desta forma, se os bens das classes de pessoas mais abastadas, influentes e poderosas são mais importantes, as suas vidas também são mais importantes, ou seja, a polícia vem trabalhando para a proteção de somente uma parte da sociedade, a sociedade "incluída" , de acordo com uma macro-estrutura de segregação espacial, social e racial. Basta observar a imprensa quando ocorre um homicídio contra uma pessoa desta sociedade "incluída", com dias, semanas e até meses falando sobre o caso, com reportagens detalhadas, extensas e emotivas junto à família da vítima. Nada mais é que o verdadeiro sentimento que deveria acometer todas as pessoas quando de quaisquer outros homicídios em quaisquer outros locais, contra quaisquer pessoas, independente de posição social, local de moradia ou cor da pele.
Segundo Sapori (2007, p. 37, grifo nosso):

"... os arranjos estruturais e formais das organizações modernas resultam de um processo de isomorfismo institucional, ou seja, as características estruturais são produto, em boa medida, da conformidade das organizações aos mitos institucionalizados no ambiente social. Essa conformidade é fundamental para se maximizar a legitimidade da organização perante seu ambiente, o que garante a maximização concomitante de sua sobrevivência. A noção de mitos institucionais remete-nos a valores, crenças e normas que estão institucionalizados na realidade social e que se impõem às organizações, exigindo delas conformidade a seus parâmetros. Muitas das políticas, programas e tecnologias que compõem as organizações são basicamente garantidas pela pressão da opinião pública, pela visão de setores da elite social ou mesmo pelo conhecimento legitimado pelo sistema educacional, sem considerar o caráter coercitivo dos estatutos legais. Os mitos institucionais têm duas características básicas: primeiro, são as prescrições racionalizadas que identificam propósitos sociais como propósitos técnicos, especificando os melhores caminhos para se alcançar o que se deseja; segundo, estão profundamente institucionalizados, não se submetendo ao arbítrio de indivíduos isolados. São percebidos e assumidos como legítimos, como verdades inquestionáveis, independentes dos efeitos práticos que possam ter. As tecnologias organizacionais são exemplos disso".

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho confirmou o pressuposto de que os policiais militares de Guarapari são empregados prioritariamente em bairros com maior incidência de crimes de roubo em detrimento dos bairros onde se concentram os homicídios. Tal pressuposto foi confirmado pelos dados coletados, conforme tabelas e gráficos, no entanto há de se considerar que as motivações para se escalar os policiais mais em determinado local e não em outro são várias, como, por exemplo, o contexto político e a cultura histórica das Polícias Militares do Brasil ? de acordo com a cultura do povo brasileiro ? de supervalorização do patrimônio em detrimento da vida. No entanto, o fator que mais responde este emprego sectário da PM em Guarapari é que o que ocorre nas periferias não tem tanta importância para a sociedade dita de influência política e econômica, porque está afastado do centro político e econômico da cidade que possui infra-estrutura, dos bairros mais bonitos e com boa arquitetura, da sociedade dita "civilizada". Outra questão importante é que a Polícia se preocupa mais com os bairros ricos não só porque ocorrem mais crimes contra o patrimônio, mas seria para proteger aquela sociedade das sociedades marginalizadas, de todo e qualquer crime.
Sabemos que o policiamento ostensivo é apenas um dos fatores para a prevenção de homicídios numa sociedade, sendo outros os investimentos em infra-estrutura, em escolas de período integral e de boa qualidade, em prática de esportes, novas vagas de emprego, maior eficiência na investigação criminal, diminuição da desigualdade, dentre outros. No entanto, o policiamento ostensivo através do policiamento comunitário em bairros com maior índice de homicídio é essencial: a presença da mesma equipe de policiais trabalhando num bairro todos os dias, durante o dia(no horário comercial), interagindo com as pessoas, naturalmente elevará a alto-estima dos moradores, que criarão maior confiança na polícia. Ora, o poder não fica vago, se a polícia não se instala em determinado local, alguém ou algum grupo quererá dominar aquele espaço, e as pessoas se virão obrigadas a colaborar com eles, haja vista a polícia não estar presente cotidianamente. Mas se a polícia se fizer presente, com telefones de policias à disposição das pessoas do bairro, criando confiança mútua, certamente o quadro se reverterá, desencorajando os infratores a cometerem delitos, pelo menos naquela localidade. Alguns locais no Brasil de alto índice de violência, como o Rio de Janeiro, já possuem experiências positivas na implantação desta filosofia:

"O GPAE(Grupo de Policiamento em Áreas Especiais) foi aplicado pela primeira vez na favela carioca do Pavão-Pavãozinho-Cantagalo no ano de 2000 e posteriormente estendido a outras comunidades carentes e violentas. Substituindo a estratégia tradicional de invasões periódicas, a polícia permanece na comunidade de forma estável e tenta desenvolver uma relação mais próxima com a comunidade, priorizando na sua atividade a redução dos incidentes armados, e não a "guerra contra as drogas"" (CANO; RIBEIRO, 2007, p. 74).

Apesar de o Espírito Santo ter sido o segundo estado a implantar o policiamento comunitário, no início da década de 90, na última década a política da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo era de supervalorização do policiamento reacionário, com investidas de combate às drogas e entradas impactantes e esporádicas em bairros pobres, inclusive com a presença do secretário de segurança (delegado da Polícia Federal) fazendo uso de colete e pistola junto de operações segregacionistas, onde havia mais câmeras do que boas idéias, aumentando mais ainda a antipatia da sociedade capixaba, dos milhares de trabalhadores que residem nos bairros abandonados pelo poder público e não resolvendo o problema dos homicídios que a cada ano só aumentou neste governo, ceifando a vida de milhares de jovens vítimas do preconceito, do desrespeito e da incompetência administrativa dos órgãos responsáveis pela segurança pública do povo capixaba.
O essencial na prática do serviço de policiamento ostensivo é que se mude a concepção norte-americana, importada para o Brasil, de emprego do policiamento ostensivo de modo "reativo" ? trabalhar sobre o fato ocorrido (policiamento de pronta-resposta) ? para o emprego do policiamento ostensivo de modo "pró-ativo" ? focado na resolução de problemas que vão se identificando em cada bairro ? e para que isso seja possível, é necessário que a PM descentralize seus comandos para comandos de áreas cada vez menores, com efetivos específicos para cada localidade, visando comunitarizar o trabalho da PM, facilitando o acesso da população, principalmente de bairros com alto índice de homicídios, aumentando a confiança das pessoas no trabalho da PM, e desta forma, repercutindo numa maior participação da Segurança Pública, através de denúncias e sugestões. O objetivo maior de toda instituição policial é a preservação da vida, que deve estar acima do "combate ao tráfico de drogas". O confronto armado esporádico em bairros pobres, com maior incidência de tráfico de drogas e de homicídios, deve ser substituído pelo trabalho de inteligência policial e pela presença diária de policiais a pé conforme é feito em áreas nobres da cidade. Tudo isso e muito mais deve ser feito visando aumentar a expectativa de vida dos jovens moradores de periferia de um dos balneários mais belos do Brasil, conhecido mundialmente como "Cidade Saúde".

10 REFERÊNCIAS

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CHAUÍ, Marilena. Ética, Política e Violência. In: CAMACHO, Thimoteo (Org.) Ensaios sobre Violência. Vitória: EDUFES, 2003. p. 39-59.

CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATITUCCI, Eduardo Cerqueira. (Org.) Homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 252 p.

DOS ANJOS, Erly Euzébio. A Banalização da Violência e a Contemporaneaidade[sic]. In: CAMACHO, Thimoteo (Org.) Ensaios sobre Violência. Vitória: EDUFES, 2003. p. 61-82.

HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997. 344 p.

MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia: Sociologia da força pública. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. 328 p.

SOARES, Gláucio Ary Dillon. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. 200 p.

SAPORI, Luís Flávio. Segurança Pública no Brasil: Desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 208 p.